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quarta-feira, 25 de junho de 2025

Madrid é em Madrid e só em Madrid

Madrid é uma cidade que rápidamente se faz companheira. Convida-nos para as esplanadas das suas noites tórridas, ruidosas, alegres, despreocupadas, para celebrar o que se quiser, a amizade, a família, um sucesso, uma vitória, talvez a vida…gosto desta espuma luminosa e radiante que emana da vida à noite nestes cenários bem postos, agradáveis, modernos, chiques e envolventes. Gosto da luz, feérica, festiva, colorida e engalanada para celebrar. Gosto dos sabores fortes, bem temperados, atrevidos, do mar, da terra, vindos dos quatro cantos de onde vêm os que vivem por aqui. Gosto das vozes, do timbre, da melodia, da galhardia, do todos ao mesmo tempo e das gargalhadas, por cima de tudo e de todos como um manto ou mantilha de uma dessas figuras que aqui veneram. Gosto. Embarco, por uma noite, em melhor-impossível-companhia e uso todos estes ingredientes que são os que aqui se usam para celebrar, como só eles sabem, o companheirismo, a amizade, o amor, a vida. Amanhã, a viagem continua, com os pés na terra, fui mais uma, entre eles, quem se vai lembrar? É Madrid. Deixe-se estar que aí pertence e só aí faz sentido. Voltarei!

14 junho 2025

Noites de agitada poesia

Sonhei que era uma lágrima brilhante que saltou sem querer do olhar tão triste da deusa que esperou em vão a noite toda pelo seu anjo e deslizou pela rama de um feto até à fonte onde muitas outras se iam dando as mãos para formarem um riacho e correrem, montanha abaixo, até ao mar.

Sonhei depois que era o riacho, que se deixa tropeçar alegremente nas pedras pelo prazer de ouvir as suas gargalhadas de cristal e de brincar com as cores em se decompõe a luz do sol que lhe ia batendo na pele, logo pela manhãzinha e de cantar com o pássaro de bico doirado, a alegria despreocupada de ser quem é.
Sonhei, por fim, que era esse oceano vasto e inquieto, salgado das lágrimas que a terra lhe traz das noites de amor que ficaram por cumprir, que rebenta a sua dor, por vezes doce, por vezes irada nas praias de areia fina e delicada, a mãe que tudo acolhe no abraço quente do sol-por.
E deixei-me levar pelo último raio de sol até aos céus onde vivem as deusas que procuram, eternamente, o amor que lhes foi prometido, para nelas voltar a ser a lágrima que será sonhada por outro alguém, na sua noite de agitada poesia.

25 junho 2025

sexta-feira, 30 de maio de 2025

E se eu fosse esta bruma?

Esta é a delicada bruma que desliza pelos cantos e recantos da minha circunstância. Nasce nas bermas do Atlântico, a cada onda que rebenta um pouco, aos poucos e é assim, dispersas as gotas pelas suas correntes de ar inexoráveis e intemporais que, aos poucos e poucos, a bruma vai galgando, paciente e conscienciosamente as colinas, entre o arvoredo, ao longo dos trilhos, por cima dos muros, torneando casas e palácios que sobrevivem ao tempo e aos tempos, sólidos demais para se preocuparem com o assédio de ventos inóspitos e adulterados, até chegar ao cimo da colina, ao topo deste Monte onde a alma, esse sentir que se identifica e depois se confunde e no final se transfigura na realidade que nos envolve, e se veste da própria bruma, aquela que dá as mãos, abraça e beija estes verdes entrelaçados uns nos outros, os refresca com a água que transporta lá do fundo do horizonte, por desígnio do mar, que forma parte deste todo e que sem ele nem estes verdes existiriam, nem a bruma, nem a minha alma poderia algum dia ser aquilo que vejo, o que me rodeia, a realidade. Isto sim, faz-me sentido, ser, com a água, a terra, as plantas e as brisas, o Universo, o todo, aquilo que perdurará até ao final dos tempos. Esvai-se a bruma, regresso ao meu espaço, consciente de que nem sempre é a ciência que explica a realidade mas sim a vontade/ capacidade de sentir-nos parte ativa do que nos rodeia. Não me parece não ser bem vinda nesse mundo onde reina a harmonia, a paz e a sabedoria. Acho até que o que se espera de nós, o que esta realidade espera de nós é que ponhamos a nossa alma ao serviço deste Universo. Mas para isso há que ser bruma. Esta bruma.


