E por isso vou a correr escrever. Para que as ideias escorram depressa para o papel e dêem espaço às novas que se apressam a tomar forma. Escrever é forrar as paredes interiores de ideias arrumadas.
domingo, 26 de agosto de 2012
Ler
Ler é isso mesmo: sentar-se cómodamente na disponibilidade para viajar dentro de si pela mão de quem escreve.
Coerência ética
Só há uma saída. Só não o vê nem o aceita quem não quer. Não é possível, não é mesmo possível, que em simultâneo, cada um de nós, por um lado, continue a ensinar determinados valores e princípios aos filhos e netos e a apregoá-los entre amigos e nas tertúlias, e continue, por outro lado, a aceitar, com placidez ou irritação, indiferença ou indignação, que o sistema que nos rege e aqueles a quem demos o mandato de o gerir por nossa conta e em atenção aos interesses de todos, esteja organizado e deixe que o usem em completa e total contravenção com estes princípios, em detrimento dos nossos interesses e causando-nos e ao país danos e prejuízos irreversíveis! Todos sabemos - mais do que bem - que o Estado alberga nele uma teia estratégica de interesses organizados e geridos para servir interesses de pessoas e organizações cuja única ambição é o poder e a riqueza própria. Nessa teia encontram-se pessoas que há muito que abdicaram (se é que alguma vez
 os tiveram) dos valores e princípios em que muitos de nós acreditamos e que são os que norteiam a nossa consciência e o nosso agir. A única maneira de acabar com esta imoralidade organizada é oferecer uma alternativa política que se reja por TUDO aquilo em que acreditamos e que é o que ensinamos aos nossos filhos. Não é preciso ir mais longe do que isto. Nada é mais simples do que isto. Fui ensinada que na vida, às vezes, o mais simples é o mais difícil de se fazer. Acredito que não é simples organizar uma opção política cujo objetivo é oferecer a gestão do bem comum norteada pelo serviço à Comunidade e no interesse de todos. Mas acima de tudo acredito e não quero deixar de acreditar, que por mais ínfimas que sejam as possibilidades não supera o que significa levar o peso na consciência de estar a ensinar princípios e valores aos meus filhos, a apregoá-los entre amigos e nas tertúlias, a tomá-los como cartão de visita do que sou e a deixar que os que elegi para defenderem os interesses da colectividade a que pertenço e do país que é Portugal, ajam em total e absoluta contravenção a esses princípios! E que me inflijam a mim, aos meus e a todos, danos e prejuízos irreparáveis! Só não aceita isto que digo, quem se está a borrifar para esses princípios! E esses...
sábado, 18 de agosto de 2012
Não é o Fernão Capelo Gaivota. É apenas
uma simples gaivota que se intrometeu no meu campo de visão quando tentava focar
o nevoeiro que passava a correr mesmo por cima da minha cabeça no alto das
arribas da Praia da Urca. Não é o Fernão Capelo Gaivota, não. Mas ao olhar para
esta gaivota que entrava pelo mar dentro sem qualquer entrave...tive inveja da
liberdade que leva nas asas.
terça-feira, 14 de agosto de 2012
Onde estão os heróis do mar, o nobre povo, a Nação valente e imortal?
