E por isso vou a correr escrever. Para que as ideias escorram depressa para o papel e dêem espaço às novas que se apressam a tomar forma. Escrever é forrar as paredes interiores de ideias arrumadas.
sábado, 31 de março de 2012
As vezes não faz sentido...
Há vezes, há dias, em que o mais obvio deixa de fazer sentido. Como é que é possível que o óbvio perca a obviedade? Algo acontece, alguma coisa sucede no sistema para que de repente o que era sustentável deixe de o ser. E ao surgir essa estranha angústia, o que era, e assim era vivido, deixa de sê-lo para passar a ser sentido, visto e vivido de uma maneira diferente. E que angústia é essa? Como isolá-la para conseguir compreender o poder do seu alcance?                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                      
terça-feira, 20 de março de 2012
A cruz de um pai odiado
O pai odiado é uma cruz especialmente pesada que se carrega na vida. Porque o ódio é uma cruz. E o ódio ao pai fá-la especialmente pesada. A cruz do ódio existe e por vezes está de tal maneira encrostada na nossa alma que nem sempre a vida nos oferece as condições ou o tempo para limpar essa sombra. Mas vale a pena tentar. É um enorme desafio ao nosso ser e a todas as nossas capacidades. Mobiliza-nos por inteiro, faz apelo a todos os nossos recursos. É uma verdadeira empresa. Que exige ultrapassar o ódio? Compreensão do outro a quem odiamos? Compaixão? Amor? Humanidade? Sem ser necessário descer à profundidade que nos propôs Cristo: "Dá-lhe a outra face", é possível ultrapassar o ódio se pensarmos que o ódio é um sentimento de repulsa e negação do outro que só existe quando essa pessoa não nos é indiferente. Se fosse, o ódio não existiria...Está no polo oposto do amor...Porquê ter ódio? É por aí que se começa: pela interrogação: por que razão esta pessoa me faz sentir ódio? É por isso que eu penso que o ódio é uma cruz. Porque na base do ódio existe um amor traído, magoado, negado, talvez. O segundo passo é perceber o que aconteceu para que esse ódio se criasse e manifestasse de uma forma violenta? Por vezes é simples identificar as razões: traições, desfeitas, desilusões...o catálogo pode ser mais ou menos extenso...mas nunca nos deixa indiferente. Mas eu não queria falar de um ódio qualquer. Eu queria falar do ódio ao pai. Que não nos amou como queríamos, esperávamos, desejávamos. Que despertou, fosse lá porque fosse, essa rejeição brutal que nos leva a desenvolver em relação a ele um sentimento cristalizado de um só registo: ódio. Com ele convive esse amor inato que temos pelo pai que nos traíu ou que traíu o nosso amor. Mas o amor existe porque o ódio, por muito forte que seja, jamais terá a capacidade de destruir o amor. Senão não seria ódio, seria indiferença. Recuperar esse amor é assumir a cruz. Parece difícil. É com certeza. Como se assume a cruz? Aceitando que paralelamente ou no polo oposto do ódio levamos dentro esse amor que não deixou de existir. E se realmente queremos que ele se sobreponha ao ódio há que preenchê-lo com algo. E só se preenche o amor com perdão. "Meu Deus perdoai-lhes porque eles não sabem o que fazem"...Sabemos perdoar à pessoa que odiamos? Sabemos, sim. Se soubermos chegar ao perdão, a esse lugar onde sentimos que tudo aquilo que nos fizeram - o que o pai odiado nos fez - foi porque não sabia o que fazia...sabemos. E não se trata de não saber, no sentido de não ter consciência. Ainda que a tivesse, pode ser perdoado porque estava errado. Meu Deus, perdoai-lhe os erros. As pessoas erram, estão no caminho errado, por vezes. É humano, diziam os romanos. É humano. Magoam? Sim. Conscientemente? Algumas vezes sim. É especialmente grave quando se trata do pai? Claro que é. É uma cruz levar o ódio ao pai às costas. Ninguém disse que era um caminho de rosas. Mas, volto ao mesmo: se odeio, amo. E se amo e não erro tanto como aquele a quem odeio, tenho a responsabilidade acrescida de ser melhor do que aquele que não nos amou como queríamos, gostávamos e desejávamos. E se amo, perdoo. Inspirada por essa exclamação de Cristo na cruz: "Meu Deus, perdoai-lhes porque não sabem o que fazem". Perdôo ao meu pai que tanto odiei? Claro que sim. Claro que sim. Porque eu não quero levar essa cruz a vida toda. Quero substitui-la por esse amor que existe e que foi talvez traído por tudo o que ele me fez ou fez. Ele errou. E eu vou amá-lo por isso mesmo. E penso que pondo de lado os erros, eu terei uma maior capacidade para ver as coisas que nele houve de boas. Que certamente terão existido. Dissipada a núvem, limpa a planície, os meus olhos podem ver mais longe: e aí eu vou começar a construir, juntamente com o perdão dos erros, um amor ao pai. E a cruz torna-se mais leve. E surge uma coisa, outra e outra. Qualidades que tinha, gestos, sorrisos, atenções, preocupações...Vai ser possível a reconciliação. E no dia do pai, que foi ontem, é possível olhar para o pai que já não está e dizer, como todos: "Que saudades". Até porque, provávelmente, as saudades o que querem dizer é simplesmente: "Pai, hoje estaria disposta a perdoar porque o que quero é ter, como toda a gente, um pai. E pai...há só um. É o pai!". E ele, esteja onde estiver, irá sorrir e tenho a convicção de que uma lágrima lhe cairia pela cara abaixo.
