Tudo
depende da lente através da qual se observa, se lê e se interpreta a realidade.
"Está a emergir na nossa vida uma nova civilização e por toda a parte há
cegos que tentam suprimi-la." (Alvin Toffler, A Terceira Vaga, 1984,
primeira frase da Introdução). Volvidos exatamente 30 anos após a publicação
deste livro, a terceira vaga já não se insinua por trás da segunda vaga, como
descrevia Alvin Toffler então, senão que atingiu a linha da frente e é, penso
eu, aquela a que estamos, neste momento, a fazer face, sem contemplações. Esta
vaga nasce com o advento do computador e consolida as suas formas, tonalidades
e potencial de impacto com a generalização da Internet, que nos liga a todos
individualmente com cada um e globalmente com todos. Não pretendo escrever
teses mas sim explicar como interpreto a realidade à minha volta e sobretudo
como quero aproveitar esta vaga para transformar a nossa sociedade numa
sociedade melhor. A organização social e económica e o consequente sistema
político em que vivemos foi a resposta que demos à revolução industrial. O
Estado do Bem-Estar que nasce no pós-guerra foi o melhor sistema que
conseguimos extrair do potencial dessa segunda-vaga industrial. E foi, até há
pouco (e de certo modo ainda é), em especial na Europa, o sistema que maior
bem-estar nos trouxe a todos: Educação e Saúde universais, proteção social
garantida, uma panóplia de meios e instrumentos de realização pessoal e
profissional, acesso massivo à Cultura e ao lazer, riqueza e prosperidade.
Todos somos conscientes disso. E o sistema político que inventámos refletia a
forma como quisemos organizar a gestão deste "progresso
socio-económico": a cessão da nossa representação política em grupos
políticos, a eleição de representantes dos vários interesses gerais em causa,
renováveis.
Perfeito.
Com o
advento do computador e, em especial, Internet, cria-se uma relação individual
de cada um de nós com tudo o que nos rodeia. Cai por terra a noção de
intermediação, de representação, de coletividade. Ao ter acesso, individualmente,
à informação, a toda e qualquer informação que circula no Universo, eu sinto
que não preciso que grupos específicos de pessoas, a quem eu tinha entregue a
gestão do meu progresso, façam essa gestão por minha conta. Acresce que os
abusos, que eu vejo apenas como sinais colaterais ou aceleradores da mudança
que está a ocorrer à minha volta, que foram perpetrados pelos meus
representantes (a quem eu tinha entregue a gestão do progresso) me levam a
questionar a idoneidade e eficácia do sistema. Começa o processo de
"desafeto" e o refúgio nesse individualismo confortável que me é dado
por poder "passar por cima" dos grupos institucionalizados em quem eu
tinha confiado a gestão do meu progresso e configurar o meu próprio progresso.
O mercado global ajuda, a oferta é brutal e acessível, à distância de um
simples clic eu posso fazer o menu do
meu progresso. As regras de antes já não valem, os meus representantes
económicos, sociais, culturais e políticos já não controlam o cumprimento das
regras no seu espaço de competência. O acesso à informação e o seu tratamento
"inteligente" confere um poder avassalador que leva consigo na
enxurrada Instituições seculares, Governos, Partidos, empresas, tudo...Tudo à
nossa volta deixou de ser imune. Faz-me lembrar um filme que vi quando tinha 12
anos, o Poseidon (vi o filme com a Ines Raimundo
von Funcke, em 1972, no recém-estreado Cinema Castil, numa matinée
de sábado) em que com impressionante realismo nos era dado a viver a subida inexorável
da água nos salões repletos de pessoas em pânico). Neste ambiente de pânico, de
insegurança, é difícil ser otimista e esperançado. Mas como disse no início,
tudo depende da lente com que se lê e interpreta a realidade que nos é dada a
viver. E aí entra a nossa capacidade de destrinçar o trigo do joio e de usar
apenas o material que tem capacidade de construir a nova plataforma existencial
que nos permitirá "surfar" a vaga que nos atingiu de pleno. E há
sinais mais do que evidentes de que se abriram oportunidades mais do que
excecionais para construirmos uma sociedade capaz de organizar as novas formas
de progresso social e económico e construir um sistema político que seja a
expressão fiel da forma como nos organizamos. Há vários sinais esperançadores:
1. O Papa que temos. Atribuo-lhe a mesma relevância na construção desta nova sociedade como a que teve João Paulo II, quando foi eleito. E já está a construí-la. As suas mensagens e intervenções dão-nos o mote, basta lê-las com a lente certa e contextualizá-las.
2. A ruina dos excessos do capitalismo. É evidente que assistimos não à ruína do sistema capitalista mas dos seus excessos. Os sinais, à nossa volta, são mais do que estrondosos.
3. A procura errante e errática de novos afetos. Religiosos, culturais, políticos. O individuo não nasceu para viver sozinho por muito independentes e autónomos que sejamos. Procuramos afetos para partilhar, para nos preencherem, para darem sentido à nossa vida. Hoje, procura-se sem tino e só se encontram refúgios que, com evidência, não satisfazem.
4. A construção efetiva da sociedade da informação. Há uns anos atrás começou-se a falar na era da informação e na sociedade da informação. Fora alguns gurus, duvido que algum de nós conseguisse visualizar o significado e alcance destas realidades. Hoje é diferente. A nova sociedade que estamos a construir assenta na informação como substrato transacionável. Já não é a agricultura, nem o produto físico mas sim a informação que vendemos, compramos, gerimos. É ela que é o valor transacionável. Isso faz de cada um de nós um ativo muito maior do que o que éramos porque o nosso cérebro está estruturado para reter, processar, usar, dar valor à informação.
Estes são apenas alguns dos sinais que leio e os que me interessam para construir a nova sociedade. É possível fazê-lo, em especial no nosso país, onde estão reunidas todas as condições para deitarmos mãos à obra. Quero construir uma sociedade que valorize cada um de nós mas que lhe ofereça o contexto para que esse valor tenha reflexo e consequências na forma como é usado esse valor: somos um, é certo, mas na construção do todo, esse valor individual tem que ser respeitado. A habilidade está em encontrar um sistema económico, cultural e político que tenha em conta o valor individual de cada um e que dele saiba extrair todo o potencial para a criação de um valor coletivo justo e equilibrado. Surge, assim, a noção de valor social coletivo. A sociedade que quero construir no meu país deverá organizar-se para ser capaz de criar e gerir este "valor social coletivo". Os seus fundamentos são societais mas não por isso deixam de ter uma expressão prática a nível económico e político. Mas isso será objeto de uma próxima reflexão porque neste momento o café acabou, o pessoal em casa já está inquieto, o dia avança e a agenda da confeção desta nova sociedade exige que me dedique a isso mesmo: a construí-la. Porque tudo aquilo que penso e escrevo, depois, traduz-se num trabalho de formiga que não esquecendo o quadro mais global, está feito de ações pequenas que se vão juntando umas às outras, pacientemente, paulatinamente, eficazmente. Para construir uma sociedade melhor no meu país. Foi para isso que vim para Lisboa depois de estar 25 anos fora. Já somos uns quantos a fazê-lo. Por isso, até mais depois.
13.08.14
MCMP
 
 
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