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domingo, 25 de outubro de 2015

A minha análise, o meu raciocínio, a minha esperança, a minha aposta política.

O que escrevo a seguir é apenas uma linha de raciocínio, uma alinhar de factos que considero relevantes para perceber a realidade à minha volta. Totalmente subjetivo, como é lógico e sem pretensão de convencer alguém, longe disso. É um diálogo comigo própria, algo que exercito constantemente porque é no pensamento que passo a maior parte do meu tempo e onde recolho o que sou. Agradeço a quem ler, esperando que sirva para algo. Algo é certo. O meu otimismo e a minha crença de que tudo é possível até que a realidade decrete o contrário. E que tudo vale a pena enquanto tivermos convicção, força e determinação. E para isso que seja possível e valha a pena, só lutando pelos valores e princípios da solidariedade, da liberdade, da justiça e democracia para todos. Sem distinção.

1. maio de 2011. Passos Coelho apoia a moção de censura do BE e do PCP e o Governo de Sócrates é derrubado em plena negociação com a Troika. Ganha as eleições, forma-se uma coligação de "direita" e o Programa de Governo é o Programa da Troika.

2. Passos Coelho e Paulo Portas, longe de terem um modelo de país e de desenvolvimento económico e social, unem-se em torno da aplicação deste programa de ajustamento, pondo de lado qualquer reforma de fundo que sabiam, como todos nós, ser necessária para que o país curasse os seus males endémicos: um Estado tentacular sem pés nem cabeça, uma economia frágil, improdutiva e dependente da estrategia de investimento público, uma justiça instalada na ineficiência e na defesa dos seus direitos, uma Educação completamente formatada e obsoleta, um sistema de saúde de proporções ingovernáveis e a estalar pelas costuras, um sistema científico que absorve somas astronómicas para a sua glória e segurança dos que dele vivem, um território em progressiva e irremediável desertificação, um grau de corrupção e uma teia de interesses instalados difícil de desemaranhar...Não há coragem política, não há um modelo alternativo, não há interesse.

3. Há sim uma aposta clara por garantir a permanência no poder sem abordar as reformas de fundo que eram urgentes. A prioridade é a recuperação da credibilidade junto dos "mercados fnanceiros" via os Estados que controlam a UE: essencialmente a Alemanha e os seus satélites. Vitor Gaspar é uma peça fundamental nessa aliança. Há que aumentar os impostos, acabar com as sangrias de recursos públicos (as ppps e outras parcerias público-privadas), fazer cortes onde existem garantias de poupança, ainda que estes não obedeçam a uma estratégia que nos permita a todos vislumbrar qual o ponto de chegada. Sem qualquer reflexão de fundo, sem sequer se pensar se poderia haver outra via, inicia-se um desmantelamento sistemático do Estado Social como se a sua existência tivesse sido uma veleidade dos governos socialistas de José Sócrates e não uma conquista não apenas de abril de 1974 mas também do regime de Salazar. Em curso um plano ideológico que longe de ter sido idealizado por Passos Coelho e Portas mas sim pelos que, a partir de uma plataforma de base europeia, pretendem construir uma Europa unida à força e dependente de poderes obscuros: o capital financeiro, a indústria e a direita ideológica. A Europa há-de conseguir ser uma super-potência mas sê-lo-á assente nestas forças que vivem nos bastidores da política e são imunes ao voto popular. O Governo português, disciplinado, entusiasmado, até, diria eu, oferece-se como aluno exemplar, uma vez mais e assiste, impávido e sereno, ao drama grego, manifestação de força inequívoca desse novo poder europeu.

4. A chamada "oposição", em Portugal, não existe e também ela não possui ou não é capaz de oferecer um modelo de desenvolvimento para o país. Sócrates deixara o país de rastos e António José Seguro não possui esse modelo nem o que resta do partido socialista, ainda em estado de choque pela ampitude da desgraça de que eram responsáveis. Seguro só emerge porque era o único que não tinha participado na orgia de poder dos governos de Sócrates. Não servia e por isso não participara. Mau demais, ataca à toa, sem fundamento e sobretudo sem consistência, sem convicção, sem que oferecesse uma verdadeira alternativa ao que será o plano de empobrecimento generalizado mais desalmado da nossa História. Com Seguro a não conseguir apontar ao alvo certo, o Governo tem a via livre pela frente e parece dono e senhor da situação (sobrevive mesmo às desavenças internas, à pataleta de Paulo Portas, à imperícia de vários Ministros e à falta de modelo económico e social para o país). Em torno da ancoragem do país à estratégia europeia desenvolvida por essa plataforma de poder que se afirma e do plano de empobrecimento sistemático em curso, nasce e cresce uma poderosa estratégia de comunicação que se destina a garantir obter mais quatro anos de governação.

