Amo a
vida! Adoro quando ela se manifesta numa gargalhada sonora, num abraço
espontâneo, numa zanga monumental, num erro crasso, numa angústia corrosiva,
numa espera ansiosa, num trabalho suado, numa conversa profunda, numa decepção
monstruosa, num silêncio desgastante, numa mão estendida, num conselho avisado,
num projeto partilhado e num beijo sem fim. Adoro quando ela nos deixa uma
noite acordada a pensar e nos obriga a melhorar e nos desafia sem cessar a
superar o impensável e inimaginável e nos transforma num alguém que ainda ontem
não levávamos dentro de nós. Adoro entregar-me, vestir causas e partilhar
entusiasmos, emocionar-me até à medula e sentir o nó que aperta a garganta e se
prolonga e prolonga e não tem fim. Adoro essa vida que nos acorda primavera e
deixa de ser colorida sem sabermos porquê e se descose ao entardecer pelas
costuras numa torrente de lágrimas que encharcam, resfriam e constipam o dia de
amanhã. Adoro caminhar lentamente a tristeza de uma ausência e sentir como nos
enche o coração de saudade, adoro recordar e reviver momentos passados num
sorriso que ilumina a alma, reencontrar pessoas, coisas, sítios, músicas,
letras, palavras, vozes e encher delas os pensamentos pachorrentos de uma tarde
de verão. Adoro amar tudo o que se cruza no meu caminho e me agarra com dois
braços abertos e enche a noite de ternura e os dias de cumplicidade e dói
quando se ausenta e atormenta quando se escapa. Amo demais os mundos escritos
aprendidos de palavras com que forrei e enchi o meu próprio Universo e é nelas que
espalho e espelho com delícia e prazer as cores, a música e os sabores das
vozes da minha alma.  Adoro dar
tempo e um compasso de espera à vida que se apressa a ser consumida no imediato
e a deixar para amanhã o que poderia ser feito hoje e antecipar o que grita
para ser deixado uns dias em cima da mesa, surpreender e ser surpreendida pelo
que não espero, ficar sem voz, ficar sem fôlego, ficar sem forças e abraçar o
milagre até ao café da manhã. É isso a vida, só assim sei viver e quero
escrever os dias de mim, um atrás do outro como se tudo fosse acabar no segundo
a seguir, entregue ao que sou, amando como sei, dando o que não concebo, assinando
tudo o que faço sem nada negar ou esconder e de nada renegar porque vida há só
uma, aquela a que Deus deu a bênção do meu nome e a competência para a ser.
 
 
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