E por isso vou a correr escrever. Para que as ideias escorram depressa para o papel e dêem espaço às novas que se apressam a tomar forma. Escrever é forrar as paredes interiores de ideias arrumadas.
domingo, 24 de agosto de 2014
O REI VAI NU!!!!!
Portugal é um país onde a corrupção atinge níveis alarmantes devido à ausência total de mecanismos de salvaguarda e punição. É absurdo que ninguém se levante e diga, em alto e bom som, "O REI VAI NÚ"!!!! Porque efetivamente o rei vai mesmo nú, nas nossas barbas, com a nossa cumplicidade calada, indiferente, cobarde, quase. É difícíl, claro que é difícil, levantar a voz e denunciar tudo o que todos sabemos, alguns até sabendo-o com pormenores documentados. Mas já nem sequer precisamos de recorrer a documentos, bastava fazer valer a ética que muitos nos prezamos de ter para que todos aqueles que de alguma forma corrompem a vida política e económica do nosso país se abstivessem de o fazer, fossem banidos por o fazerem, perseguidos, condenados, obrigados a indemnizar o país e a Comunidade pelo mal que causaram e causam. Não é maledicência, nāo sāo conjeturas, invençōes. É tāo escandaloso, tāo desenvergonhado, tão normalizado que o absurdo é mesmo que o grito do "O REI VAI NÚ!" seja um absurdo. Uns quantos gatos espertalhōes, sem moral nem carater, devotados apenas ao poder que têm e que exercem, em prol do seu único bem, controlam e silenciam 10 milhōes de pessoas de forma a poderem, impune e descontroladamente apropriar-se das instituições, do dinheiro, da decisões, da sorte de nós todos. Não somos cidadãos, não somos livres, não valemos nada, a democracia é uma farsa, o Estado de Direito uma ilusão...a não ser que alguém diga e se oiça dizer que o rei vai nú e venham muitos outros, depois, confirmá-lo. Basta uma vez, a primeira. E assim como o Ricardo Salgado caiu, outros cairiam também. Todos, esperemos!
terça-feira, 19 de agosto de 2014
Estamos aqui
"Estamos aqui!" É o que, afinal de contas, todos queremos saber e ouvir. Saborear, nos bons e nos maus momentos. Levamos uma vida inteira a lutar por isso, a construir isso, a trabalhar nisso, por vezes a desdenhá-lo, a passar por cima, ao lado, a pisá-lo, deixá-lo sem resposta. Seja como for, o nosso destino é uma linha fina que avança à nossa frente e se vai desenhando no chão conforme vamos pisando o chão, com todo o nosso peso físico, moral, emocional mas nunca sós. "Estamos aqui" é o que mais queremos ouvir quando paramos no caminho ou algo nos faz parar. Estou aqui,meu filho. Estou aqui, pai, estou aqui meu amor, estou aqui, minha amiga, meu amigo, minha avó, meu companheiro...Estou aqui. Onde devo estar, onde quero estar, onde não posso deixar de estar, onde precisam que esteja, onde preciso de estar. Tudo o que importa na vida se resume a esta afirmação.
quarta-feira, 13 de agosto de 2014
A SOCIEDADE QUE QUERO CONSTRUIR
Tudo
depende da lente através da qual se observa, se lê e se interpreta a realidade.
"Está a emergir na nossa vida uma nova civilização e por toda a parte há
cegos que tentam suprimi-la." (Alvin Toffler, A Terceira Vaga, 1984,
primeira frase da Introdução). Volvidos exatamente 30 anos após a publicação
deste livro, a terceira vaga já não se insinua por trás da segunda vaga, como
descrevia Alvin Toffler então, senão que atingiu a linha da frente e é, penso
eu, aquela a que estamos, neste momento, a fazer face, sem contemplações. Esta
vaga nasce com o advento do computador e consolida as suas formas, tonalidades
e potencial de impacto com a generalização da Internet, que nos liga a todos
individualmente com cada um e globalmente com todos. Não pretendo escrever
teses mas sim explicar como interpreto a realidade à minha volta e sobretudo
como quero aproveitar esta vaga para transformar a nossa sociedade numa
sociedade melhor. A organização social e económica e o consequente sistema
político em que vivemos foi a resposta que demos à revolução industrial. O
Estado do Bem-Estar que nasce no pós-guerra foi o melhor sistema que
conseguimos extrair do potencial dessa segunda-vaga industrial. E foi, até há
pouco (e de certo modo ainda é), em especial na Europa, o sistema que maior
bem-estar nos trouxe a todos: Educação e Saúde universais, proteção social
garantida, uma panóplia de meios e instrumentos de realização pessoal e
profissional, acesso massivo à Cultura e ao lazer, riqueza e prosperidade.
