26 jan 2023
Uma porta que se abre no corredor da vida
A vida é como um enorme corredor - como aquele que existia nas nossas casas antigas - que vamos percorrendo e onde vamos abrindo portas, entrando, vendo, vivendo e que, quando chega a altura, deixamos por outra porta mais adiante, à esquerda, quem sabe, a que dá para um quarto, uma sala ou outro tipo de divisão onde podemos fazer coisas úteis, coisas que podem ser aproveitadas para que a nossa casa vá sendo mais funcional, mais acolhedora, mais alegre, conforme e assim sucessivamente até chegarmos ao final desse mesmo corredor e nos calhe deixar a casa, cumprida a nossa missão, deixá-la em ordem, ou não, conforme o nosso feitio, os nossos objetivos, o que nos é pedido e fomos fazendo, até pode ser que a casa tenha ficado virada de pernas para o ar e, apesar desse mundo virado do avesso, afinal tenhamos ficado felizes com isso, cada um sabe de si.
Por estes dias vou fechar uma porta e abrir a próxima, neste corredor que já vai compridozinho, não me queixo, antes pelo contrário, espero que ainda tenha bastantes metros a percorrrer até à saída. Não sei onde anda a próxima porta, ainda não a vejo, a lâmpada em cima da mesinha no corredor fundiu-se, descuido meu (tantas vezes que vou ao Leroy e acabo sempre por passar ao largo do corredor da iluminação para ir direta ao da pintura que é a minha praia, que pateta) vou tateando com as mãos para não dar um pontapé nos chineses que tenho por aqui, umas figuras de porcelana que adoro, desde pequena e aos quais dava banho na banheira da casa da Rodrigo da Fonseca com a minha mãe, quando ela entendia que já não se lhes podia limpar só o pó e tinham que ir para a sabonária feita de água morna e OMO que os senhores de porcelana eram delicados e tinham barbichas que lhes saiam dos ouvidos, verdadeiras, e podiam estragar-se. Essas duas reliquias da infância divertida e desempoeirada andam por aqui no chão e avanço com jeitinho, nesta fase não apetece nada continuar em frente com o ónus de ter liquidado assim, sem motivo, os chineses da minha vida, não, por isso talvez seja melhor parar um pouco, sentar-me e esperar a alvorada, que venha a luz e se veja com toda a nitidez por onde avançar. Uma pausa nunca fez mal a ninguém, não é assim, afinal de contas a minha intervenção neste último quarto não foi fácil, nada fácil, há que ter presente - somos rápidos a esquecer - a pandemia do coronavirus, esses virus inesperado que entrou a matar e matou, sem piedade, sem avisar, sem dar tempo, milhares de pessoas…isso desgastou muito, pesou muito naquilo que foram os tempos dedicados a viver nesta parte da casa, onde tudo estava por fazer e foi preciso começar, por onde, como, olho em volta e penso, avalio, peso, imagino, avanço, faço, por aqui, por ali, aquela parte, depois a outra, arrumo, tiro, mudo, coloco, arranjo, já está, vai ser por aqui, não estou sozinha, somos muitos, vamos em frente, toca a fazer, há muito para fazer, vamos a isso, arregacem mangas, toca a andar…e foi começar a ver as coisas a acontecerem, os resultados, aquela sala já parecia outra, não achas, dizia, para o colega do lado, ele ou ela também olhava orgulhoso para o conseguido, e é assim, foi assim e assim dou por terminado, saio e fecho a porta. E ponho um ponto final, que a prosa tem muitas vírgulas e as vírgulas cansam o fôlego. Mais umas duas horas e nasce o dia, que será gelado como o destes dias passados, e a luz iluminará o meu futuro, até já.
 
