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quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Um ano na Bulgária III

Ainda a propósito da Bulgária. E das adjudicações diretas de contratos de obras públicas (vide o que acontece em Portugal). Quando conheci o Primeiro Ministro da Bulgária, Sergey Stanishev, conversámos sobre as dificuldades da Bulgária em adaptar-se aos princípios e normas do direito da UE, em especial às normas que regulam os conflitos de interesses. Meio a rir, meio a sério, disse-me:"A Bulgária
transpôs a normativa sobre os conflitos de interesses e a normativa sobre a contratação pública. O problema é fazer compreender aos búlgaros o conceito de conflito de interesse." E contou-me uma história sobre o Diretor da agência pública que geria a adjudicação dos contratos públicos para a contsrução de auto-estradas. O bom homem adjudicava sistemática e descaradamente as obras para a construção das auto-estradas a um consorcio gerido pelo cunhado. E a propósito da impossibilidade de continuar a fazê-lo, devido à normativa da UE, desabafou:"Essa gente da UE é estúpida. Toda a gente sabe que seja qual for a empresa que fique com a obra, nacional ou estrangeira, há sempre dinheiro negro que é metido ao bolso por um político. Se fôr o meu cunhado, ao menos temos a certeza de que os trabalhadores e outros não roubam também no alcatrão, nas máquinas e no material. A obra fica mais barata!" O facto dele ser o adjudicador da obra e o adjudicado, o cunhado e isso provocar um conflito de interesses, passava-lhe completamente por alto. Dizia-me o PM:"Como quer que a normativa da UE seja aplicada se não consigo sequer fazer-lhes entender o que é um conflito de interesses? É um problema cultural. Vai levar anos, gerações a mudar a mentalidade desta gente..." Era um desabafo de alguém que, conhecendo bem os compatriotas, sabia que a Bulgária não estava de todo preparada para entrar no clube da UE: neste clube, os conflitos de interesses são sofisticadamente camuflados sob práticas aparentemente legais e conformes à normativa da UE. Ora, na Bulgária, essa sofisticação e virtuosa hipocrisia era vista com desprezo e estavam longe de conseguir imitá-la. Portugal não é a Bulgária. Aqui, essa sofisticada hipocrisia que contorna e se perde habilmente no articulado confuso e denso das leis, é praticada com destreza: os cunhados chamam-se testas de ferro, homens de palha, os concursos até se fazem mas o resultado é o mesmo que o da Bulgária. O dito Diretor da Agência das Estradas búlgaras era um malandrão, um vigarista, um criminoso. Mas a sua perplexidade era genuína e a incompreensão sincera. Para quê tantas flores e valsas se ao fim e ao cabo a obra é adjudicada à pessoa que mais interessa ao poder? Na Bulgária, em Portugal e noutros países? A escolher, prefiro lidar com os búlgaros. Detesto a hipocrisia.

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