Trabalhei, há poucos anos atrás, como Assessora para os Assuntos da UE, no Gabinete do Primeiro Ministro de um país do antigo bloco soviético, acabado de entrar na UE.
Uma experiência única e fascinante. No Gabinete trabalhava também um Assessor nativo que tinha sido diplomata na era comunista, saneado nos alvores da democracia e agora de novo no ativo. Era culto, poliglota, discreto, misterioso, eficiente e temido. Por todas estas razões, seria o meu "amigo-tutor" nas andanças pelos bastidores do poder daquele país complexo. Sentados nos jardins do Palácio da Presidência do Conselho, nos meus primeiros dias, expliquei-lhe a minha agenda. Esperou, em silêncio, que eu terminasse para me dizer, com um ar bizantino: "Maria (o do Carmo ficaria no tinteiro), vou-te dar o primeiro dos logaritmos que explicam a anatomia do poder real neste país: Tudo o que parece, não é, e tudo o que é, não parece". Registei.
Semanas mais tarde participámos ambos numa reunião entre altos funcionários da UE, Ministros e representantes do Poder Judicial. Eram reuniões aparatosas, verdadeiras jóias protocolares, com as hierarquias simetricamente distribuídas por cada lado da mesa. Tendo verificado que a pessoa que, embora fosse a que detinha, segundo o primeiro logaritmo, o poder real sobre as questões ali tratadas, se abstinha de intervir, procurei a explicação. Com o mesmo ar enigmático, o meu amigo acrescentou um segundo logaritmo ao primeiro: "Aqui, quem manda não fala, fala quem não manda". Tomei nota.
Numa outra vez, por ocasião de um furibundo debate parlamentar entre o Governo e a Oposição, o meu tutor forneceu-me o terceiro logaritmo, após o qual me sentiria apta para elaborar o "verdadeiro organigrama do poder". "Aqui, não procures sob a luz do holofote, mas sim na sua sombra". Pus mãos à obra.
O organigrama que elaborei, à luz daqueles logaritmos, não coincidia com o oficial. E à medida que avançava, ia-se tornando cada vez mais complexo e extenso, acabando por extravasar o Governo e o próprio Estado, perdido nos interstícios da economia, da sociedade e até do estrangeiro, em lugares e pessoas não recenseados no mapa oficial. "Então e agora?". "Agora, Maria, que conheces os logaritmos e a anatomia do poder real no país, avante!" E assim foi.
De volta a Portugal, confirmo! O cenário é outro, os logaritmos poderão ser diferentes mas o resultado a que chego é o mesmo a que cheguei naquele país longínquo. Porque aqui, os organigramas também não coincidem! 
 
 
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