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terça-feira, 23 de janeiro de 2018

A turbulenta história dos senhorios e arrendatários do Condomínio virado a sul

Era uma vez um condomínio de 18 andares, sem luxos mas com algum pedigree e história antiga, ajardinado com algum esmero e varandas viradas a sul num promontório em cima do mar. Aprazível, diriam? Podia ser, efetivamente, não fosse o colorido relacionamento dos seus residentes, um óbice? Não, não chegava a ser um inconveniente, diziam, pois ao contrário de outros condomínios frios, porque virados a norte, ali ninguém tinha saltado pela janela, voluntáriamente, pelo menos.
Ora, eram dois os senhorios, um deles o do andar do cimo, o outro o do andar primeiro, dono do seu e dos outros 17 andares, seus arrendatários. A coisa nem sempre tinha sido pacífica, nem entre os dois senhorios, o de cima e o de baixo, nem entre este último e os seus arrendatários mas desde as últimas grandes reformas no Condomínio, para bem de todos, tinham decidido fazer parte da Associação de Condomínios a quem pediam que servisse de árbitro para evitar as guerreolas do passado. Tudo muito civilizado. Houve arraial e festa e o pessoal esteve de ressaca durante umas décadas largas.
Maria e Mário, os do cimo, não eram muito dados a convívio, viviam de olhos postos no mar, sonhadores, à espera que a lotaria chegasse numa noite de nevoeiro e lhes permitisse comprar a tão desejada moradia no meio do campo, rodeada de galinhas, porcos e perus para arejar o pensamento enevoado e tristonho e poder comer umas boas febras depois da matança do porco. Enfim, todo o contrário dos outros 18 moradores, ruidosos e dados às festas, festejos e à discussão, com bofetada ou sem ela, às vezes com algum tiroteio, que levara Maria a esconder-se debaixo da cama e Mário a fechar a porta com um barrote grosso e a ensaiar voz grossa diante do espelho mais para impressionar a Maria do que propriamente para o caso de ter de enfrentar os malucos dos andares de baixo.
Maria bem gostaria que o Mário fosse mais valente, sobretudo quando Manuel, o outro senhorio, desviara a água para regar as plantas dos seus andares mas Mário, nas reuniões do Condomínio, para seu grande desespero, acabava sempre aos abraços depois de uns copos valentes e ela, a culpa também era dela, mas não resistia aos chás da Manuela, mulher do senhorio, sempre tão bem frequentados, tão chiques e espampanantes, num deles até tinham vindo daquela revista ilustrada, o iola, e com isso pudera esfregar o seu fotogénico estatus social na cara da sogra, velha embirrenta que sempre preferira a outra a ela, que gozo que isso lhe dava.
Lá andam outra vez à bofetada...desta vez com os dos 2ºandar, parece que o filho não está pelos ajustes e reclama de novo a propriedade do andar, velhas lutas que os pais perderam mas que nunca acabam, coitados, mas se é mesmo deles...tu livra-te de te meteres no meio disso, Maria. Quanto menos senhorios, melhor e desde que não nos chateiem muito, há é que passar em bicos dos pés à frente da porta deles e que nem te passe pela cabeça dares troco aos inquilinos. Olha que o Manuel nos pode lixar...
Pois pode e pôde e não é que assim fez?
O folhetim continua mas ficam aqui as cenas do próximo Capítulo:
Ele nem pense que me trata como se eu fosse um dos seus arrendatários! Ele que nem pense. Já o meu tetra-avô atirou o tetra-avô dele pela janela e eu sou bem capaz de fazer o mesmo. Tá calado, homem, que ainda tens uma apoplexia...e isso é lenda. Lenda??? Lenda???? Mulher ignorante que tás feita com eles, vociferou de barrote nas mãos, ameaçadoramente!!!! A mim ninguém me pára e abrindo a porta, cavalgou escadas abaixo...
Pegará Mário no barrote que lhe trancava a porta e lhe dá na cabeça a Maria? E será verdade que esta teve algum caso com algum dos vizinhos? E estes, que andarão a tramar para que Mário lhe suba o sangue, a glória e a pátria ancestral à cabeça? Onde parará a cavalgada de Mário? No fundo das escadas com um galo na cabeça ou no fundo da cela por ter efetivamente consumado o lendário crime que dá linhagem e consistência à sua condição de senhorio, em pé de igualdade com Mário?
Não perca o episódio que se segue!


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