Caiu chuva vil e impiedosa no quintal e o vento, enfurecido, quebrou a rama da velha cameleira. Devia ser simples certificar a morte de uma mera braçada de árvore do jardim mas não é, não é desta, que durante anos foi a sua única e que, com as suas camélias, insistiu sempre em ser uma cameleira. A cameleira. Não foi uma ramada que hoje perdeu a vida, foi uma vida que acabou, uma história que chegou ao fim, um passado que deixou de ter futuro, a não ser na minha memória. E são tantas as memórias que desfilam, agora, enquanto a contemplo que não sei por onde começar, histórias soltas, diversas, todas elas parte da história minha e dos meus e desta casa, e ela sempre protagonista em todas elas, em torno dela, à frente dela, a servir de fundo, uma nota cor de rosa vibrante ou apenas uma mancha verde solitátia mas digna, resistente, fiel, aqui estou eu. Partilhou gargalhadas de crianças em correria, foi coito de velhas brincadeiras, foi a menina dos olhos do meu pai, lembrança dele na camélia que a minha mãe punha nas jarras, irmã mais velha de tudo quanto floria no jardim, exemplo de vida sem nunca ser mais do que aquilo que Deus lhe disse para ser, uma simples cameleira. E Deus recompensou esta sua vida de amor que a nós dedicou e lhe dedicamos com o dom de uma nova vida que começou a nascer à sombra daquilo que com o passar do tempo deixou de ser uma cameleira esplendorosa e vital e passou a ser uma braçada solitária, seca, torcida, rude, envelhecida. Hoje, finalmente, decidiu que era hora de passar o testemunho à cameleira que nasce a seus pés. É ela, é a mesma, mas será outra, a dos tempos que ainda estão para vir, daqueles que ela viu nascer e que, como todos os que aqui vivemos, também irão ter, a sua cameleira. Que sorte que temos. É uma benção ter-te sempre no jardim. Repousa em paz, amiga!

 
 
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