5. "Cheira-me a esturro", penso. Porque não se trata de uma vulgar campanha de comunicação, amadora e parola. Um a um, os meios de comunicação são "colonizados" na verdadeira aceção do conceito. Sem percebermos, começam a ecoar, a partir de vários pontos, os apoios à estratégia do Governo. E o som é amplificado de tal forma que deixa de haver espaço para contrapor qualquer alternativa. É mais. O Governo oferece à Comunicação Social o ex-Primeiro Ministro Sócrates, verdadeira besta negra dos jornalistas e comentadores políticos e monta a maior operação mediática jamais vista no país: Sócrates é preso em direto e as suas trampolinices e esquemas de fraude são "descascados" com gozo e júbilo por quem anos atrás tinha sido espezinhado e humilhado.

6. Há ainda o caso "Ricardo Salgado", uma ação claramente decidida noutras esferas políticas que foi imposta, sem apelo nem agravo, ao Governo e que dele tirou proveito assim como muitos outros. Com a proteção de variadas instâncias internacionais (várias entidades americanas, o Banco Central Europeu, as autoridades suíças e outras menos evidentes) Ricardo Salgado cai e com ele um poder obscuro que controla parte do poder em Portugal. Cai sem ruído e sem redes e até ver, já era e nunca mais será. A operação foi tão eficaz e tão "clean" que dificilmente poderia ter sido levada a cabo se não tivesse a ordem emanado de instâncias não portuguesas, aborrecidas e incomodadas com os desvarios de Ricardo Salgado.

6. António Costa, pressionado pelos socratinianos é, então, obrigado a sair da toca onde se refugia e a tomar de assalto o poder no partido socialista. Fá-lo com convicção ou não tem alternativa? Não sabemos. Derruba Seguro e por momentos o país acredita que é possível a construção de uma alternativa à estratégia impiedosa de empobrecimento em curso. A ascensão de Costa é meteórica e quando tudo indicava que poderia efetivamente constituir uma alternativa, descobrem-se os seus pés de barro. Não tanto pela falta de quadros ou pelo boicote a que foi vetado pelos Seguristas (mais numerosos do que se supunha) ou por uma qualquer azelhice que não pudesse ser disfarçada. Costa não vinga porque no panorama europeu, a sua família política não existe e não tem uma alternativa de poder desenhada. Missing. O vazio, nesta área ideológica, chamesmos-lhe assim, é completo. António Costa está só e à boca das eleições, com uma comunicação social completamente alinhada "à direita", poucas chances tem de esconder as fragilidades da sua opção.

7. A esquerda à esquerda do partido socialista também não é opção e só surge como catalisadora do voto de protesto quando surgem Catarina Martins e Joana Mortágua, verdadeiras artífices do milagre eleitoral que conseguiu o Bloco de Esquerda. Uma nova geração surge da ideologia rançosa da esquerda de protesto, preparada, profissional, certeira e pragmática. E António Costa, martelado e assediado à direita e à esquerda, é incapaz de fazer do partido socialista a primeira opção de poder. Na noite eleitoral, todos esfregam as mãos à beira do corpo moribundo de António Costa: a Coligação, o Bloco de Esquerda, o Partido Comunista, Cavaco Silva e a Comunicação Social.

8. Eis senão quando, surge, das sombras o imprevisível. O impensável. E a chave há que procurá-la, de novo, em Catarina Martins. Que oferece, de bandeja, a António Costa não apenas a sua sobrevivência política mas o afastamento do Governo que já tocara todos os sinos a rebate de conseguir dividir, dobrar, ajoelhar o partido socialista. É esta soberbia e prepotência (que não são desconhecidas) aliada à oferta presumivelmente envenenada de Catarina Martins que dão oxigénio a António Costa e o levam a jogar uma carta que poucos se atreveriam a jogar e que ninguém, nem mesmo António Costa, pensavam que fosse possível. Mas foi. Porque existe uma maioria de sinal contrário à forma como o Governo agiu ao longo destes quatro anos e à estratégia que está a ser implementada em Portugal por essa plataforma de poder europeia que alia os interesses financeiros aos políticos e que possui um plano estratégico para controlar a Europa e afirmar-se no mundo com voz própria. Mais adiante voltarei ao jogo que se está a jogar na cena internacional e que teve na Grécia o seu primeiro choque entre os Estados Unidos e esse novo poder europeu.

