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quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Um ano na Bulgária II

Ainda a pensar na minha "experiência búlgara". Quando lá cheguei, para trabalhar no Gabinete do Primeiro Ministro como assessora para as questões da UE, fui acolhida por um personagem que iria trabalhar comigo no Gabinete. Ficámos amigos, irmãos. Tinha sido espião. Foi ele que me ensinou e mostro tudo o que havia para mostrar na viagem pela anatomia do poder na Bulgária. Sentados nos jardins do P
alácio da Presidência do Conselho de Ministros (estaliniano 100% e portanto, uma relíquia dos "good old days"), no primeiro dia, o meu futuro "brother in arms" na selva búlgara, disse-me com um ar bizantino: "Maria, (o do Carmo ficou logo no tinteiro), primeira lição: na Bulgária tudo o que parece, não é. E tudo o que é, não parece". Disponibilizou-me esta primeira lente quando lhe pedi para que juntasse os Chefes de Gabinete dos Ministros para que eu me pudesse apresentar, uma vez que ía ser responsável, num clima de guerra com a Comissão Europeia, pelas relações entre o Primeiro Ministro e a Comissão Europeia. Precisava de ter o "input" dos Gabinetes para sintonizar a mensagem do Governo nas tumultuosas relações com o Gabinete do Presidente Barroso e a SG da Comissão. O meu amigo espião deu uma gargalhada e soltou-me aquela máxima. Que me ficou gravada assim que percebi o que pretendia explicar-me com ela. Era o seguinte: Os Chefes de Gabinete e outros cargos esplêndidos do Governo estavam lá apenas para dar lustro. E, de facto, eram eles que lidavam com os interlocutores da Comissão Europeia. Aqueles funcionários "de alto nível" que só se relacionam com quem também é "de alto nível". Eles tinham, de facto, um nível alto. Mas mandar...não mandavam rigorosamente nada. Mas iam entretendo os da Comissão Europeia e tinham sido treinados para dar as respostas para serem ouvidas pelos Ilustres enviados especiais europeus. Dizia-me assim o meu colega búlgaro quando, por inerência dos nossos cargos, tivémos que assistir a uma reunião entre uma equipa de Directores Gerais da Comissão, a Ministra da Justiça, o Ministro do Interior e o Procurador Geral da República búlgara: "Maria, põe a lente que te dei e olha bem para o lado búlgaro da mesa de reuniões. Desloca-te do centro (onde estavam os Ministros) para a ponta esquerda da mesa. Vês quem está ali sentado a tomar notas sem levantar a cabeça? É quem manda aqui. Não parece, mas é. Percebes, agora?" Percebi, claro. Aquele homenzinho, inignificante, amanuense e apagado, era o homem de uma das mafias que controla o poder judicial na Bulgária. Recebia ordens deles. O resto da mesa obedecia-lhe. Os da Comissão Europeia, esses, continuavam a dar ordens aos Ministros. Com sotaque alemão, evidentemente. Mas sem perceber nada da anatomia do poder real na Bulgária. Aliás...continuam sem querer perceber. Mas isto acontece na Bulgária. Só que, mutatis mutandis, também acontece em Portugal. Só que com outras formas. É preciso é usar uma lente como a do meu amigo espião. E focar na direção certa. Adorei estar na Bulgária!!!

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