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segunda-feira, 6 de novembro de 2023

Brilhos

Era alto. Pernas altas, tronco bem lançado, pescoço esguio, testa arejada, um conjunto bem proporcionado, equilibrado, quase feito por encomenda. Parecia um figurino, a avançar por uma passadeira, na minha direção, ao compasso dos acordes do New York, de Fran Sinatra, imaginei, até podia ser, talvez mais pela minha ânsia de tons festivos de o reencontrar do que pelo modo como ía pisando o chão com passos de uma firmeza que era bem mais militar do que era costume no desfilar de uma estrela de cinema americano. As mãos, nos bolsos do casacão cinzento antracite, de lã grossa, conhecia-as bem e fascinavam-me. Ossudas, esguias, de dedos compridos, encaixadas nuns pulsos sólidos, loiros, bronzeados, faziam-me sonhar, podia passar horas a olhá-las pois na minha imaginação elas eram protagonistas de carícias que me elevavam ao sétimo céu. Só eram superadas pelos olhos, pelo olhar, pela intensidade, a cor, o brilho, o contraste entre o branco alvo, o negro profundo e o azul esverdeado ou verde azulado da cor do Mediterrâneo manso ou bravo, conforme. Um sorriso que tanto parecia traquinas como provocador como sedutor, criança inocente, adolescente irreverente, adulto maduro, também conforme, era sempre uma surpresa embora em todas as versões tivesse aquela capacidade de me derreter instantaneamente como um gelado em dia de canícula, poucos segundos precisava. Tão poucos quantos os que me tinham passado pelo pensamento desde que dobrara a esquina e avançava decidido pelo passeio na minha direção. Meses de uma relação perdidamente apaixonada que se comprimiam neste curtíssimo, brevíssimo espaço/tempo em que o via avançar, de uma sensação de que tudo à minha volta, o mundo inteiro com os seus sons, as suas formas e cores, o bulício, o enxame de pessoas que me cruzava de zumbido frenético e refilão, a impaciência que azedava o ar e ensombrecia a luminosidade radiante da manhã, podiam acabar no derradeiro momento da vida pois eu encontrara a verdadeira e tão badalada eternidade, na contemplação desta figura que avançava, agora de sorriso irremediávelmente rasgado na face mais sedutora que eu nunca poderia ter imaginado que existisse, nem sequer nos momentos em que imaginara, entre gargalhadas patetas, com as amigas em torno da mesa de café nas tardes de ócio, a pessoa que me roubaria - sem resistência da minha parte, como era suposto - o sangue frio, a razoabilidade, o equilibrio, a paciência, o aprumo, a vergonha - até conseguir transformar as esperas, as esperas deste abraço que agora me aperta e me arrebata do mundo e da vida, de olhos fechados, aninhada e envolvida numa onda de bem-estar avassaladora, num momento como este, fino, delicado, transparente e luminoso como a bola de cristal pendurada na árvore ao meu lado, que brilha como uma estrela, à luz do sol desta manhã.

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