E por isso vou a correr escrever. Para que as ideias escorram depressa para o papel e dêem espaço às novas que se apressam a tomar forma. Escrever é forrar as paredes interiores de ideias arrumadas.
segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024
Poemas inacabados
sábado, 24 de fevereiro de 2024
Damned, is so good to be alive!
Há dias em que fechamos a persiana da melancolia mais cedo para nos recolhermos entre as velharias que temos arrecadadas nas tulhas daquelas dispensas da nossa infância, lembram-se? Livros, fotografias, filmes a preto e branco, afetos cheios de carinho em que o colo redondo, quentinho e aconchegado dos pais era nosso e as pálpebras escorregavam sem dor nem preocupação para o mais profundo e levezinho dos sonos. Outros dias acordamos com aquela energia desafiante, destemida e de cabelos ao vento na ponta mais ocidental da Europa ,para lançarmos até ao horizonte a perder de vista o fogo que nasce poderoso e imparavel dentro de nós e que vai desenhando no nosso caderno mais íntimo e pessoal os projetos dos nossos multipes eus, heterónimos com quem convivemos desde que nos conhecemos e formam a nossa biblioteca vital e que nunca chegam a sair de nós, só algumas vezes, timidamente, quando o alcool atordoa a razão e torna tudo o que poderíamos ser, tão, tão real. Outros dias, ainda, vagueamos pelas paisagens monocromáticas, planas, desertas, frias e inóspitas, situadas na média de todos os eus que sou, sem nome próprio nem sinais nem imperfeições, uma pasta mole e sem forma que vai tomando a forma do que me rodeia, o negativo de todos os positivos com que me relaciono, com uns sinais vitais verdes, nos conformes de tudo e todos. Outros dias choro sem saber porquê ou encarinha-se-me o coração com histórias, filmes, poesias, frases, trechos, palavras, olhares, gestos… e rio-me com infantilidades e abraço afetos que me estendem os seus sorrisos, palavras que nos chegam ao cerne da nossa raiz, outras vezes fluo, sem grande personalidade e serena, até à foz do dia. E ele há dias quentes, tórridos, sem princípio nem fim, em que toda eu e o que quero e desejo é possível e vivo a eternidade criada apenas para o prazer do ser humano, a que condensa nela todas as cores, todos os espaços e se expande até ao final do Universo. O que fica de todas estas experiências, momentos e sensações é a certeza de que existo, vivo e me desdobro num sem fim acordeónico de eus e me vejo a mim mesma como um cometa incandescente que cruza as infinitas dimensões e realidades em que se justapõe a Vida, e que o que sou depende por onde passo e só sei que nunca sei, nunca, o que posso ser ou vir a ser e sentir, no minuto a seguir. E, atenção, nunca saio do mesmo sítio nem preciso de mais espaço e porém, nunca paro de viajar. E, todos os dias penso, damned, is so good to be alive!
quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024
Memórias de um bife frito em manteiga
Hoje, ao jantar, de forma fortuita e totalmente inesperada, fiz uma viagem de anos ao meu passado e aterrei num almoço da minha infância, um dos muitos sábados em que a família se deslocava a casa da minha avó para almoçarmos juntos, a praxe, dos sábados, claro. Não foi preciso fechar os olhos, nem acomodar-me numa máquina do tempo que nem sequer existe, ainda, nem fazer um grande esforço de procura pelos arquivos da memória visual ou escrita para me conseguir situar, sentada à mesa da casa de jantar, que naquela época me parecia gigante, luminosa, aberta sobre uma varanda exposta ao sol e de onde vinha um cheiro a madresilva, uma brisa de pétalas de frutas doces, e reviver, com uma nitidez de lente limpa, imaculada, todo o ambiente desses momentos marco da minha infância. Bastou-me para isso olhar para a manteigueira que, excecionalmente se encontrava mesmo ao lado do fogão e pensar, porque não fritar o bife - um naco de lombo que iria fazer as minhas delícias num jantar solitário e que me peparava para deitar na frigideira, assim, sem nada, sem gordura nem mais tempero que o sal e a pimenta, o casal mais vulgar e visto do mundo - na dita manteiga, sem deixá-la queimar mas o suficientemente quente para dourar a carne e para que esta se impregnasse daquele sabor e libertasse aquele odor que recriaram na minha mente e até mesmo à minha volta, como se de um holograma se tratasse, como se estivesse presente, esses almoços de sábado em que a minha avó fazia o mimo ao meu pai de lhe servir o bife frito em manteiga da sua própria infância. O sabor que a manteiga proporciona à carne - e que não é o mesmo que deixa na torrada quente nem no pão fresco nem no linguado meunière ou no gratin dauphinois, por hipótese - e o perfume que se espalha pela boca, invadiram o cérebro, envolveram e seduziram a minha memória e arrancaram-lhe essas vivências tão típicas, tão características, tão rotineiras, tão reais da minha infância que até lhe ouvi as vozes, as conversas, as gargalhadas, os sons, os cheiros, os brilhos, as caras, os sorrisos, as histórias, a decoração, a luz, a temperatura, as cores, os afetos, as ligações, os planos, os sonhos, as expetativas, as promessas, as ilusões, os segredos, as fantasias, as embirrações, as lágrimas, os ódios, os temores, o carinho, a doçura, a condescendência, o ser que é ser-se criança, esse espaço-tempo único, irrepetível e inalienavel, tão só nosso, tão o que fomos e por isso mesmo, por estar lá escondido tão fundo e tão dentro de nós, o que somos, a final de contas, ainda hoje apesar de todos os anos volvidos e revolvidos e que o sabor e o odor da manteiga dourada impregnada na carne que se infiltraram na frincha esquecida que ficou destes tempos passados, escorreram para o papel, para este preto no branco, este fragmento da história da minha vida e de tantas e tantas vidas de outras pessoas que também tiveram a sorte de que se lhes servisse um bife dourado de uma manteiga que, por obra e arte de alguém que nunca aparecia, jamais se queimava nem passava do ponto e fez com que o almoço de sábado na casa de jantar da minha avó se erguesse num padrão inesquecível desta minha viagem pela vida. Sei que as memórias não voltam uma segunda vez, mas também sei que quando se plantam à nossa frente são capazes de transformar o que havia de ser um jantar solitário do final de um dia cansado de incógnitas e polvilhado de parcas alegrias, no mais inesperado e reconfortante dos presentes que me podia ter sido dado. Pensar é uma companhia que nunca falha. A manteiga e o bife são apenas, saborosas vírgulas.
sábado, 17 de fevereiro de 2024
Mais do que a própria vida
Foi com a fúria e o ímpeto deste mar
de raça e estirpe guerreira
que um dia te amei,
destemida e ousada,
e mergulhei bem fundo, sem pensar
na gigantesca onda do teu abraço,
e me perdi a mim, ao tempo e ao espaço
longos e eternos minutos sem respirar
entregue a esse beijo com que me sugaste
a força, a vontade, o coração, a alma,
a juventude, o sentido da vida que não tive,
amor primeiro,
amor inteiro,
mar que foste e és
 e que tanto amei
e amo,
mais do que a própria vida.
sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024
O eu que me sonho
segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024
As cinco irmãs
As cinco irmãs, de tronco austero e despidas de ornamentos e fragilizadas de cor e, contudo, tão delicadamente belas e vistosas nas ramas finas e delgadas, braços abertos contra as cinzas do céu, numa manhã de inverno fria e brumosa, tímida, sem vontade de começar o dia, silenciosa e quieta não vá o vento acordar e desfazer o encanto que o olhar captou e a alma inspirou até bem ao fundo de si.
 
 

