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sexta-feira, 15 de outubro de 2021

 A sabedoria que há em ser ateu

Deus não existe. Apenas na mente de uns quantos, muitos, é possível, que precisam dele para não se sentirem tão sós e tão perdidos na escura e fria imensidão deste nosso Universo. E implacável, porque um tufão, um terramoto, um incêndio não têm a mais remota clemência por nós, que irónicamente veneramos um Deus que é, alegadamente, a fonte e o autor da bondade e da misericórdia e que é nosso pai e nos estima com loucura. Mais vale que a nossa inteligência se dedique a cultivar a solidariedade e a fraternidade entre todos, como forma de colo do qual nos podemos socorrer ante este sentimento de orfandade e de pequenez tão avassaladores.
Eu não consigo sentir conforto apelando a uma espécie de ser não humano que não conheço, não sei quem é, nunca vi e que só irei, supostamente, ver quando deixar de existir. Não me sinto nem mais nem menos só ou perdida por viver neste desconforto de não saber dar resposta às grandes incógnitas que nos rodeiam e que nos são tão familiares. Quem te deu origem, matéria ínfima que compões estes meus dedos que percorrem o teclado atrás das letras do alfabeto que sustenta esta reflexão escrita? Não sei. Desconheço. É certamente a mesma sensação que tinha o meu primeiro antepassado ante realidades que hoje nos são banais e que então eram incógnitas que punham em xeque a sua segurança.
A religião, infelizmente ou felizmente, não me interessa. Não me satisfaz a curiosidade, não me salva das ansiedades, não me soluciona as minhas contradições, não me adoça a morte crua e nua que nos faz desaparecer do mapa, da face da terra e da memória dos vivos, um dia, mais tarde ou mais cedo. É um empecilho, a religião, distrai-me, afasta-me do caminho, é essa poeira que traz o vento suão e que cobre tudo com um fino véu que entope, entorpece e esconde. A verdade. Esconde a verdade. Mascara-a, à verdade. Como uma venda que tapa o olhar e nos faz perder o norte, a religião impede-nos de ir atrás desse impulso tão humano de descobrir, de desvelar, destapar e ver...Os dogmas que a religião nos impõe são esses inquisidores que nos vigiavam e nos sancionavam quando, nessa eterna procura pela descoberta da verdade, encontrávamos as razões que explicavam o que aparentemente era obra desse ser que nele concentrava as causas primeiras e últimas de tudo o que nos rodeava.
Prefiro sentir-me só a sentir-me enganada. Ir pelo caminho certo sem saber onde vai dar, a tomar o caminho errado com a promessa de uma vida eterna que não existe...Prefiro vestir a solidão das dúvidas e das angústias com a solidariedade do que com a piedosa mentira. Prefiro o abraço humano à oração de contrição, a responsabilidade à culpa, a. solidariedade querida à comunhão obrigada. Partilho por um sentimento de fraternidade pelo próximo sem necessidade de trazer à colação um pai divino cuja paternidade irrefutável me obriga a sentir-me irmão de todos. É à minha consciência educada e delicada que devo a abertura ao próximo, às coisas e a todos os seres que compõem o Universo.
E são todos eles e tudo isso que enche a minha solidão de sentido. Neles procuro todos esses conceitos, realidades e circunstâncias que um dia pertenceram à religião na qual militava: a Paz, a Beleza, a Harmonia, a Solidariedade, a Fraternidade, a Bondade, o Respeito...Tudo e todos à minha volta me ensinam, cada dia, em cada circunstância, aquilo que preciso para não me sentir só, para não me sentir perdida nem órfã. Sou filha de tudo o que me rodeia, irmã de todos com quem partilho a minha existência. É possível que o Universo não me forneça todas as respostas às questões que tenho. De pequena, de tanto perguntar, a minha mãe ofereceu-me um livro chamado "Porquê". Continuo, hoje, com algumas das dúvidas de então e acrescentei-lhes outras quantas que na altura não me atormentavam. O Universo tem mais dúvidas do que respostas. Aceitar que morreremos sem as desvendarmos é a sabedoria que há em ser ateu. Tem sido este o meu caminho. Percorro-o porque me faz sentido. Porque me torna mais capaz. E também mais feliz.

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