Na quietude do despertar do dia, quando o tempo e o espaço ainda dormem silenciosos, gosto de sentar-me neste canto do jardim e apreciar o que a Natureza nos tem para ensinar na sua esplendorosa e mágica linguagem da Beleza e da Harmonia, sinais evidentes de que estamos perante mais um milagre, chamado Amor. Não falamos dele na mesma língua e a nossa complexidade faz com que nos afastemos, sinuosamente, da sua simplicidade. E esta pode ser contada assim:
Era uma vez uma cameleira. Nos seus tempos mais brilhantes era bela e viçosa e oferecia ao mundo camélias tão exuberantes quanto doces e delicadas. Era o meu pai que a apreciava especialmente e quando morreu, a minha mãe passou a por uma camélia na sua fotografia, perpetuando assim a memória de um amor, agora desaparecido. Com o tempo, a cameleira, embora continuasse a enfeitar-se de flores, começou a definhar e pela secura do seu tronco descolorido e áspero, parecia querer explicar ao mundo que a sua missão, nesta vida, estava cumprida. Morrera também a minha mãe e que sentido tinha viver, dizia-se ela, se nada podia trazer-lhe de volta os dois seres que mais amor lhe tinham devotado e a quem se tinha entregue sem reservas, através das suas belas e viçosas camélias? A solidão é a forma mais dura do desamor e foi por isso que veio a laranjeira, para fazer companhia à camélia desolada. Há quem diga que a vida das pessoas continua nas árvores e neste caso, a laranjeira veio também em honra e memória da minha mãe. Não que ela gostasse de laranjas ou apreciasse a árvore em si mas para simbolizar a vida, que continua e, que melhor do que uma árvore de frutos para simbolizar continuidade do amor que a minha mãe também devotara à cameleira, por amor ao meu pai? Passaram-se meses e a cameleira prosseguia a sua vida triste e murcha até que, diretamente da sua raiz começaram a aparecer uns ramitos verdes, curiosos e temerários, desafiando assim a inexorável caminhada da cameleira para a morte. "Tiram força à árvore, é preciso cortá-los", disseram e assim foi. Mas os ramos pareciam teimar na sua razão de ser e a verdade é que se foram impondo ao ritmo com que a laranjeira passava de adolescente a adulta e ía também vingando tornando-se num belo e robusto exemplar da sua espécie. Parecia que existia, entre ambas, uma ligação invisível, estranha à Razão e inexplicável do ponto de vista da Ciência. Nada prova de que o ressurgimento da cameleira tivesse algo a ver com a presença da laranjeira e nada explica que possa existir uma qualquer cumplicidade, ao estilo da humana, entre seres que não possuem inteligência, apenas vida. E a história acabaria aqui com este final singular e estranho caso este diálogo irreal não tivesse sido alargado a uma outra árvore que entretanto veio habitar o jardim. Falo do jacarandá que depois de ter sido incubado a partir de uma semente resgatada no chão de um passeio em Lisboa, sem nome nem apelido, começou a vingar, num vaso, e de tal forma, que foi necessário encontrar-lhe um lugar na terra e foi assim que este se introduziu neste diálogo existencial pre-estabelecido, a relação da laranjeira com a cameleira. O jacarandá, filho único habituado a um habitat protegido e rodeado de precauções, estranhou a vida à intempérie de Sintra e foi perdendo a folhagem exuberante e delicada, dia após dia, inexoravelmente até à medula. Não houve nada a fazer, proteção que evitasse este descalabro acelerado e vertiginoso para uma morte que se anunciava na magreza, secura e debilidade de um tronco nu. Assisti com preocupação e tristeza a este processo de degradação e decadência e, quando estava prestes a perder a esperança, um dia descobri, nesse tronco moribundo um pequeno broto, uma folhinha mínima e insignificante que, à semelhança do que acontecera tempos antes com a cameleira, tentava inverter o sentido do destino que parecia tão inevitável. Dia após dia, esta prova de vida foi-se tornando cada vez mais robusta e firme e ao fim de uns tempos, o jacarandá voltava a ter um pequeno ramo de minúsculas folhas, alinhadas em simetria, e depois outro e mais outro e ainda outro como se fossem soldados a sair em defesa do seu rei, o exuberante e majestático jacarandá. Sentada no vértice deste triângulo mágico, percebi, depois de horas e dias de uma vigilância atenta e sem preconceitos, que a relação mágica que ligara o destino da cameleira ao da laranjeira se tinha estendido ao jacarandá e que esse diálogo sem palavras, sem som, sem prova científica alguma tinha adotado o jacarandá, vetado a uma morte inevitável e irresistível e com isso alargado a cumplicidade vital que tempos antes tinha salvo a cameleira, ao jacarandá vindo de fora?
Hoje, as três árvores crescem e estão plenas de vida e de futuro. A cameleira está prestes a voltar a ser uma árvore jovem, cheia de saúde e vigor e este ano os seus botões darão umas maravilhosas camélias rosadas. A laranjeira ergue os seus braços compridos para o céu como se pretendesse colher as estrelas e dançar com os raios de sol. O jacarandá, esse, sacode ao vento, sem medo, os seus ramos delgados e finos, repletos de folhinhas delicadas e ajuizadamente alinhadas e baila, baila sem parar.
Existirá amor neste mundo que nos é tão estranho e desconhecido e do qual apenas conhecemos a beleza das suas formas, a vivacidade das suas cores e a delicadeza e exuberância dos seus cheiros? Não terá sido pelo amor da laranjeira que a cameleira decidiu que valia a pena continuar a viver? E não terá sido pela generosidade de ambas que o diálogo se estendeu e acolheu o pobre jacarandá, abandonado à hostilidade implacável das intempéries e lhe deu forças para vingar?
Não sei. Mas sei, porque sinto, nestas horas e momentos que pertencem apenas à Natureza, aqui sentada, no vértice deste triângulo, que delas emanam uma harmonia e uma paz que se expressam na beleza das suas formas, no seu vigor da sua vida e na alegria das suas cores. Elas não têm outra forma de se expressar, não falam a nossa língua e não possuem uma central de comando inteligente que comunique com a nossa. Mas, porque razão seríamos nós, os Seres Humanos, os únicos donos e senhores dessa força misteriosa e encantadora que move montanhas e cura doenças, que adoça a alma e pacifica o coração, dá força para vingar e razão de ser para viver eternamente, chamada Amor? Existe alguma razão plausível que nos atribua, em exclusividade, essa enorme generosidade de dar a vida pelo outro, que é amar? Não sei nem preciso de saber. Apenas imaginar que assim é, contando esta história.
Não sei. Mas sei, porque sinto, nestas horas e momentos que pertencem apenas à Natureza, aqui sentada, no vértice deste triângulo, que delas emanam uma harmonia e uma paz que se expressam na beleza das suas formas, no seu vigor da sua vida e na alegria das suas cores. Elas não têm outra forma de se expressar, não falam a nossa língua e não possuem uma central de comando inteligente que comunique com a nossa. Mas, porque razão seríamos nós, os Seres Humanos, os únicos donos e senhores dessa força misteriosa e encantadora que move montanhas e cura doenças, que adoça a alma e pacifica o coração, dá força para vingar e razão de ser para viver eternamente, chamada Amor? Existe alguma razão plausível que nos atribua, em exclusividade, essa enorme generosidade de dar a vida pelo outro, que é amar? Não sei nem preciso de saber. Apenas imaginar que assim é, contando esta história.
 
 
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