9. No rescaldo das eleições, surge agora António Costa, nascido da oportunidade que lhe oferecem os dois partidos da oposição à linha de governo seguida até hoje. Rápido, sagaz, hábil e movido pelo instinto de sobrevivência, ultrapassa Passos Coelho e Portas pela esquerda e Cavaco pela direita (sem conotação ideológica, neste caso). Aos primeiros deixa-os colados ao chão e ao segundo enerva-o tanto que o faz dizer uma série de "calinadas históricas" que acabam com as poucas hipóteses que Passos Coelho e Paulo Portas tinham de manter o poder. Ironia do destino. A História é cruel e, como no futebol, pode-se sempre perder...A responsabilidade é porém dos que não souberam reagir a tempo, não souberam despir-se de uma soberbia primária e que desprezaram a ousadia e segurança da dupla Catarina Martins e Joana Mortágua e se esqueceram do ódio histórico que os comunistas têm à "direita". Chamemos-lhe oportunismo. Aparentemente talvez o seja mas eu creio que é mais do que simples oportunismo. É uma conjugação de fatores de convergência que se souberam articular face à oportunidade que nasceu da aritmética do voto popular.

10. Antes de terminar. Voltemos à cena internacional por uns instantes. E aqui há vários dados a ter em conta. Apenas para alimentar a reflexão.
  • Em primeiro lugar, o caso Volkswagen. No meu entender, o caso Volkswagen é a resposta americana ao desafio que a plataforma de poder europeia lhe fez ao dobrar a Grécia para além daquilo que os americanos queriam. Pela boca do FMI disseram que a dívida grega devia ser re-estruturada, sob pena da Grécia implodir e com isso estar perdida para os americanos uma das bases geo-estratégicas mais importantes no âmbito da sua estratégia de defesa e segurança. Esse desafio foi longe demais e o caso Volkswagen tem como objetivo enfraquecer, senão anular, o poder desta nova Alemanha que não hesita um segundo em tomar as rédeas de uma nova Europa, ao serviço de uma ideologia que pretende devolver à Alemanha o lugar que pensam que deve ter no âmbito europeu e, através dessa Europa subjugada, no mundo. Longe demais. As sirenas apitaram em Washington que também não hesita em esmagar tudo e todos que ponham em causa a defesa e segurança dos seus interesses estratégicos. Alguém duvida que por trás da revelação do escândalo da Volkswagen estão os americanos? E que se a Alemanha não levar a sério esta primeira ameaça, outras virão que porão de patas para o ar o sistema económico alemão? Eu não duvido.
  • Em segundo lugar, a família socialista, em coma desde a queda do muro, sem programa e sem ideologia que possa ser contraposta à do mercado, tem agora uma oportunidade de ouro para ressurgir e afirmar-se. Porquê? Porque uma nova ameaça surge na Europa: a da xenofobia e do desrespeito pelos direitos humanos. Que hoje é candidata séria a ocupar o poder em vários Estados Membros: França, Hungria, Austria, Polónia, Croácia...é possível, hoje, à família socialista voltar a fazer estandarte de uma série de princípios que foram aqueles sobre os quais se construiu, a seguir à Guerra, a Europa e que nos asseguraram uma prosperidade nuca antes vista. Existe uma alternativa à Europa financeira e esta é uma ocasião de ouro para que os socialistas e sociais-democratas e sociais-liberais construam um modelo de construção europeia que sem copiar o passado não deixe de assentar nesses valores que são a democracia, o respeito pela liberdade (expressão, reunião, credo, afiliação, religião, etc) a solidariedade e coesão entre Estados, o apoio aos mais desfavorecidos, o respeito pelo ambiente.
  • Em terceiro lugar, o próprio Papa (que não a Igreja institucional) condenou abertamente o capitalismo desenfreado dos Estados e o abandono de políticas sociais que visam repor o equilibrio entre os que mais têm e os que nada têm. Abrem-se, assim as portas, para que nasça uma nova opção política que pode ser aproveitada pela esquerda não radical europeia para ressurgir depois de várias décadas de silêncio e inércia.
11. É neste cenário que Portugal, um pequeno país que nada conta para determinar os destinos do Continente europeu, tem agora a possibilidade, personificada em António Costa, de fazer com que a esquerda ganhe de novo o "centro político" e ofereça um modelo de desenvolvimento que vá muito para além do que aqui se joga de imediato. Porque os desafios existem e a oportunidade política para o fazer, também. Tudo depende de António Costa e do que pensa fazer e como o irá fazer. Dir-me-ão que está ocupado demais com os pormenores da governabilidade da aldeia. Certo. É possível. Não sei. Apenas sei que qualquer que seja o desfecho, neste momento quem poderá ter a iniciativa política é António Costa. E pode exercê-la de duas maneiras: ou tendo em conta o cenário internacional e os desafios e oportunidades que ele coloca a todos nós ou ignorá-lo e jogar xadrez em casa com os seus. We'll see... como dizia o meu Primeiro Ministro Sergey Stanishev, do alto da sua filosofia búlgara. We'll see.

Um bom domingo para todos!

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