Todos somos conscientes disso. E o sistema político que inventámos refletia a
forma como quisemos organizar a gestão deste "progresso
socio-económico": a cessão da nossa representação política em grupos
políticos, a eleição de representantes dos vários interesses gerais em causa,
renováveis.
Perfeito.
Com o
advento do computador e, em especial, Internet, cria-se uma relação individual
de cada um de nós com tudo o que nos rodeia. Cai por terra a noção de
intermediação, de representação, de coletividade. Ao ter acesso, individualmente,
à informação, a toda e qualquer informação que circula no Universo, eu sinto
que não preciso que grupos específicos de pessoas, a quem eu tinha entregue a
gestão do meu progresso, façam essa gestão por minha conta. Acresce que os
abusos, que eu vejo apenas como sinais colaterais ou aceleradores da mudança
que está a ocorrer à minha volta, que foram perpetrados pelos meus
representantes (a quem eu tinha entregue a gestão do progresso) me levam a
questionar a idoneidade e eficácia do sistema. Começa o processo de
"desafeto" e o refúgio nesse individualismo confortável que me é dado
por poder "passar por cima" dos grupos institucionalizados em quem eu
tinha confiado a gestão do meu progresso e configurar o meu próprio progresso.
O mercado global ajuda, a oferta é brutal e acessível, à distância de um
simples clic eu posso fazer o menu do
meu progresso. As regras de antes já não valem, os meus representantes
económicos, sociais, culturais e políticos já não controlam o cumprimento das
regras no seu espaço de competência. O acesso à informação e o seu tratamento
"inteligente" confere um poder avassalador que leva consigo na
enxurrada Instituições seculares, Governos, Partidos, empresas, tudo...Tudo à
nossa volta deixou de ser imune. Faz-me lembrar um filme que vi quando tinha 12
anos, o Poseidon (vi o filme com a Ines Raimundo
von Funcke, em 1972, no recém-estreado Cinema Castil, numa matinée
de sábado) em que com impressionante realismo nos era dado a viver a subida inexorável
da água nos salões repletos de pessoas em pânico). Neste ambiente de pânico, de
insegurança, é difícil ser otimista e esperançado. Mas como disse no início,
tudo depende da lente com que se lê e interpreta a realidade que nos é dada a
viver. E aí entra a nossa capacidade de destrinçar o trigo do joio e de usar
apenas o material que tem capacidade de construir a nova plataforma existencial
que nos permitirá "surfar" a vaga que nos atingiu de pleno. E há
sinais mais do que evidentes de que se abriram oportunidades mais do que
excecionais para construirmos uma sociedade capaz de organizar as novas formas
de progresso social e económico e construir um sistema político que seja a
expressão fiel da forma como nos organizamos. Há vários sinais esperançadores:
1. O Papa que temos. Atribuo-lhe a mesma relevância na construção desta nova sociedade como a que teve João Paulo II, quando foi eleito. E já está a construí-la. As suas mensagens e intervenções dão-nos o mote, basta lê-las com a lente certa e contextualizá-las.
2. A ruina dos excessos do capitalismo. É evidente que assistimos não à ruína do sistema capitalista mas dos seus excessos. Os sinais, à nossa volta, são mais do que estrondosos.
3. A procura errante e errática de novos afetos. Religiosos, culturais, políticos. O individuo não nasceu para viver sozinho por muito independentes e autónomos que sejamos. Procuramos afetos para partilhar, para nos preencherem, para darem sentido à nossa vida. Hoje, procura-se sem tino e só se encontram refúgios que, com evidência, não satisfazem.
4. A construção efetiva da sociedade da informação. Há uns anos atrás começou-se a falar na era da informação e na sociedade da informação. Fora alguns gurus, duvido que algum de nós conseguisse visualizar o significado e alcance destas realidades. Hoje é diferente. A nova sociedade que estamos a construir assenta na informação como substrato transacionável. Já não é a agricultura, nem o produto físico mas sim a informação que vendemos, compramos, gerimos. É ela que é o valor transacionável. Isso faz de cada um de nós um ativo muito maior do que o que éramos porque o nosso cérebro está estruturado para reter, processar, usar, dar valor à informação.
