Viver para ser livre.
Eu lamento, mas não creio nesse senhor Deus todo poderoso, criador do céu e da terra e de todas as coisas visíveis e invisíveis nem no seu filho que desceu do céu e se fez homem e que ressuscitou para provar que uma segunda vida existe, melhor do que a primeira, porque será eterna e gloriosa...e até podia acreditar porque fazendo-o até se tornava mais fácil aceitar que o que sofremos, enquanto humanos, possui uma explicação que dá sentido ao sofrimento, por muito duro, estúpido e inexplicável que seja.
Infelizmente, tudo é bem mais cruel, duro e simples do que essas explicações que nos prometem uma vida gloriosa, luminosa, eterna, angelical e harmoniosa, depois de termos passado um verdadeiro calvário, e, nalgumas ocasiões, bem poucas, por acaso, alguma felicidade, cá nesta terra onde surgimos de umas células de uns e nos apagamos para alimentarmos o pó celestial, esse sim, eterno e imortal.
Distrai-nos da essência desta nossa existência pensar que o amor desse Deus justifica tudo, explica tudo, penetra em tudo, está em tudo, mete-se em tudo e tudo ilumina e cobre. Arrumamos o pensamento nessas histórias de fadas que não existem e abdicamos de pensar em como podemos ser, efetivamente, mais felizes enquanto existimos. 
Eu não sei amar como Deus me amou porque não faço a mais mínima ideia de como este me amou ou me ama. Não sinto em lado nenhum, em dia nenhum, em ocasião nenhuma esse tal dito amor, não o vejo em lado nenhum, em ninguém, não existe...lamento. Era fantástico que tudo acontecesse como nos explicam os que explicam a existência e as consequência desse amor divino, celestial e complexo do Deus criador de tudo. Li e leio essa palavra de Deus que ficou escrita por 4 envangelistas e a verdade é que tenho muita dificuldade em comprovar, na vida que tenho vivido, algumas das coisas que por lá se escreve. É certo que fala no amor como sendo a energia que tudo explica, tudo justifica, tudo ampara. Eu acredito que esse amor, essa forma de amar, de ser amado é um objetivo de todo o ser humano. Mas que isso seja divino ou que prove a existência de um divino qualquer, lamento mas não acredito nem aceito como explicação do mundo em que vivemos.
É por isso que urge tanto fazer tudo aquilo que dá sentido à nossa vida. Amar as pessoas que nos enchem de felicidade e gerar momentos que nos trazem paz, nos enchem de alegria, nos fazem sonhar, acreditar, perceber, perdoar. Não preciso que exista um Deus por trás da cortina de onde saio para o cenário representar a minha peça e para onde volto quando acaba a minha vez. Não há lá Deus nenhum que me criou, não há Deus nenhum que me serviu de ponto nas aflições nem Deus nenhum que me abriu os braços e me acolheu no final da minha peça. 
O teatro, o cenário, os bastidores, a peça, o ponto, os atores, o público somos seres humanos que nascemos e morremos e isso é tudo, isso é a nossa vida.
Que pode ser brilhante ainda que acabe no momento em que deixe de respirar, o coração parar e a consciência se perder. Que não é menos intensa, nem reta, nem honesta, nem profunda, nem cheia e plena pelo facto de não se fundamentar no credo cristão, católico, budista ou muçulmano ou de qualquer outra religião na qual nos refugiamos para não aceitar que a vida e aquilo que nos acontece e construimos no tempo em que o nosso corpo aguenta estar vivo. 
Eu rezo, sim mas não a Deus senão à minha consciência, à minha fonte de amor, ternura, compreensão, respeito, paciência que me deram os meus pais e que alimentei com tudo o que aprendi dos Homens e que me foi dado pelo seu amor e pelo amor que geraram em mim. Rezo para seguir o exemplo de outros que são melhores do que eu e peço para que a minha razão, o meu coração se inspirem nas suas vidas doutas e sábias. 
É tão diferente a vida sem a sombra desse Deus a quem devemos obediência cega e do qual não podemos renegar. É tão mais inteligente fazer as coisas não porque assim mandam os preceitos mas porque é assim que se deve agir por respeito e amor ao próximo. Um amor que Jesus Cristo, o Homem pregou e praticou, segundo dizem as escrituras, claro. Como Homem e Cidadão foi exemplar. Como muitos outros e outras cujas vidas são verdadeiras orientações ara se ser feliz enquanto aqui estamos. E ponto. Sofremos, enquanto aqui estamos porque o corpo é um ser vivo e portanto perecível. Sofremos sim, porque nem sempre amamos o próximo como gostávamos de ser amados. Sofremos, sim, porque...sabemos tão bem porquê. 
Deus, o tal Deus das escrituras inspira e guia e serve de exemplo para algumas coisas. Como o servem Confúcio, Heidegger, Goethe, Fernando Pessoa, Beethoven ou Herberto Helder. E tantos outros. 
Faz-me feliz libertar-me da ideia de que o que aqui se passa não é o verdadeiramente importante mas sim o que vem depois. Lamento mas não é verdade. O que aqui se passa, os 60, 70, 80 ou 90anos que estamos por aqui são os únicos que temos para sermos felizes e fazer felizes, na medida do possível, os outros. Para cuidar o nosso planeta e descobrir outros mundos. Construir uma sociedade mais justa, mais à semelhança das pessoas boas que nos inspiram e não nas que degradam o sentido da vida. 
Não creio em um só Deus, pai todo poderoso, criado do Céu e da terra...respeito quem crê mas isso será tudo. Respeito outras formas de pensar e justificar divinamente a vida. Mas nada mais. Não creio em divindade alguma. Não sei se creio em algo ou alguém. Crer é uma palavra menor, que diminui a dimensão humana, a limita, a coloca em segundo lugar. Creio naquilo que vejo e possui uma explicação plausivel e comprovável. E sou, por isso, mais livre. E ser livre é um dos sentidos que quero dar à minha vida. E lamento mas um Deus, seja ele qual for, é uma limitação à minha liberdade.
 
 
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