ults". Como disse, trabalhei no coração desse "assessment" da UE à Bulgaria durante um ano. Sendo o objeto da tutela que exerce a UE sobre Portugal radicalmente diferente do objeto da tutela exercida sobre a Bulgária (os problemas na Bulgária são infinitamente mais graves do que em Portugal) a verdade é que a dinâmica é a mesma: passámos a ser um país tutelado. Na Bulgária é impossível erradicar a corrupção e o crime organizado. É um problema cultural, social, económico e também político. Em Portugal é impossível sanear a economia e colocá-la na senda de um crescimento económico. Daí o Memorando de Entendimento, as suas metas, os seus instrumentos de controlo, as missões, a tutela. Como na Bulgária. É este o paralelismo: dois países incapazes de lidar, por si sós, contra os seus cancros culturais, sociais económicos e políticos. Portugal e a Bulgária são países controlados pela oligarquia económico-política. Em que a sociedade civil não existe, as elites alimentam essa oligarquia e a maioria do povo sobrevive nos interstícios desse poder. Ele há pessoas boas e válidas em ambos os países. E inteligentes e sãs. Mas são marginais. O sistema encarrega-se de mantê-las à margem, sem qualquer capacidade para mudar, de fora, o que quer que seja. A questão que se coloca é a seguinte, pois. E as metas e obrigações impostas pela UE, se seguidas à risca, podem transformar Portugal num país com uma economia livre, não dependente do Estado, transparente e concorrencial, aberta a todos? Vou responder com a minha experiência búlgara. Contando uma história. Numa ocasião fui a Varna, uma cidade búlgara no Mar Negro, dar uma conferência a uma Associação de mulheres profissionais. Fiquei dois dias em Varna e participei em almoços, jantares, reuniões e encontros com pessoas e organizações locais de todo o tipo. Conheci um juiz do Tribunal de Primeira Instância de Varna. Falava inglês, era espertíssimo, culto, vivo, diria que brilhante. Eu aproveitava todas as ocasiões para satisfazer a minha enormíssima curiosidade acerca da Bulgária e dos problemas que a sociedade tinha e tem para se libertar dessa oligarquia nefasta e criminosa que tem o país controlado e que não o deixa viver e crescer em liberdade. A conversa escorregou para a UE e a forma como esta exercia a tutela sobre a Bulgária e atacava o problema búlgaro. Recordo as palavras desse juiz: "Mrs. Pinto (quando não era "Maria", eu era a "Mrs. Pinto"). Aqui em Varna, porque é uma das zonas predilectas das mafias com ligações à Russia (proximidade geográfica), somos chamados a julgar mafiosos que pertencem a organizações criminosas sinistras. Alguns casos são monitorizados pela UE porque são casos graves e de grande repercussão social. E a maioria das vezes estes casos são indicadores da incapacidade do sistema judicial búlgaro de lutar eficazmente contra a criminalidade organizada. Os juízes desses casos são apontados como culpados dessa ineficácia e algumas vezes são levantadas suspeitas de serem cúmplices dos mafiosos." "E não é assim?" - espetei eu. O meu interlocutor sorriu, com sorna e uma certa condescendência e prosseguiu: "É. Mas sabe porquê? Vou-lhe explicar: Um juiz da Primeira Instância, na Bulgária, geralmente é casado e tem filhos. Uma vida normal. Como a de muitos juizes da UE. Uma normalidade que é brutalmente interrompida quando lhe vem parar às mãos um caso desses, em que tem que julgar um mafioso local. Porque nesse mesmo dia recebe a visita de alguém que lhe lembra que tem mulher e filhos. E que se não quer que algo de grave, gravíssimo, lhes aconteça...já sabe o que deve fazer. E para compensá-lo da miséria que é ganhar 5.000 Euros anuais, passa a receber um extra, pela colaboração. Agora pergunto-lhe: esses juizes e funcionários da UE que vêm à Bulgária fazer o controlo do funcionamento do sistema judicial, vindos de países onde nada disto acontece, onde tudo isto é inimaginável, podem, moralmente, exigir a este juiz que, quando confrontado com a possibilidade de encontrar a mulher e os filhos pendurados de cabeça para baixo numa árvore do jardim, se arme em herói e ponha as metas da UE à frente da segurança da família?" Depois de esbofeteada pela realidade, engoli em seco. Pensei imediatamente nos meus filhos...nos dele. Falava sem dúvida por experiência própria e quem era eu, que também tinha filhos pequenos, para julgá-lo e exigir-lhe uma heroicidade que ninguém, na UE, iria recompensar? Esta é a realidade búlgara. Podemos mascará-la, ignorá-la, querer que seja diferente. Mas, no terreno, é esta a lei. Como dizia o meu Primeiro Ministro, sábiamente, vão ser precisas várias gerações para que a Bulgária chegue aos standards europeus. Porque razão a UE não atacou o problema búlgaro de outra forma? Porque razão deixou que a Bulgária entrasse na UE? Lembro aqui que quem mais força fez para que a Bulgária entrasse na UE foi a Alemanha. Com esta história búlgara e a minha experiência profíqua na Bulgária, sou levada a pensar que o que move a UE está longe de coincidir com o interesse que possamos ter em transformar Portugal num país que não esteja sujeito ao controlo da oligarquia económico-política. Vale a pena usar esta lente e analisar o Memorando de Entendimento à lupa: em relação a cada uma das metas e obrigações, a pergunta correta é: e será que assim Portugal se tornará mais livre, mais competitivo, mais transparente, mais dinâmico? Estão mesmo a atacar o verdadero problema? O verdadeiro nó cego? Naquela noite, depois daquela conversa impactante, com o juiz de Varna certifiquei-me, com grande pesar, de que os objetivos impostos pela UE à Bulgária eram letra morta em papel molhado...Na UE, os que decidem, sabem bem que o alvo escolhido não é o correto. Mas serve...Hélàs...
E por isso vou a correr escrever. Para que as ideias escorram depressa para o papel e dêem espaço às novas que se apressam a tomar forma. Escrever é forrar as paredes interiores de ideias arrumadas.
quarta-feira, 8 de agosto de 2012
Um ano na Bulgária IV
A Bulgária, à semelhança de Portugal agora, vive sob a tutela e vigilância da União Europeia. Aqui foi criado o Memorando de Entendimento. Lá, o instrumento chama-se: Mecanismo de Verificação e Cooperação. Ambos fixam metas e obrigações para atingi-las. E a UE organiza missões periódicas - a ambos os países - para verificar o chamado "ongoing progress", medido, em ambos os casos, por "concrete res
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