Carlos Costa Neves*
Maria do Carmo Marques Pinto**
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A União que construímos é já hoje
uma união política. Imperfeita, incompleta, por vezes perversa, mas ainda assim
uma união política.
O percurso trilhado após a queda
do Muro de Berlim, na base dos compromissos então possíveis, explica as atuais
insuficiências. Em Maastricht foi decidido evoluir de “comunidade económica”
para “união política”, assente em diversos pilares que, mais tarde, se
revelaram desequilibrados na dimensão e na robustez. Distinguimos o mercado
único incompleto, a moeda desprovida de mecanismos de defesa, a união económica
insipiente, a política externa sem ambição e o caráter difuso do sistema de
governação. A crise económico-financeira de 2008 potenciou todas as
fragilidades e imperfeições da União. 
Desde então, temos andado em
busca do tempo perdido. É certo que a vertente económica foi robustecida com a
assinatura do Tratado Intergovernamental. No entanto, quanto ao pilar
monetário, do importante fez-se o urgente, como tornará a acontecer quando, em
socorro do sistema financeiro, avançarmos na criação da união bancária. Quanto
ao sistema de governação definido pelo Tratado de Lisboa, constata-se que,
sendo difuso, propicia a sobreposição de interesses particulares ao comum.
A imperfeição desta União
reflete-se ainda na sua reconhecida incapacidade para se apresentar, na cena
internacional, a uma só voz, como exige a natureza dos desafios decorrentes da
globalização, do alimentar ao energético, do financeiro ao demográfico, sem
esquecer o ambiental, o que limita a defesa dos interesses que representa, o
aproveitamento das oportunidades que se oferecem, a proteção dos princípios e
valores que professa. 
Esta união politica não peca, no
entanto, apenas por defeito ou omissão. A “insustentável leveza” que a
caracteriza tem consequências que podemos qualificar como perversas. Senão
vejamos! Sustentamos uma PAC que apoia os produtores com base no “histórico” da
produção de cada um dos Estados Membros, o que põe em causa as mais elementares
regras da concorrência. As contas de “deve e haver” não contabilizam a
intangibilidade dos ganhos de que beneficiaram as economias do centro da Europa
na sequência do alargamento, o que acentua a “divergência” entre estas e as
demais economias da União. A palavra de ordem das instituições europeias face à
crise financeira de 2008 foi “reforcem o investimento público”, sem considerar
a situação económico-financeira particular de cada Estado Membro. Esta
surpreendente e inédita terapia europeia equivaleu, para países como Portugal,
a deitar gasolina na fogueira. Persiste a coexistência de acordos comerciais,
entre a União e Estados terceiros, com acordos bilaterais que outorgam
condições mais favoráveis a Estados Membros. Pela falta de mecanismos de
garantia solidária da dívida, o Euro funciona como “moeda estrangeira” para certos
Estados Membros, entre os quais Portugal, já que o custo do acesso ao crédito é
assimétrico, logo gerador de desigualdades penalizadoras, incompatíveis com a
noção de mercado único. E os exemplos não terminariam! 
Qual deve ser a resposta? Uma
imagem vale por mil palavras! O processo de construção europeia é como um avião
de grande envergadura que, embalado na pista de descolagem, ultrapassou o
“ponto de não retorno”, o momento crucial a partir do qual já não há volta
atrás! A União, face aos desafios impostos pela crise e pela globalização, só
tem como alternativa à sua “insustentável leveza”, reunir a vontade politica
necessária para dar um salto qualitativo na construção de uma verdadeira união
politica. 
Por outras palavras, neste “ponto
de não retorno” em que se encontra o processo de integração europeia, o único
passo sério, sensato e realista é “refundar” a União Europeia, lançando uma
união política assente numa nova legitimidade democrática, na qual as politicas
definidas sejam efetivamente geridas no plano europeu e dotada dos recursos
próprios necessários ao cumprimento das suas atribuições.
O que há uns anos atrás era pura
ficção, hoje é necessidade inadiável. A construção europeia, falaciosamente
qualificada de económica, deve assumir-se, sem complexos, como uma construção
eminentemente politica, como no início aconteceu, o que deu origem ao processo
de integração mais original, complexo e próspero da História da Humanidade.
Ainda que as circunstâncias não sejam as de 1951, os desafios que hoje
enfrentamos determinam uma união ambiciosa, coerente, eficaz e assumidamente
política. A bem dos cidadãos europeus e dos do resto do mundo.

 
 
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