Advertência: Não estou a falar do meu pai nem de mim. Mas sim de uma pessoa que me é muito querida e que infelizmente sente isso. Espero ter sido útil!
Advertência: Não estou a falar do meu pai nem de mim. Mas sim de uma pessoa que me é muito querida e que infelizmente sente isso. Espero ter sido útil!
A vida para além da morte
Ter e deixar de ter um pai ou uma mãe dá que pensar. Enquanto estão ocupam um determinado espaço e têm um determinado peso afectivo na vida dos filhos. Quando deixam de estar...outro. Não é que tenham menos ou mais enquanto estão e depois, quando deixam de estar. O que nos leva a pensar que a vida é estar e depois, um deixar de estar que apesar de tudo, continua a estar...E não é só através da memória que a vida continua e se transforma nesse património intangível e imaterial à qual continuamos ligados. Porque senão não teríamos estes sentimentos todos pelas pessoas (pai, mãe etc) que deixaram de estar. Essa vida afectiva para além da morte, existe. A questão é a de saber se aqueles que deixaram de estar físicamente e de quem já ninguém se lembra ou sente algo...ainda possuem algum tipo de "vida"? Isso levar-me-ía a pensar que talvez haja um purgatório (melhor que o que nos foi ensinado) uma fase transitória em que ainda estamos ligados "à vida terrena" através da memória e dos afectos que deixamos nos vivos. Passada essa fase, seríamos entregues a Deus, que se cuida de todos aqueles que deixaram de poder gozar de todos esses afectos que o tempo vai esmorecendo...Prefiro esta imagem à do purgatório redentor...Os vivos seriam "agentes de Deus" encarregues de cuidar de todos os que morreram e se preparam nessa fase de trânsito, para receber o amor dele, um amor diferente...tem que ser muito diferente mesmo! Enfim...pensamentos...
sexta-feira, 9 de março de 2012
A Humanidade é só uma
Jacob é um miúdo como o meu filho Luís. Tem a mesma ingenuidade, simplicidade e forma de sentir. Jacob é um miúdo como todos os nossos filhos. Só que ele não nos tem a nós para o protegermos, educarmos, fazê-lo feliz. A Jacob como a muitos outros miúdos do Uganda, mataram-lhe o irmão barbaramente à frente dele. Jacob, como aconteceria com os nossos filhos, adora o irmão, tem saudades dele e chora. Chora como choraria o nosso filho. Nós estaríamos aqui para consolá-lo. Só que Jacob não nos tem a nós. Mas sofre como sofreria o nosso filho...A Humanidade é só uma. E todos são nossos filhos. Não dá mesmo para ficar indiferente.
Jacob é um miúdo como o meu filho Luís. Tem a mesma ingenuidade, simplicidade e forma de sentir. Jacob é um miúdo como todos os nossos filhos. Só que ele não nos tem a nós para o protegermos, educarmos, fazê-lo feliz. A Jacob como a muitos outros miúdos do Uganda, mataram-lhe o irmão barbaramente à frente dele. Jacob, como aconteceria com os nossos filhos, adora o irmão, tem saudades dele e chora. Chora como choraria o nosso filho. Nós estaríamos aqui para consolá-lo. Só que Jacob não nos tem a nós. Mas sofre como sofreria o nosso filho...A Humanidade é só uma. E todos são nossos filhos. Não dá mesmo para ficar indiferente.
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