Discutia-se ontem, entre amigos, ao jantar, sobre o estado da Nação. Palavras duras, balanço severo: há a noção muito nítida de que uma geração inteira - a minha - se desentendeu dos destinos do país e, com essa atitude de desleixo e irresponsabilidade, deixou que o país chegasse onde chegou. É certo. Estamos onde estamos, nas mãos de quem estamos, sujeitos à maior humilhação a que um país pode es
tar sujeito, a braços com a maior crise económica e em breve social dos últimos tempos, endividados até à medula, hipotecados até às últimas, sem norte nem rumo, sem esperança e sem fé porque nos desentendemos quando não o deveríamos ter feito, entregando-o nas mãos de quem não estava à altura da missão de Estado que é o governo de um país, fechando os olhos à promiscuidade económica público-privada e aos conflitos de interesses mais chocantes e inadmissíveis, cuidando dos nossos interesses por cima dos interesses da coletividade, abdicando irresponsávelmente do exercício de uma cidadania exigente, rigorosa e intransigente no que diz respeito ao controlo do exercício do poder público...estamos onde estamos porque não quisémos ir mais longe, temos o que merecemos e o que merecemos deixámos de poder ter por negligência grosseira...São especialmente responsáveis as elites deste país, as traves mestras sobre cujos valores, princípios, competência e ambição se ergue um país. Onde estão os "homens bons" deste país? Porque se arrogam, em silêncio, da vitalidade de que o país necessita enquanto o país, nas suas costas, se vai lentamente e literalmente desfazendo e definhando e morrendo aos poucos, humilhado, maltratado, ignorado, abandonado? Porque sustêm, orgulhosamente, a negação da realidade e se agarram - como náufragos ansiosos e angustiado - aos poucos vestígios do que outrora poderá ter sido mas que hoje não passa do que desejariam que fosse, uma ilusão? A minha geração passará, sem pena nem glória, antes com culpa certa e pesada, à geração que vem, o testemunho de um país hipotecado, penalizado, deficitário, pobre e derrotado. E dela se escreverá o epitáfio mais severo que pode ser escrito de alguém: Deixou morrer o país...que de nós nem a letra do hino nacional se pode entoar, nem a Mensagem de Fernando Pessoa ler nem os versos de Camões, d'Os Lusíadas recordar. Enquanto houver brilho no olhar de alguns e convicções para afirmar, tudo é ainda possível. Caso contrário, de ruins, desfaleceremos antes do país. É revoltante...
Chuva de Agosto
Chove, por fim, a frescura que o jardim pedia a gritos, sufocado pelo calor tórrido e queimado pelo sol impiedoso do verão. Abençoada chuva de Agosto, a pausa que limpa, alivia, atenua, suaviza, interrompe. E obriga a recolher por trás das vidraças e a contemplar a paisagem feérica e espampanante do verão vestida de inverno, a pingar gotas de água que escorregam, divertidas, por entre os fetos, os frutos e as flores, riachos de vida que a terra engole, sequiosa. É apenas uma pausa. O verão ainda não se rendeu e voltará, quem sabe se não mais intenso e dominador? Entretanto, há tempo para acabar o livro, pôr as contas em dia, escrever uma poesia, cozinhar um bom petisco, ouvir uma sinfonia, aborrecer-se sem ocupação e sentir a chuva a cair...uma pausa entalada na rotina pela generosidade e sabedoria de quem rege o Universo. Aqui, isso é bem vindo!
Escrever
Escrever é ir de passeio com a alma pela vida fora, colher o que ela vê, sente, ouve, pensa e nos diz, chegar a casa e cozinhá-lo, com arte e imaginação, por escrito. Quando chego ao ponto final, sento-me e saboreio-o no melhor cigarro que a vida me pode dar.
segunda-feira, 13 de agosto de 2012
SINTRA E O TURISMO DA ALMA
