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sábado, 16 de outubro de 2021

 O maior júbilo da existência é pensar.

Continuando na senda da reflexão sobre o pensamento, melhor do que qualquer viagem física, interessa-me saber a razão pela qual não ouso abrir o portão e entrar nessa obscura e assustadora realidade que é a não existência. Quando éramos pequenos, ao lado da nossa casa no Banzão existia uma casa abandonada. Das autênticas, nada lhe faltava. Portas entreabertas, janelas de vidros quebrados, telhados semi destruídos, mantos de teias de aranha que cobriam móveis já sem cor...aventurar-se e transpor a porta daquela paisagem aterradora não era para todos, o medo ao desconhecido, aos monstros que habitavam, naquela altura, nas casas abandonadas das nossas mentes, impediam-nos de cruzar essa fronteira. Não era tanto o perigo de nos acontecer algo físico, era mais o receio de encontrar algo ou alguém que não era deste mundo...
O mesmo acontece com o pensamento que não ousa ir mais além do explicável, do conhecível, do determinável, etiquetável. Se a realidade onde vivemos não existisse - nem galáxias, nem mundos, nem cosmos nem sequer este vazio, apesar de tudo, matemáticamente definível e palpável - é no umbral dessa portal que o meu pensamento se imobiliza e se nega a continuar. Porque não consegue imaginar, não é suficientemente creativo para ousar encontrar um sendeiro, não tem apetrechos para abordar essa paisagem?
Não sei. Quando era pequena, este pensamento, que então já me atravessava o espírito, provocava-me vertigens físicas, tonturas a sério. Este mau-estar físico fez com que, durante muito tempo, evitasse pensar este impensável, pois ninguém gosta de ter tonturas. Hoje, isso já não me acontece, felizmente, e embora ainda exista esse receio de dar largas ao pensamento aventureiro, estou em crer que a questão que me coloco e que me interessa tem mais a ver com a essência e alcance do pensamento do que com a aventura de explorar o que não existe para além das fronteiras da existência. Não é tanto o que é que está para além do meu pensamento senão o pensamento em si, como prova de existência, como essência da minha existência. Essa é que é a verdadeira questão. O que é o pensamento?
Georg Steiner escreveu um brevíssimo livro em que diz que o pensamento é uma tristeza e dá-nos dez razões para isso. Tenho grande admiração e respeito por Steiner, embora tivesse sido um grande snob da erudição e o livrinho é uma delícia para quem pensar é um dos desportos favoritos. Pensar não pode ser uma tristeza, de maneira nenhuma. Pensar é o que melhor define a vida, é o seu lado mais brilhante e luminoso, fonte de um júbilo que se estende até às fronteiras da nossa existência. A partir daqui, até é possível imaginar a criação de agências de viagens que organizam expedições aos confins do pensamento. 🙂
Bom domingo.

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