30 maio 2025




sexta-feira, 23 de maio de 2025

Amor nas margens da vida louca

Parece banal e irrelevante face às prioridades e problemas que ocupam os seres humanos, que umas hastezinhas empertigadas e delicadas, tenham brotado de uma série de sementes minúsculas, sem graça nem elegância, colocadas dentro de umas ramas de algodão embebidas em água durante uns dias e aquecidas pelo sol, sempre pálido e tímido, o que entra pela minha janela. E no entanto, no entanto, como me ocorre tantas vezes pensar, é tão verdade que as maravilhas da vida estão é nestes minúsculos e irrisórios acontecimentos que vivem e se desenvolvem na dimensão de tantos "no entanto" que escapam à vida macroscópica que só tem olhos para o que é grande, uniforme e transacionável, ruidosa e que arrasta milhões de pessoas atordoadas. Plantei uma floresta de jacarandás, um facto absolutamente extraordinário que atesta aos gritos que entre humanos e não humanos existe um vínculo, uma cadeia de colaboração que dá origem à vida que garante a continuidade da nossa existência coletiva. É aqui, neste ponto de encontro, neste cruzamento, nesta precisa conexão que reside o segredo de tudo, do tudo, disso que andamos à procura como zombies e do qual nos andamos a afastar a uma velocidade estonteante. Eu falei com a semente na linguagem que ela percebe e ninguém me ensinou nenhum código nem tive que aprender programação ou criar um algoritmo. A IA não meteu para aqui nem prego nem estopa, as sementes e eu colaborámos em silêncio, devagarinho, com muito cuidado e delicadeza, intuitivamente, penso que se pode chamar a isso, amor. E volto sempre ao mesmo lugar. O que se situa à margem de tudo, nesta dimensão do "no entanto", é esta força misteriosa, de linguagem intuitiva, que não tem pressa nem código que se chama "amor". Cristalino como um diamante, elegante como a brisa, delicado como uma pluma...a força que ergue e sustenta as hastezinhas que despertaram no algodão em rama à luz que entra pela janela.

23 maio 2025



quarta-feira, 30 de abril de 2025

Dias que são só dias

Há dias que nascem sem assunto, sem corrente, sem centro de gravidade, o pensamento foge-nos, traquinas e errático, como as borboletas, beijando esta flor, cumprimentando aquela outra, deixando-se levar pela aragem, círculos de fantasia sem rumo certo, sem espartilhos e sem propósitos. Gosto destes dias desfocados e sem resultados, não espero nada nem ninguém, sentada no chão à frente do baú colhendo objetos sem nome nem apelido ou utilidade, brasas sem labaredas, histórias sem enredos, cores sem formas, alma sem humores. Contemplo sem olhar nada em concreto, penso sem seguir pista alguma, oiço, ao longe os passos do tempo e como o pêndulo, vou e venho e venho e vou, fujo de mim, escondo-me e tento não me encontrar, não tenho assunto nem ideias, só mesmo o dia. Apenas isso.

8 março 2025

Viva a Ciência!

A fotografia da janela da sala de minha casa, à primeira vista, pode parecer que nada tem a ver com a ressonância magnética que ontem fiz, mas tem. O que se passa atrás da janela iluminada neste amanhecer ainda brumoso sintrense, só pode ser desvendado se me aproximar, encostar a cara à vidraça e espreitar. Mover-me-á o grau de curiosidade que me animar, claro. A luz, intensamente amarelada e quente, num cenário tão pálido e deslavado é suficientemente misteriosa para excitar a minha imaginação e é isso que me leva a aproximar-me, quero saber...e foi este pensamento que me entreteve nos longos 25 minutos que durou a ressonância magnética a que me submeti ontem. E enquanto o barulho ensurdecedor que resultava da vibração do íman gigantesco que rodeava o meu corpo enchia o meu entorno, o meu pensamento estava com os quarks dos protões dos meus átomos de hidrogénio, os veículos que iriam permitir aos técnicos e médicos ver o que se passa por trás da minha vidraça iluminada, que mistério está guardado nos tecidos e estruturas que formam o meu interior. Tentei sentir como esses meus simpáticos e prestáveis quarks se alinhavam ao capricho dos impulsos magnéticos que a máquina ia produzindo, mas acho que foi apenas um wishfull thinking pois, para nosso grande desespero, essas nossas estruturas subatómicas não nos obedecem, são rebeldes aos nossos caprichos, que não às ordens das máquinas infernais, hélàs. Tive pena que terminasse o exame pois é difícil podermos abstrair dos ruídos caóticos e dispersivos que são o nosso dia-à-dia e focalizarmo-nos nos mistérios que habitam as profundezas da nossa existência, no âmago do nosso ser, o que se esconde nos tecidos, nas células, no infinitamente pequeno...Ali, quieta, deitada, protegida por um poderoso campo magnético e isolada do mundo por um barulho ensurdecedor, consegui concentrar-me e conviver com o mistério que se esconde por trás, dentro dessa janela iluminada. Graças à RM. Viva a ciência!

11 março 2025



Jardim da metafísica

O meu jardim está feito de essências subtis e em permanente mutação. De formas, de cor, de sentido. Em função da brisa, da luz, do ambiente e do ar do tempo. Do silêncio místico que rodeia o desfolhar da alvorada. Saio, antes que a manhã me roube este mistério precioso, em busca da metafísica que paira no ondular da bruma rasteira entre os verdes húmidos e escorregadios e no rasto surdo do súbito esvoaçar assustado dos habitantes da noite. É o meu sangue e a minha seiva que escorrem pelas veias e capilares desta confusão de seres que brotam do chão, das pedras, das árvores, das trepadeiras sem descanso e no gorgolhar sem cessar da chuva da noite anterior. Uma voracidade lírica incontinente. A obrigada diálise da alma, pura questão de sobrevivência.

18 março 2025






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