"Temos ou não o direito moral de alardear, como alardeamos, o cristãos que somos, o solidário que somos, o bonzinhos que somos, o civilizados que somos? Se assim é, avance-se para uma consulta. E diga-se em alto e bom som hoje e para a História, se queremos ser ou não responsáveis por um retrocesso civilizacional de séculos ou se, pelo contrário, estamos à altura das ameaças e desafios que se colocam - porque algum dia se colocariam - ao nosso nível formal de Civilização."
Hoje, na Europa, não há a desculpa do desconhecimento (como houve no tempo do Holocausto). Milhares de pessoas vivem em condições infra-humanas à espera de serem acolhidos nos nossos países. Pergunto-me, porque razão aprovámos Cartas de Direitos Humanos e as incorporámos na nossa Ordem Jurídica, nos orgulhamos delas e as esfregamos na cara de que as viola, sistemáticamente quando, à hora da verdade crua e nua, perante as filas quilométricas de pessoas que essas Cartas dizem proteger, as consideramos personas non gratas? Ameaças à segurança nacional? Concorrentes indesejáveis ao nosso bem-estar? Potenciais criminosos perturbadores da nossa segurança?
Perguntem aos 550 milhões de europeus se estão dispostos ou não a receber estes candidatos a residentes! E encarem de frente e sem rodeios o verdadeiro problema: os políticos não resolvem esta questão porque não sabem ao certo o que pensa a Cidadania e, como não o sabem e têm um medo horrível de perder as eleições, preferem gerir o problema aos solavancos, ora sim ora não, para despistar e fazer ver que o resolvem.
Democracia não é isso? Para que existem referendos? Não está claro que estamos face a um beco sem saída? Que nos colocámos perante o facto consumado de termos de deitar para o lixo essas belas Convenções humanitárias e símbolo da Civilização mais avançada do mundo? Quantas mais reuniões do Conselho Europeu é que temos de engolir? Temos medo de um referendo? Não serve para nada? Serve sim. Claro que serve. Coloca cada um dos nós perante a irrefutável responsabilidade de decidir se, de facto, somos assim tão civilizados ou não. Se temos ou não o direito moral de alardear, como alardeamos, o cristãos que somos, o solidário que somos, o bonzinhos que somos. Se assim é, avance-se para uma consulta. E diga-se em alto e bom som e para a História, se queremos ser ou não responsáveis por um retrocesso civilizacional de séculos ou se, pelo contrário, estamos à altura das ameaças e desafios que se colocam - porque algum dia se colocariam - ao nosso nível formal de Civilização.
Se o resultado for negativo, pois, há que enfrentar as consequências. Não vale dizer que as consequências seriam terríveis. Se fomos capazes de ir à lua, somos capazes de fazer face a um "não queremos mais refugiados". Ou a mente humana, afinal, não é digna de ser adjetivada de "superior"? Não se diz tanto que somos os mais cultos e educados da História da Humanidade? Para que servem tantos masters e teses e cátedras? E se, pelo contrário, houver uma maioria de pessoas que aceita abrir as portas do nosso dia-à-dia a essa gente que não tem futuro nos seus países (muito, também, por responsabilidade nossa), então, mãos à obra!
A Polítca é incompatível com a Ética? Com os Valores Morais que andamos a defender há séculos? Não vibramos todos com as palavras do Papa Francisco? Pois ele, o que diz, é que a Política pode e deve ser compatível com a Ética e com os Valores da solidariedade e da compaixão. O Homem nasce com estes atributos, já o dizia Rousseau. E tem vindo a construir uma sociedade que preserva essa compaixão natural e inata. Pelo menos, no papel.
Não ter medo, não se render ao medo é isto, para mim. Cortar a direito e avançar para uma solução. Nada é mais grave que viver numa sociedade que renega dos seus Princípios e Valores. E a democracia fez-se para recordar e assegurar que assim é. Seria o mais racional de tudo.
Falta de dignidade não é apenas viver na miséria. É também condenar outros a viverem na miséria.

 
