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sábado, 28 de novembro de 2015

EUROPA: O VERDADEIRO DÉFICE A SUPRIMIR

A Europa foi em tempos um espaço e um projeto de paz, liberdade e de bem-estar. Pôde sê-lo porque os Estados Unidos assumiram, em nosso nome e para o nosso bem comum, o ónus da nossa defesa e proteção contra a ameaça do bloco soviético, a única que podia por em perigo o projeto de construção europeia. Todos os projetos de criação de uma verdadeira política de defesa e segurança, com todas as consequências que lhe são inerentes, falharam, se bem se lembram. E tudo ia pelo melhor, no melhor dos mundos possíveis, até ruir o Império soviético. E longe de significar o final da História e o final das ameaças, o vazio que por ele foi deixado passou a ser ocupado por uma multiplicidade de ameaças mais subtis, mais sofisticadas, mais dispersas, mais exigentes. 
É fácil olhar para trás, para 1990, e dizer, hoje, que os Europeus foram irresponsáveis e não estiveram à altura de tomar as decisões que deveriam ter tomado para que hoje, o projeto europeu continuasse a ser uma certeza inabalável de paz, liberdade e de bem-estar. Mas a verdade é que essas decisões estruturantes e estratégicas não foram tomadas. Pensou-se e agiu-se na crença de que a História, na sua versão maniqueísta - bons e maus - tinha acabado e de que após sete décadas de Guerra fria, nada mais grave podia ameaçar o mundo e a Europa. E, neste contexto, duas decisões foram "levianamente" adiadas quando não o deveriam ter sido: em primeiro lugar corremos, sem pensar, a integrar no projeto europeu, os países da Europa de Leste. Pressionados por ingleses e alemães e pela “dívida histórica para com países irmãos e sociedades martirizadas”, decidimos dar prioridade absoluta e imediata ao "alargamento" da Europa em detrimento do seu "aprofundamento". E aprofundar teria significado refletir sobre os objetivos, as condições e a viabilidade dessa União Europeia alargada.
Quando por fim foram tomadas essas decisões, uma década depois, com o Tratado de Lisboa, o mundo já não era o mesmo de 1992 e, face às ameaças externas, graves e difusas, e ante as contradições internas que se começavam a fazer sentir, as respostas europeias enfraqueceram-na em vez de a fortalecerem. Faltou clarividência, sentido estratégico e coragem política. Ante o interesse geral europeu, prevaleceram os interesses dos Estados e, com eles cresceram as inúmeras fragilidades que fizeram dela uma presa fácil da crise financeira internacional, da crise económica interna, da crise dos refugiados e da ameaça certa do terrorismo.
Mas houve uma segunda decisão que então não foi tomada e que ainda hoje é um vazio cujas consequências comprometem gravemente a continuidade do projeto europeu: o modelo político da construção europeia. Não tanto o modelo de regime em si, que pode ser discutido, mas a construção efetiva dos fundamentos políticos de um futuro regime político. A falta de coragem e de interesse político para democratizar plenamente a União Europeia enfraqueceu-a decisivamente e hoje assistimos, por um lado ao divórcio da Cidadania deste grande projeto europeu e, por outro, à apropriação, por parte dos seus grandes Estados, das suas instâncias de decisão e da propagação através das suas malhas, dos seus interesses nacionais. E a tensão entre interesses que são contraditórios torna-se insuportável, ao ponto de ser legítimo pensar que este projeto europeu tem, efetivamente, os dias contados.
Sou uma europeísta convicta e militante. Mas de uma Europa que sabe ter sempre presente, em qualquer momento e circunstância, que os seus objetivos latentes são, antes todos os outros, a preservação da paz, a garantia da liberdade e a promoção do bem-estar dos seus Cidadãos. E para dar sentido e alcance a essa Europa, é indispensável democratizar, de forma limpa, transparente e efetiva, a União. 64 anos volvidos da Declaração Schumann, a legitimidade das decisões sobre os grandes destinos europeus deve residir na sua Cidadania e nos seus representantes eleitos por via do sufrágio direto e universal. Chegou a hora de dar esse passo fundamental não só para preservar o património dos Valores que nos são mais intrínsecos, mas fundamentalmente para construir uma Europa forte, unida, próspera, livre, justa e invencível, em torno das pessoas, dos seus Cidadãos. A força da Europa, neste momento já não pode residir na legitimidade democrática dos Estados, mas sim na vontade da sua Cidadania.
Face às ameaças e desafios com que hoje nos confrontamos e que questionam diretamente os Valores e Princípios que são os nossos, todos somos mais capazes de ultrapassar as diferenças que nos têm separado no respeito das diversidades que nos caracterizam. O que os atos terroristas do passado 11 de novembro trouxeram à superfície, foram os denominadores comuns que nos unem e sendo eles profundos e verdadeiramente estruturantes da nossa identidade europeia, devem ser trasladados á União e estrutura-la de forma a que possa ser indestrutível antes as ameaças que a desafiam.
Mais do que nunca, a solução é mais Europa. Mas não podemos errar outra vez: Mais Europa significa colmatar o que revelou ser, ao longo destes 60 anos, o seu maior défice: a falta de democracia. É este o verdadeiro défice que importa suprimir. Sempre, sempre, que na História da Humanidade as sociedades optaram pela via democrática, foi a Humanidade inteira que ganhou. Sempre. Se tivermos a coragem e a determinação de tornar a Europa um espaço de liberdade e de democracia, a Europa também ganhará. E com ela, todos nós, europeus.

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