Estes são apenas alguns dos sinais que leio e os que me interessam para construir a nova sociedade. É possível fazê-lo, em especial no nosso país, onde estão reunidas todas as condições para deitarmos mãos à obra. Quero construir uma sociedade que valorize cada um de nós mas que lhe ofereça o contexto para que esse valor tenha reflexo e consequências na forma como é usado esse valor: somos um, é certo, mas na construção do todo, esse valor individual tem que ser respeitado. A habilidade está em encontrar um sistema económico, cultural e político que tenha em conta o valor individual de cada um e que dele saiba extrair todo o potencial para a criação de um valor coletivo justo e equilibrado. Surge, assim, a noção de valor social coletivo. A sociedade que quero construir no meu país deverá organizar-se para ser capaz de criar e gerir este "valor social coletivo". Os seus fundamentos são societais mas não por isso deixam de ter uma expressão prática a nível económico e político. Mas isso será objeto de uma próxima reflexão porque neste momento o café acabou, o pessoal em casa já está inquieto, o dia avança e a agenda da confeção desta nova sociedade exige que me dedique a isso mesmo: a construí-la. Porque tudo aquilo que penso e escrevo, depois, traduz-se num trabalho de formiga que não esquecendo o quadro mais global, está feito de ações pequenas que se vão juntando umas às outras, pacientemente, paulatinamente, eficazmente. Para construir uma sociedade melhor no meu país. Foi para isso que vim para Lisboa depois de estar 25 anos fora. Já somos uns quantos a fazê-lo. Por isso, até mais depois.
13.08.14
MCMP
quarta-feira, 6 de agosto de 2014
Por uma nova economia social chamada "cívica"
"It is urgent that governments throughout the world commit themselves to developing an international framework capable of promoting a market of high impact investments, and thus to combating an economy which excludes and discards."
Estas são palavras do Santo Padre Francisco, que apelou à criação de um mercado de investimentos de impacto, ou seja, um mercado onde o investimento deixa de ter prioritariamente um retorno financeiro para passar a centrar-se no retorno social. 
No link abaixo, a reportagem do périplo do Ministro Poiares Maduro por Portugal em busca de projetos e iniciativas onde possa ser aplicado o investimento de impacto que será disponibilizado através do Fundo de 122 milhões de Euros, recentemente anunciado pelo Governo.
Um pouco mais abaixo faço referência a um artigo do New Yorker onde se explica que as empresas normais podem também desenvolver atividades de impacto social, um passo em frente na tradicional responsabilidade social corporativa, uma vez que os acionistas abdicam de parte da remuneração financeira do seu capital para darem relevância ao impacto social.
Destes três apontamentos podemos inferir que caminhamos todos no mesmo sentido. Para uma economia que deve estar orientada para a melhoria das condições de vida das pessoas, especialmente das mais desfavorecidas e excluídas e que não se centre apenas na remuneração do capital e menos quando essa remuneração "a todo o custo" conduz inevitavelmente ao aumento do fosso entre ricos e pobres. 
Tanto a economia essencialmente capitalista como a economia tradicionalmente social devem fazer um esforço para se encontrarem a meio de um caminho mais justo mas também mais sustentável. Uns devem abandonar a ideia da remuneração abusiva do capital e os outros devem evoluir da dependência do subsídio sem retorno nenhum para formas mais sustentáveis de prestar serviços. Nem uma coisa nem outra são admissíveis. Nenhum destes extremos conduz a uma melhoria efetiva das condições de vida das pessoas. E é este o verdadeiro objetivo de uma sociedade: organizar-se de forma a garantir o progresso e o bem-estar de todos. 
A transição para esta nova economia não é fácil. Em primeiro lugar porque não estamos organizados para garantir estes objetivos. Em segundo lugar porque para evoluir é necessário sair da zona de conforto e uns e outros estão ancorados na inércia, na tradição, na ganância ou na simples mediocridade. Vai ser necessário "revolucionar" e injetar na mentalidade das pessoas o gosto pela inovação social. A crise já obrigou muitos a procurarem soluções para as suas vidas mas são as Instituições as que mais necessitam dar este "salto mental" para novas formas de estar, colaborar, partilhar, construir. Somos todos chamados a colaborar para inovar e a não ver nisso uma temeridade mas sim uma necessidade absoluta de sobrevivência. E este apelo a todos é o que qualifica a nova economia social como cívica. Não se pode deixar apenas nas mãos dos agentes económicos e sociais a resolução dos problemas, necessidades ou desafios a que a nossa sociedade se enfrenta. Se queremos todos uma sociedade mais justa para todos, é como cidadãos que somos que temos a obrigação de colaborar e intervir. 
