A democracia cívica, ponta de lança de um projeto coletivo europeu que começa em Portugal (que já está estratégicamente colocado na ponta mais ocidental da Europa, zona de comando)
A democracia portuguesa sofre de vários males, que vêm de longe no tempo e da profundidade da ausência de uma cultura cívica. Apesar de sermos um povo senão católico pelo menos de inspiração ou tradição católica, surpreende como os ensinamentos católicos, às vezes os mais básicos, na prática, são esquecidos quando se trata de ter em conta, o Outro, na nossa esfera de ação. A prática dos ensinamentos cristãos, digamos assim, deveria ser suficiente para que os princípios básicos da democracia fossem exercidos sem grandes distorções ou desvios...Mas não. Algo não funciona quando olhamos à nossa volta e detetamos, continuamente, no comportamento das pessoas, incivismo. Desde o papel deitado sem pudor para o chão, as ultrapassagens selvagens, o desrespeito pelos professores, a falta de diálogo político, o abuso dos mais fracos, a prepotência do Estado, até à simples tentativa, generalizada, de fazer prevalecer os interesses próprios sobre os interesses do Outro. Com este substrato cultural como pano de fundo, é difícil fazer funcionar corretamente a democracia. Como é lógico, os nossos representantes políticos não são diferentes da maioria e portanto, exigir-lhes comportamentos que, cada um, na sua esfera de ação não tem, não só é ridículo como hipócrita.Por isso fico revoltada quando oiço e vejo alguém levantar o dedo acusatório contra os "eles", geralmente em tom moralista, como se os "eles" fossem marcianos vindos de outro planeta e impostos à coletividade de vítimas que somos os "nós" por um "Alguém" incerto, habitante de um "algures". Eles são apenas alguns de nós, iguais à maioria de nós, uma vez que foi essa maioria de nós que os elegeu. E por isso é que não basta rodar e colocar lá outros porque será de novo uma maioria de nós que os elegeremos. E se a maioria de nós é pouco democrática e pouco cívica, porque razão é que os que elegemos deveriam ter outro comportamento? Pelo sentido de Estado? Porque é automático que ao ser eleito se adquira e se exerça, sem mais, a noção de interesse público? Ó vã esperança...Por muitas reformas, leis ou decretos que se aprovem, quando não existe, entre a generalidade das pessoas, esse sentimento profundo de que a base da convivência democrática e cívica assenta no respeito pelo "Outro" - o que para todos os católicos está diretamente relacionado com um ensinamento básico de Cristo, Ama o próximo como a ti próprio, nada mudará. Mas não desmoralizemos. Porque a teoria, todos conhecemos (há países em que nem a teoria é conhecida) e basta que cada um de nós seja consciente disso e o pratique. Apelar à consciência das pessoas por si só não chega. É preciso criar um sistema que se articule em torno da consciência e responsabilização individual, em primeiro lugar e só depois coletivamente. Portugal sofre de uma desresponsabilização individual em prol da sua diluição coletiva. O tal "eles" que tão longe está do "nós" e do "eu". "Eles" não existem e o "nós" é o conjunto de "eus" que cada um controla e comanda. A democracia deve pois navegar desse sistema coletivo de desreponsabilização individual para um sistema em que cada um de nós, efetivamente, tem a capacidade e a responsabilidade do que acontece. Esta é a noção de democracia cívica que professo. Que leva com ela um sistema económico também baseado na responsabilidade individual e que se constroi, depois, em graus mais sofisticados de responsabilidade coletiva. De baixo, para cima. Degrau a degrau. O centralismo real foi a resposta à necessidade de criar os Estados e afirmar o poder real. A Revolução Francesa foi a consequência dos abusos dessa monarquia. No século XXI temos a oportunidade de criar algo novo com os ensinamentos das várias experiências. E como sempre, a Europa pode ser esse cenário criativo. E Portugal, devido à crise, o laboratório de ensaios. Não há lugar para desmoralizações. O momento é de criatividade e construção. Os sinais estão aí, à solta, à nossa volta. Não há que esquecer que em épocas anteriores nos coube a tarefa de descobrir e desbravar. Essa é a nossa missão coletiva. Daí termos sido colocados na ponta mais ocidental da Europa. Não é por acaso. Bom domingo!
 
 
Sem comentários:
Enviar um comentário