Ontem levei dois amigos catalães ao Castelo da Pena. É uma enorme responsabilidade dar a conhecer a alguém algo que não conhece. Estando a alma completamente virgem, essa primeira impressão deixa uma marca cujas raízes, em princípio, ficarão para sempre. Como era um casal novo (23 anos) em "lua de mel" por Lisboa, achei que iriam apreciar que lhes transmitisse a "mística romântica" que envolve e se desprende do Palácio da Pena. E senti, uma vez mais, como é importante, divertido e original, ao servir de guia a um casal de estrangeiros, deixar-lhes na alma um conjunto de frescos emocionais capazes de "revitalizar-lhes" a alma e, com isso, renovar-lhes ou rejuvenescer-lhes a relação emocional que existe entre eles. Eu sinto que não só é possível como é o que as pessoas procuram quando se deslocam ao estrangeiro. Ora, o nosso país tem um capital emocional fora de série: não só em termos patrimoniais como em termos humanos e históricos. Sintra é um ex-libris desta forma de entender o turismo. É fácil mobilizar a alma cansada, adormecida e desmotivada quando estamos no cimo do Palácio da Pena, expandidos até um horizonte quase infinito, rodeados de uma paleta de verdes que estimulam o optimismo e de uma arquitectura cheia de percursos rendilhados e pormenorizados, que arrendondam as arestas emocionais, rematados com uma História que acende a chama do imaginário místico dando assim origem a um novo estado de espírito que ilumina a escuridão interior. Sintra encerra este enorme potencial de criatividade emocional. É um elixir único para esta modalidade de doenças da alma. Doenças que se fossem oficialmente consideradas uma epidemia pela OMS, podiam levantar a economia do país, que possui, sem saber, o capital e o know how capazes de fazer dele o leader mundial do turismo terapêutico das doenças da alma...Parece só ironia...mas no fundo não é. O jovem casal catalão voltou ontem para Lisboa com os olhos a brilhar. E no fim do passeio, felizmente, senti-me a mais! :-)))
quarta-feira, 8 de agosto de 2012
Um ano na Bulgária IV
A Bulgária, à semelhança de Portugal agora, vive sob a tutela e vigilância da União Europeia. Aqui foi criado o Memorando de Entendimento. Lá, o instrumento chama-se: Mecanismo de Verificação e Cooperação. Ambos fixam metas e obrigações para atingi-las. E a UE organiza missões periódicas - a ambos os países - para verificar o chamado "ongoing progress", medido, em ambos os casos, por "concrete res
ults". Como disse, trabalhei no coração desse "assessment" da UE à Bulgaria durante um ano. Sendo o objeto da tutela que exerce a UE sobre Portugal radicalmente diferente do objeto da tutela exercida sobre a Bulgária (os problemas na Bulgária são infinitamente mais graves do que em Portugal) a verdade é que a dinâmica é a mesma: passámos a ser um país tutelado. Na Bulgária é impossível erradicar a corrupção e o crime organizado. É um problema cultural, social, económico e também político. Em Portugal é impossível sanear a economia e colocá-la na senda de um crescimento económico. Daí o Memorando de Entendimento, as suas metas, os seus instrumentos de controlo, as missões, a tutela. Como na Bulgária. É este o paralelismo: dois países incapazes de lidar, por si sós, contra os seus cancros culturais, sociais económicos e políticos. Portugal e a Bulgária são países controlados pela oligarquia económico-política. Em que a sociedade civil não existe, as elites alimentam essa oligarquia e a maioria do povo sobrevive nos interstícios desse poder. Ele há pessoas boas e válidas em ambos os países. E inteligentes e sãs. Mas são marginais. O sistema encarrega-se de mantê-las à margem, sem qualquer capacidade para mudar, de fora, o que quer que seja. A questão que se coloca é a seguinte, pois. E as metas e obrigações impostas pela UE, se seguidas à risca, podem transformar Portugal num país com uma economia livre, não dependente do Estado, transparente e concorrencial, aberta a todos? Vou responder com a minha experiência búlgara. Contando uma história. Numa ocasião fui a Varna, uma cidade búlgara no Mar Negro, dar uma conferência a uma Associação de mulheres profissionais. Fiquei dois dias em Varna e participei em almoços, jantares, reuniões e encontros com pessoas e