Há que repensar sériamente a forma como estamos organizados hoje e encontrar novas formas de participação e colaboração cívica, fórmulas estas que rompem as fronteiras das Instituições, as diluem, para encontrar novas formas de partilhar as responsabilidades pela ação política, económica e social. Cada um de nós conta e todos, em conjunto, contamos. O todos e cada um de nós fará com que a nossa democracia tenha que passar a ser da responsabilidade de cada um e massivamente de todos. Será uma micro-democracia massiva em torno de uma economia que investe na inovação com retorno e impacto social. 
Está aí, ao virar da esquina. São muitos a convergir para o mesmo. Queremos ser melhores do que somos e é urgente definir como vamos sê-lo.
segunda-feira, 4 de agosto de 2014
A democracia cívica, ponta de lança de um projeto coletivo europeu que começa em Portugal
A democracia cívica, ponta de lança de um projeto coletivo europeu que começa em Portugal (que já está estratégicamente colocado na ponta mais ocidental da Europa, zona de comando)
A democracia portuguesa sofre de vários males, que vêm de longe no tempo e da profundidade da ausência de uma cultura cívica. Apesar de sermos um povo senão católico pelo menos de inspiração ou tradição católica, surpreende como os ensinamentos católicos, às vezes os mais básicos, na prática, são esquecidos quando se trata de ter em conta, o Outro, na nossa esfera de ação. A prática dos ensinamentos cristãos, digamos assim, deveria ser suficiente para que os princípios básicos da democracia fossem exercidos sem grandes distorções ou desvios...Mas não. Algo não funciona quando olhamos à nossa volta e detetamos, continuamente, no comportamento das pessoas, incivismo. Desde o papel deitado sem pudor para o chão, as ultrapassagens selvagens, o desrespeito pelos professores, a falta de diálogo político, o abuso dos mais fracos, a prepotência do Estado, até à simples tentativa, generalizada, de fazer prevalecer os interesses próprios sobre os interesses do Outro. Com este substrato cultural como pano de fundo, é difícil fazer funcionar corretamente a democracia. Como é lógico, os nossos representantes políticos não são diferentes da maioria e portanto, exigir-lhes comportamentos que, cada um, na sua esfera de ação não tem, não só é ridículo como hipócrita.Por isso fico revoltada quando oiço e vejo alguém levantar o dedo acusatório contra os "eles", geralmente em tom moralista, como se os "eles" fossem marcianos vindos de outro planeta e impostos à coletividade de vítimas que somos os "nós" por um "Alguém" incerto, habitante de um "algures". Eles são apenas alguns de nós, iguais à maioria de nós, uma vez que foi essa maioria de nós que os elegeu. E por isso é que não basta rodar e colocar lá outros porque será de novo uma maioria de nós que os elegeremos. E se a maioria de nós é pouco democrática e pouco cívica, porque razão é que os que elegemos deveriam ter outro comportamento? Pelo sentido de Estado? Porque é automático que ao ser eleito se adquira e se exerça, sem mais, a noção de interesse público? Ó vã esperança...Por muitas reformas, leis ou decretos que se aprovem, quando não existe, entre a generalidade das pessoas, esse sentimento profundo de que a base da convivência democrática e cívica assenta no respeito pelo "Outro" - o que para todos os católicos está diretamente relacionado com um ensinamento básico de Cristo, Ama o próximo como a ti próprio, nada mudará. Mas não desmoralizemos. Porque a teoria, todos conhecemos (há países em que nem a teoria é conhecida) e basta que cada um de nós seja consciente disso e o pratique. Apelar à consciência das pessoas por si só não chega. É preciso criar um sistema que se articule em torno da consciência e responsabilização individual, em primeiro lugar e só depois coletivamente. Portugal sofre de uma desresponsabilização individual em prol da sua diluição coletiva. O tal "eles" que tão longe está do "nós" e do "eu". "Eles" não existem e o "nós" é o conjunto de "eus" que cada um controla e comanda. A democracia deve pois navegar desse sistema coletivo de desreponsabilização individual para um sistema em que cada um de nós, efetivamente, tem a capacidade e a responsabilidade do que acontece. Esta é a noção de democracia cívica que professo. Que leva com ela um sistema económico também baseado na responsabilidade individual e que se constroi, depois, em graus mais sofisticados de responsabilidade coletiva. De baixo, para cima. Degrau a degrau. O centralismo real foi a resposta à necessidade de criar os Estados e afirmar o poder real. A Revolução Francesa foi a consequência dos abusos dessa monarquia. No século XXI temos a oportunidade de criar algo novo com os ensinamentos das várias experiências. E como sempre, a Europa pode ser esse cenário criativo. E Portugal, devido à crise, o laboratório de ensaios. Não há lugar para desmoralizações. O momento é de criatividade e construção. Os sinais estão aí, à solta, à nossa volta. Não há que esquecer que em épocas anteriores nos coube a tarefa de descobrir e desbravar. Essa é a nossa missão coletiva. Daí termos sido colocados na ponta mais ocidental da Europa. Não é por acaso. Bom domingo!
