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sexta-feira, 30 de maio de 2025

E se eu fosse esta bruma?

Esta é a delicada bruma que desliza pelos cantos e recantos da minha circunstância. Nasce nas bermas do Atlântico, a cada onda que rebenta um pouco, aos poucos e é assim, dispersas as gotas pelas suas correntes de ar inexoráveis e intemporais que, aos poucos e poucos, a bruma vai galgando, paciente e conscienciosamente as colinas, entre o arvoredo, ao longo dos trilhos, por cima dos muros, torneando casas e palácios que sobrevivem ao tempo e aos tempos, sólidos demais para se preocuparem com o assédio de ventos inóspitos e adulterados, até chegar ao cimo da colina, ao topo deste Monte onde a alma, esse sentir que se identifica e depois se confunde e no final se transfigura na realidade que nos envolve, e se veste da própria bruma, aquela que dá as mãos, abraça e beija estes verdes entrelaçados uns nos outros, os refresca com a água que transporta lá do fundo do horizonte, por desígnio do mar, que forma parte deste todo e que sem ele nem estes verdes existiriam, nem a bruma, nem a minha alma poderia algum dia ser aquilo que vejo, o que me rodeia, a realidade. Isto sim, faz-me sentido, ser, com a água, a terra, as plantas e as brisas, o Universo, o todo, aquilo que perdurará até ao final dos tempos. Esvai-se a bruma, regresso ao meu espaço, consciente de que nem sempre é a ciência que explica a realidade mas sim a vontade/ capacidade de sentir-nos parte ativa do que nos rodeia. Não me parece não ser bem vinda nesse mundo onde reina a harmonia, a paz e a sabedoria. Acho até que o que se espera de nós, o que esta realidade espera de nós é que ponhamos a nossa alma ao serviço deste Universo. Mas para isso há que ser bruma. Esta bruma.


30 maio 2025




sexta-feira, 23 de maio de 2025

Amor nas margens da vida louca

Parece banal e irrelevante face às prioridades e problemas que ocupam os seres humanos, que umas hastezinhas empertigadas e delicadas, tenham brotado de uma série de sementes minúsculas, sem graça nem elegância, colocadas dentro de umas ramas de algodão embebidas em água durante uns dias e aquecidas pelo sol, sempre pálido e tímido, o que entra pela minha janela. E no entanto, no entanto, como me ocorre tantas vezes pensar, é tão verdade que as maravilhas da vida estão é nestes minúsculos e irrisórios acontecimentos que vivem e se desenvolvem na dimensão de tantos "no entanto" que escapam à vida macroscópica que só tem olhos para o que é grande, uniforme e transacionável, ruidosa e que arrasta milhões de pessoas atordoadas. Plantei uma floresta de jacarandás, um facto absolutamente extraordinário que atesta aos gritos que entre humanos e não humanos existe um vínculo, uma cadeia de colaboração que dá origem à vida que garante a continuidade da nossa existência coletiva. É aqui, neste ponto de encontro, neste cruzamento, nesta precisa conexão que reside o segredo de tudo, do tudo, disso que andamos à procura como zombies e do qual nos andamos a afastar a uma velocidade estonteante. Eu falei com a semente na linguagem que ela percebe e ninguém me ensinou nenhum código nem tive que aprender programação ou criar um algoritmo. A IA não meteu para aqui nem prego nem estopa, as sementes e eu colaborámos em silêncio, devagarinho, com muito cuidado e delicadeza, intuitivamente, penso que se pode chamar a isso, amor. E volto sempre ao mesmo lugar. O que se situa à margem de tudo, nesta dimensão do "no entanto", é esta força misteriosa, de linguagem intuitiva, que não tem pressa nem código que se chama "amor". Cristalino como um diamante, elegante como a brisa, delicado como uma pluma...a força que ergue e sustenta as hastezinhas que despertaram no algodão em rama à luz que entra pela janela.

23 maio 2025



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