organizações locais de todo o tipo. Conheci um juiz do Tribunal de Primeira Instância de Varna. Falava inglês, era espertíssimo, culto, vivo, diria que brilhante. Eu aproveitava todas as ocasiões para satisfazer a minha enormíssima curiosidade acerca da Bulgária e dos problemas que a sociedade tinha e tem para se libertar dessa oligarquia nefasta e criminosa que tem o país controlado e que não o deixa viver e crescer em liberdade. A conversa escorregou para a UE e a forma como esta exercia a tutela sobre a Bulgária e atacava o problema búlgaro. Recordo as palavras desse juiz: "Mrs. Pinto (quando não era "Maria", eu era a "Mrs. Pinto"). Aqui em Varna, porque é uma das zonas predilectas das mafias com ligações à Russia (proximidade geográfica), somos chamados a julgar mafiosos que pertencem a organizações criminosas sinistras. Alguns casos são monitorizados pela UE porque são casos graves e de grande repercussão social. E a maioria das vezes estes casos são indicadores da incapacidade do sistema judicial búlgaro de lutar eficazmente contra a criminalidade organizada. Os juízes desses casos são apontados como culpados dessa ineficácia e algumas vezes são levantadas suspeitas de serem cúmplices dos mafiosos." "E não é assim?" - espetei eu. O meu interlocutor sorriu, com sorna e uma certa condescendência e prosseguiu: "É. Mas sabe porquê? Vou-lhe explicar: Um juiz da Primeira Instância, na Bulgária, geralmente é casado e tem filhos. Uma vida normal. Como a de muitos juizes da UE. Uma normalidade que é brutalmente interrompida quando lhe vem parar às mãos um caso desses, em que tem que julgar um mafioso local. Porque nesse mesmo dia recebe a visita de alguém que lhe lembra que tem mulher e filhos. E que se não quer que algo de grave, gravíssimo, lhes aconteça...já sabe o que deve fazer. E para compensá-lo da miséria que é ganhar 5.000 Euros anuais, passa a receber um extra, pela colaboração. Agora pergunto-lhe: esses juizes e funcionários da UE que vêm à Bulgária fazer o controlo do funcionamento do sistema judicial, vindos de países onde nada disto acontece, onde tudo isto é inimaginável, podem, moralmente, exigir a este juiz que, quando confrontado com a possibilidade de encontrar a mulher e os filhos pendurados de cabeça para baixo numa árvore do jardim, se arme em herói e ponha as metas da UE à frente da segurança da família?" Depois de esbofeteada pela realidade, engoli em seco. Pensei imediatamente nos meus filhos...nos dele. Falava sem dúvida por experiência própria e quem era eu, que também tinha filhos pequenos, para julgá-lo e exigir-lhe uma heroicidade que ninguém, na UE, iria recompensar? Esta é a realidade búlgara. Podemos mascará-la, ignorá-la, querer que seja diferente. Mas, no terreno, é esta a lei. Como dizia o meu Primeiro Ministro, sábiamente, vão ser precisas várias gerações para que a Bulgária chegue aos standards europeus. Porque razão a UE não atacou o problema búlgaro de outra forma? Porque razão deixou que a Bulgária entrasse na UE? Lembro aqui que quem mais força fez para que a Bulgária entrasse na UE foi a Alemanha. Com esta história búlgara e a minha experiência profíqua na Bulgária, sou levada a pensar que o que move a UE está longe de coincidir com o interesse que possamos ter em transformar Portugal num país que não esteja sujeito ao controlo da oligarquia económico-política. Vale a pena usar esta lente e analisar o Memorando de Entendimento à lupa: em relação a cada uma das metas e obrigações, a pergunta correta é: e será que assim Portugal se tornará mais livre, mais competitivo, mais transparente, mais dinâmico? Estão mesmo a atacar o verdadero problema? O verdadeiro nó cego? Naquela noite, depois daquela conversa impactante, com o juiz de Varna certifiquei-me, com grande pesar, de que os objetivos impostos pela UE à Bulgária eram letra morta em papel molhado...Na UE, os que decidem, sabem bem que o alvo escolhido não é o correto. Mas serve...Hélàs...
