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sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Conversas ao por do sol

- "Não me sinto infeliz, apenas triste."
- "Vai dar ao mesmo..."
- "Não..."
- "Estás triste, não pareces feliz, logo estás infeliz..."
Sorriu, com um olhar melancólico. Não lhe apetecia falar nem dar explicações. A juventude era tão categórica. Há uns anos atrás também combatera com vigor todos os indícios de tristeza que se infiltrassem na sua paisagem interior e se propagassem à sua imagem externa...
Apesar de tudo, comentou:
- "À medida que o tempo passa vamos aprendendo a domar essa fera..."
- "Qual fera?"
- "A felicidade. É uma fera. Tem-nos a todos aterrorizados. Até a uma determinada altura na vida...não sei bem quando...depois, tudo muda..."
Parou.
-"Olha."
-"O quê?"
- "À tua frente. Olha."
- "Sim. Olho para o quê?"
- "Para o pôr do sol. Não te diz nada?"
- "Está bonito, sim, mas...vês, quando olhas para o pôr-do-sol, ficas mais triste ainda...não gosto de te ver assim...é como quando ouves músicas do teu tempo...ficas triste e às vezes até choras...és masoquista. Não percebo porque é que procuras coisas que te fazem infeliz..."
- "Voltamos ao mesmo. A tristeza não é sinónimo de infelicidade. Mas já vi que não percebes..."
- "Não tem nada que explicar. Eu, se choro, é porque me sinto infeliz...ninguém chora porque se sente feliz..."
- "Pois...é precisamente essa contradição que se desfaz com a idade. Há coisas grandes que se vivem que nos fazem ficar tristes mas que não significam necessariamente que nos façam sentir infelizes. A tristeza é uma forma muito particular de viver a alma. É talvez a única forma de chegarmos verdadeiramente ao fundo da alma. Os tons ficam mais esbatidos, menos agressivos, há menos barulho, menos interferências...podes concentrar-te e chegar ao fundo de ti...as lágrimas são um mero reflexo mecânico de uma grande emoção...sinal de que encontraste algo verdadeiramente importante. Tão importante, tão sensível que choras. Mas acredito que não sejam as mesmas lágrimas que tu conheces..."
-"Estás a chorar? Deixa ver..."
- "Não. Agora estou a conversar contigo. Não é assim tão fácil virem-me as lágrimas aos olhos. Há uma enorme diferença entre ser piegas e deixar-se emocionar por determinadas coisas "grandes". São lágrimas diferentes..."
Só a tristeza é capaz de proporcionar vivências extraordinárias...sem tempo nem distância...mas isso não lhe disse. Explicar-lhe que havia dias em que gostava de sentir-se triste, era interferir na sua forma de sentir. Não tinha esse direito. Há idades para tudo. E lágrimas diferentes para todas elas. As dela, agora, já eram doces.

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