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segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Os logaritmos do poder


Trabalhei, há poucos anos atrás, como Assessora para os Assuntos da UE, no Gabinete do Primeiro Ministro de um país do antigo bloco soviético, acabado de entrar na UE.
Uma experiência única e fascinante. No Gabinete trabalhava também um Assessor nativo que tinha sido diplomata na era comunista, saneado nos alvores da democracia e agora de novo no ativo. Era culto, poliglota, discreto, misterioso, eficiente e temido. Por todas estas razões, seria o meu "amigo-tutor" nas andanças pelos bastidores do poder daquele país complexo. Sentados nos jardins do Palácio da Presidência do Conselho, nos meus primeiros dias, expliquei-lhe a minha agenda. Esperou, em silêncio, que eu terminasse para me dizer, com um ar bizantino: "Maria (o do Carmo ficaria no tinteiro), vou-te dar o primeiro dos logaritmos que explicam a anatomia do poder real neste país: Tudo o que parece, não é, e tudo o que é, não parece". Registei.
Semanas mais tarde participámos ambos numa reunião entre altos funcionários da UE, Ministros e representantes do Poder Judicial. Eram reuniões aparatosas, verdadeiras jóias protocolares, com as hierarquias simetricamente distribuídas por cada lado da mesa. Tendo verificado que a pessoa que, embora fosse a que detinha, segundo o primeiro logaritmo, o poder real sobre as questões ali tratadas, se abstinha de intervir, procurei a explicação. Com o mesmo ar enigmático, o meu amigo acrescentou um segundo logaritmo ao primeiro: "Aqui, quem manda não fala, fala quem não manda". Tomei nota.
Numa outra vez, por ocasião de um furibundo debate parlamentar entre o Governo e a Oposição, o meu tutor forneceu-me o terceiro logaritmo, após o qual me sentiria apta para elaborar o "verdadeiro organigrama do poder". "Aqui, não procures sob a luz do holofote, mas sim na sua sombra". Pus mãos à obra.
O organigrama que elaborei, à luz daqueles logaritmos, não coincidia com o oficial. E à medida que avançava, ia-se tornando cada vez mais complexo e extenso, acabando por extravasar o Governo e o próprio Estado, perdido nos interstícios da economia, da sociedade e até do estrangeiro, em lugares e pessoas não recenseados no mapa oficial. "Então e agora?". "Agora, Maria, que conheces os logaritmos e a anatomia do poder real no país, avante!" E assim foi.
De volta a Portugal, confirmo! O cenário é outro, os logaritmos poderão ser diferentes mas o resultado a que chego é o mesmo a que cheguei naquele país longínquo. Porque aqui, os organigramas também não coincidem! 

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