Há dias em que a vida acorda entroviscada. Passeia-se, sombria, pela casa e sente a melancolia na pele, no café que arrefece, de olhos distraídos e pensamentos distantes, embaciados, o vazio que escorre, gota a gota, em monosílabos, sem saber ao certo porquê, é apenas isso, um sabor sem côr, devagarinho, instala-se, cansado, entre as ideias desiludidas, em pedaços, desarrumados de ainda ontem, quando eram feéricos, demais, hoje só sei que o dia avança de luz apagada ao encontro da vida que continua, é preciso, vou, já vou, atrás da voz, sem pensar, vou e acabo por ir, pela estrada fora, carregada de tudo acumulado e de nós formados pela voz adiada, empurrada pela névoa da manhã, apertam, olho para o lado, que sem sentido, deixo-me ir no sem saber porquê, chegam mais nós, a saudade, não bastava já o que a noite deixara à porta, e tudo parece que chega por fim, numa enxurrada, uma doçura que nos toca, um raio de sol ao dobrar da esquina, e cedo, empurrada por mim própria para fora de mim, varro-me, que atropelo, não ligues, não vale a pena, é assim mesmo, acontece, chora-se e que alívio, o porquê não sei.
Mas sei que as manhãs não estão condenadas a entardecer nessa escuridão com que amanhecem na alma e que o dia, uma vez desanuviado, vai desabrochando aos poucos em tudo o que nos rodeia de côr, aqui e ali, uma palavra, acolá um gesto, mais além um sorriso, devagarinho, abre a janela, deixa entrar o sol, apanho o cheiro a eucalipto, esquece, esqueço, arrumo, dou rumo, enfio-me nas palavras e dou uma gargalhada no lugar certo, acerto, faz sentido não dar peso ao passado, passado está, não é assim, desanuviar, respirar fundo, acertar o passo, olhar em frente, eu sei, ter fé, saber esperar, a rosa no momento certo, naquela jarra, era hoje e não ontem e assim já dou um amanhã à vida, que o amanhecer veste-se de luz e esperança para mais tarde, só lá mais para a tardinha, esmorecer nessa suavidade que abranda, adoça, silencia e pesa nas pálpebras, lentamente, deixa-se ir, em paz, como tem que ser, serenamente, o sono, a distância, escurece, deixa de haver luz, faz sentido, só assim o dia faz sentido.
 
 
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