Um ano na Bulgária III
Ainda a propósito da Bulgária. E das adjudicações diretas de contratos de obras públicas (vide o que acontece em Portugal). Quando conheci o Primeiro Ministro da Bulgária, Sergey Stanishev, conversámos sobre as dificuldades da Bulgária em adaptar-se aos princípios e normas do direito da UE, em especial às normas que regulam os conflitos de interesses. Meio a rir, meio a sério, disse-me:"A Bulgária
transpôs a normativa sobre os conflitos de interesses e a normativa sobre a contratação pública. O problema é fazer compreender aos búlgaros o conceito de conflito de interesse." E contou-me uma história sobre o Diretor da agência pública que geria a adjudicação dos contratos públicos para a contsrução de auto-estradas. O bom homem adjudicava sistemática e descaradamente as obras para a construção das auto-estradas a um consorcio gerido pelo cunhado. E a propósito da impossibilidade de continuar a fazê-lo, devido à normativa da UE, desabafou:"Essa gente da UE é estúpida. Toda a gente sabe que seja qual for a empresa que fique com a obra, nacional ou estrangeira, há sempre dinheiro negro que é metido ao bolso por um político. Se fôr o meu cunhado, ao menos temos a certeza de que os trabalhadores e outros não roubam também no alcatrão, nas máquinas e no material. A obra fica mais barata!" O facto dele ser o adjudicador da obra e o adjudicado, o cunhado e isso provocar um conflito de interesses, passava-lhe completamente por alto. Dizia-me o PM:"Como quer que a normativa da UE seja aplicada se não consigo sequer fazer-lhes entender o que é um conflito de interesses? É um problema cultural. Vai levar anos, gerações a mudar a mentalidade desta gente..." Era um desabafo de alguém que, conhecendo bem os compatriotas, sabia que a Bulgária não estava de todo preparada para entrar no clube da UE: neste clube, os conflitos de interesses são sofisticadamente camuflados sob práticas aparentemente legais e conformes à normativa da UE. Ora, na Bulgária, essa sofisticação e virtuosa hipocrisia era vista com desprezo e estavam longe de conseguir imitá-la. Portugal não é a Bulgária. Aqui, essa sofisticada hipocrisia que contorna e se perde habilmente no articulado confuso e denso das leis, é praticada com destreza: os cunhados chamam-se testas de ferro, homens de palha, os concursos até se fazem mas o resultado é o mesmo que o da Bulgária. O dito Diretor da Agência das Estradas búlgaras era um malandrão, um vigarista, um criminoso. Mas a sua perplexidade era genuína e a incompreensão sincera. Para quê tantas flores e valsas se ao fim e ao cabo a obra é adjudicada à pessoa que mais interessa ao poder? Na Bulgária, em Portugal e noutros países? A escolher, prefiro lidar com os búlgaros. Detesto a hipocrisia.
Um ano na Bulgária II
Ainda a pensar na minha "experiência búlgara". Quando lá cheguei, para trabalhar no Gabinete do Primeiro Ministro como assessora para as questões da UE, fui acolhida por um personagem que iria trabalhar comigo no Gabinete. Ficámos amigos, irmãos. Tinha sido espião. Foi ele que me ensinou e mostro tudo o que havia para mostrar na viagem pela anatomia do poder na Bulgária. Sentados nos jardins do P
alácio da Presidência do Conselho de Ministros (estaliniano 100% e portanto, uma relíquia dos "good old days"), no primeiro dia, o meu futuro "brother in arms" na selva búlgara, disse-me com um ar bizantino: "Maria, (o do Carmo ficou logo no tinteiro), primeira lição: na Bulgária tudo o que parece, não é. E tudo o que é, não parece". Disponibilizou-me esta primeira lente quando lhe pedi para que juntasse os Chefes de Gabinete dos Ministros para que eu me pudesse apresentar, uma vez que ía ser responsável, num clima de guerra com a Comissão Europeia, pelas relações entre o Primeiro Ministro e a Comissão Europeia. Precisava de ter o "input" dos Gabinetes para sintonizar a mensagem do Governo nas tumultuosas relações com o Gabinete do Presidente Barroso e a SG da Comissão. O meu amigo espião deu uma gargalhada e soltou-me aquela máxima. Que me ficou gravada assim que percebi o que pretendia explicar-me com ela. Era o seguinte: Os Chefes de Gabinete e outros cargos esplêndidos do Governo estavam lá apenas para dar lustro. E, de facto, eram eles que lidavam com os interlocutores da Comissão Europeia. Aqueles funcionários "de alto nível" que só se relacionam com quem também é "de alto nível". Eles tinham, de facto, um nível alto. Mas mandar...não mandavam rigorosamente nada. Mas iam entretendo os da Comissão Europeia e tinham sido treinados para dar as respostas para serem ouvidas pelos Ilustres enviados especiais europeus. Dizia-me assim o meu colega búlgaro quando, por inerência dos nossos cargos, tivémos que assistir a uma reunião entre uma equipa de Directores Gerais da Comissão, a Ministra da Justiça, o Ministro do Interior e o Procurador Geral da República búlgara: "Maria, põe a lente que te dei e olha bem para o lado búlgaro da mesa de reuniões. Desloca-te do centro (onde estavam os Ministros) para a ponta esquerda da mesa. Vês quem está ali sentado a tomar notas sem levantar a cabeça? É quem manda aqui. Não parece, mas é. Percebes, agora?" Percebi, claro. Aquele homenzinho, inignificante, amanuense e apagado, era o homem de uma das mafias que controla o poder judicial na Bulgária. Recebia ordens deles. O resto da mesa obedecia-lhe. Os da Comissão Europeia, esses, continuavam a dar ordens aos Ministros. Com sotaque alemão, evidentemente. Mas sem perceber nada da anatomia do poder real na Bulgária. Aliás...continuam sem querer perceber. Mas isto acontece na Bulgária. Só que, mutatis mutandis, também acontece em Portugal. Só que com outras formas. É preciso é usar uma lente como a do meu amigo espião. E focar na direção certa. Adorei estar na Bulgária!!!