A democracia portuguesa sofre de vários males, que vêm de longe no tempo e da profundidade da ausência de uma cultura cívica. Apesar de sermos um povo senão católico pelo menos de inspiração ou tradição católica, surpreende como os ensinamentos católicos, às vezes os mais básicos, na prática, são esquecidos quando se trata de ter em conta, o Outro, na nossa esfera de ação. A prática dos ensinamentos cristãos, digamos assim, deveria ser suficiente para que os princípios básicos da democracia fossem exercidos sem grandes distorções ou desvios...Mas não. Algo não funciona quando olhamos à nossa volta e detetamos, continuamente, no comportamento das pessoas, incivismo. Desde o papel deitado sem pudor para o chão, as ultrapassagens selvagens, o desrespeito pelos professores, a falta de diálogo político, o abuso dos mais fracos, a prepotência do Estado, até à simples tentativa, generalizada, de fazer prevalecer os interesses próprios sobre os interesses do Outro. Com este substrato cultural como pano de fundo, é difícil fazer funcionar corretamente a democracia. Como é lógico, os nossos representantes políticos não são diferentes da maioria e portanto, exigir-lhes comportamentos que, cada um, na sua esfera de ação não tem, não só é ridículo como hipócrita.Por isso fico revoltada quando oiço e vejo alguém levantar o dedo acusatório contra os "eles", geralmente em tom moralista, como se os "eles" fossem marcianos vindos de outro planeta e impostos à coletividade de vítimas que somos os "nós" por um "Alguém" incerto, habitante de um "algures". Eles são apenas alguns de nós, iguais à maioria de nós, uma vez que foi essa maioria de nós que os elegeu. E por isso é que não basta rodar e colocar lá outros porque será de novo uma maioria de nós que os elegeremos. E se a maioria de nós é pouco democrática e pouco cívica, porque razão é que os que elegemos deveriam ter outro comportamento? Pelo sentido de Estado? Porque é automático que ao ser eleito se adquira e se exerça, sem mais, a noção de interesse público? Ó vã esperança...Por muitas reformas, leis ou decretos que se aprovem, quando não existe, entre a generalidade das pessoas, esse sentimento profundo de que a base da convivência democrática e cívica assenta no respeito pelo "Outro" - o que para todos os católicos está diretamente relacionado com um ensinamento básico de Cristo, Ama o próximo como a ti próprio, nada mudará. Mas não desmoralizemos. Porque a teoria, todos conhecemos (há países em que nem a teoria é conhecida) e basta que cada um de nós seja consciente disso e o pratique. Apelar à consciência das pessoas por si só não chega. É preciso criar um sistema que se articule em torno da consciência e responsabilização individual, em primeiro lugar e só depois coletivamente. Portugal sofre de uma desresponsabilização individual em prol da sua diluição coletiva. O tal "eles" que tão longe está do "nós" e do "eu". "Eles" não existem e o "nós" é o conjunto de "eus" que cada um controla e comanda. A democracia deve pois navegar desse sistema coletivo de desreponsabilização individual para um sistema em que cada um de nós, efetivamente, tem a capacidade e a responsabilidade do que acontece. Esta é a noção de democracia cívica que professo. Que leva com ela um sistema económico também baseado na responsabilidade individual e que se constroi, depois, em graus mais sofisticados de responsabilidade coletiva. De baixo, para cima. Degrau a degrau. O centralismo real foi a resposta à necessidade de criar os Estados e afirmar o poder real. A Revolução Francesa foi a consequência dos abusos dessa monarquia. No século XXI temos a oportunidade de criar algo novo com os ensinamentos das várias experiências. E como sempre, a Europa pode ser esse cenário criativo. E Portugal, devido à crise, o laboratório de ensaios. Não há lugar para desmoralizações. O momento é de criatividade e construção. Os sinais estão aí, à solta, à nossa volta. Não há que esquecer que em épocas anteriores nos coube a tarefa de descobrir e desbravar. Essa é a nossa missão coletiva. Daí termos sido colocados na ponta mais ocidental da Europa. Não é por acaso. Bom domingo!
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