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sábado, 26 de setembro de 2015

Mais uma oportunidade de mudança que nos passa ao largo

Tenho pena, devo dizer, que estas eleições legislativas que poderiam ser determinantes para o desenvolvimento do país, fiquem apenas por uma mera disputa pelo poder que só entretém os meios de comunicação social e excita os "opinion makers" que animam os "reality shows" da nossa aldeia. Não é sério, não é edificante, não é útil, não é motivante...é algo que passa completamente ao lado dos verdadeiros desafios com os quais esta classe política e as elites que à volta dela se juntaram deveriam ocupar-se mas não o fazem.

É profundamente lamentável e por isso mesmo, triste que neste momento nenhuma das opções políticas:

(a) possua um modelo de país, de sociedade e de desenvolvimento. Os documentos poderão dizer tudo mas todos sabemos que esse modelo não é visível nem nas palavras nem nos atos, menos ainda nas políticas públicas que servem de traves mestras desse modelo. O divórcio entre a teoria e a prática assemelha-se a uma casa que vai sendo construída ao sabor dos quem vêm e vão, das táticas conjunturais, da falta de articulação e coordenação. Não quero nem imaginar a casa real na qual vivemos e que se chama Portugal...

(b) aborde a questão dos consensos societais que são urgentes para criar e desenvolver esse modelo de país. Se o presente é o que é, qual o nosso futuro coletivo, quando uns e outros puxam cada um para seu lado para favorecer a sua opção política em claro e gritante detrimento do bem comum? Desde a política externa, passando pela saúde, a educação, a cultura, o ensino, a coesão territorial e social, a investigação, a inovação, a fiscalidade, a demografia, as relações de vizinhança...tudo hoje, no espaço público, deve ser objeto de consensos e de partilha de responsabilidades. A imagem que tenho é a de dois grupos a puxarem, cada um, a corda que é o país para o seu lado...ora ganha um, ora ganha outro, o jogo continua até o país se romper, um dia destes.

(c) aborde, de forma coerente e integrada, a gestão e o aproveitamento dos recursos e ativos que temos, enquanto país geográfico, comunidade cultural e potência económica. Sabemos quem somos, o que temos e como tirar partido disso? De forma agregada para que estes ativos possam gerar valor e conseguirmos sair do aterro onde estamos há décadas. Não. Nem sabemos quem somos, nem o que temos nem o que com isso fazer nem como disso podemos tirar partido. Tanta informação que foi produzida estes anos, toda ela dispersa, sem utilidade nenhuma para a coletividade. O mar, a floresta, a cultura, a língua, as indústrias tradicionais, as criativas, a pesca? O que é que temos? Em que é que somos bons? Onde é que temos oportunidades? São questões que devem ser pensadas e desenvolvidas em conjunto, por todos.

(d) aborde as profundas injustiças e desequilíbrios que se geraram ao longo destes anos na nossa sociedade: a penalização e exploração do trabalho, a manutenção, através do fomento da caridade, de situações de pobreza estruturais, o fosso económico que se cavou entre os que têm muito e os que pouco ou nada têm, a ausência de proteção da família, da conciliação entre o trabalho e a vida familiar, os desequilíbrios territoriais, o deterioro do ambiente e dos espaços públicos, e a lista não tem fim. Sabemos como pretendem as forças políticas combater estas injustiças e desequilíbrios?

(e) proponha uma outra cultura e modelo de gestão do bem comum, do interesse geral. Os desafios são todos conhecidos, estamos em profunda mudança e há que adaptar-se à realidade onde vivemos. A divisão entre setores, entre Estado e agentes privados é um modelo obsoleto, pela incapacidade de liderar e estruturar a sociedade do século XXI. A imagem dessa sociedade que nos é transmitida pelos políticos e que está patente nos tais documentos, é uma imagem que não se ajusta à imagem real da sociedade. Hoje, como todos sabemos e experimentamos no nosso dia-á-dia, os desafios requerem coligações transversais de informação, conhecimento, saber e de meios de ação. Transversais, multidisciplinares, inter-dependentes e flexíveis. Ao invés, os discursos e as propostas estão todas compartimentadas e arrumadas em caixinhas refletindo a imagem que têm na cabeça e o modelo de gestão que propõem para o país: aglomerados de coutos de poder ordenados na vertical, como se fosse um parque de contentores empilhados...

Face a esta minha visão - real, penso eu - do país, a palavra de ordem não devia ser nem segurança nem confiança, mas sim MUDANÇA. Esse é que é o único conceito e a verdadeira proposta a serem apresentados e debatidos pelas forças políticas que se apresentam à eleição. Mas há medo, há a crença de que a mudança é um fator de insegurança, um cenário de risco, um caminho de interrogações a evitar. Quando o verdadeiro perigo, a ameaça mais real são o imobilismo. Deveríamos ter medo de passar ao largo desta oportunidade de mudança, sabendo o custo que tem para todos nós e para o nosso futuro, não mudarmos. A luta que presenciamos hoje é uma mera luta de poder para a não mudança. Permaneceremos neste aterro cultural, económico e social em que se transformou o nosso país por mais quatro anos, seja quem for que conseguir juntar as papeletas necessárias para ocupar o poder.

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