Um ano na Bulgária I
Estive um ano na Bulgária a trabalhar. Estava numa posição (num dos centros do poder) onde pude estudar a anatomia do poder. Tive ótimos professores. Antigos espiões do regime comunista, agora estratégicamente colocados na nova Nomenklatura pós queda do muro. Foi um ano de uma aprendizagem que nenhuma academia, curso, livro poderia ter-me dado. Para além de única, a experiência foi fascinante. E ú
til, extraordináriamente enriquecedora. Uma formação ímpar (Se fosse como o Relvas, a experiência que tive dava direito a doutouramento). Adiante. O curioso é que a anatomia do poder na Bulgária é a mesma - mutatis mutandis - que a de Portugal. Tenho andado a identificar paralelismos. Fica aqui um: na Bulgária os interesses económicos - os oligarcas com ligações às mafias regionais ou russas - estão representados nos diferentes centros de poder formais, de forma proporcional: todos tèm representação nos partidos, todos têm participação (maior ou menor) nas principais empresas (às vezes por setores), todos estão, portanto no Parlamento, no poder judicial, nas autarquias, na Presidência da República, no Governo. A estrutura de poder formal está organizada verticalmente. Porém, o poder real organiza-se horizontalmente. Com as informações e explicações que os meus amigos espiões me iam dando sobre o "Who is who" búlgaro, fiz um mapa de todo o poder formal. Com quadradinhos a representar os cargos e as pessoas. E atribuí uma determinada cor a cada interesse económico. O resultado foi espetacular: em vez de obediência vertical (Ministro que obdece a Primeiro Ministro, Diretor que obedece a Diretor-Geral, etc) em função da hierarquia ou do partido, as obediências eram horizontais e extravazavam as organizações. Tudo começou quando me apercebi que o Ministro da Economia não fazia caso nenhum ao que lhe dizia o Primeiro Ministro (que era o meu chefe). Percebi, depois, que a lealdade do Ministro era para com um determinado poder económico que o tinha colocado lá por controlar uma determinada fação do partido. E assim sucessivamente até ter o mapa completo. Repito: em Portugal, mutatis mutandis, dá-se o mesmo. O que é preciso é desvendar a anatomia do poder em Portugal. É por isso que me é tão dificil aceder ao poder: pessoas como eu não são bem-vindas. Eu quero que o meu país melhore. Não estar por conta de nenhum interesse económico. Só isso!
domingo, 5 de agosto de 2012
Devagarinho, pela vida fora
A vida é o caminho e viver é desenrolar-me, passo a passo, por esse caminho fora e ir semeando, aqui e ali, a pouco e pouco, um pouco de mim, nos momentos certos, os acordes que vou sendo, ecos do Universo com os quais vou tecendo sem verdadeiramente dar por isso, a corrente de fundo que me guia, uma sinfonia, uma pintura, uma poesia que tropeça, cai e se levanta, dia à dia, nos contornos, palavras e na melodia que vou escrevendo e compondo, entre a memória do que fui e o destino que serei, avançando, devagarinho, pela vida fora...
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