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domingo, 29 de janeiro de 2023

 Ler

Nas tardes mornas e vagarosas das férias grandes da minha infância, no Banzão, hora da sesta, uma manta de algodão, a janela aberta, a luz filtrada pela cortina branca, imaculada de cambraia, agitada pela brisa suave, silenciosa, contra o almofadão soberbo, fofo, a cheirar a sabão, engomado primorosamente, ao longe os sinos de um rebanho de ovelhas, na encosta sobranceira ao rio das Maçãs, o ladrar de um cão, teimoso, empenhado em fazer ouvir as suas queixas, de vez em quando o som de uma motoreta, pela estrada de areia, no fundo do jardim, nada que me distraísse do namoro que já durava há alguns dias com o delicioso livro da Condessa de Ségur, as Meninas Exemplares, as minhas férias com as bem comportadas Camila e Madalena e a desastrada e infeliz Sofia, no castelo de Fleurville, um mundo feliz, recheado de lanches com pão recém feito barrado de suculentas compotas feitas por umas empregadas felizes e dedicadas, brincadeiras inocentes e pueris, uma ideia muito aproximada ao que era a felicidade. As sestas eram momentos divinos, únicos, esperados e desejados com avidez e devoção, não podia fazer esperar as minhas amigas, as irmãs que nunca tinha tido e com quem sempre tinha sonhado. Aquele livro, azul turqueza, de capa dura da coleção Azul era o passaporte para a minha segunda vida, onde acontecia tudo o que eu desejava, ansiava, mesmo, à distância de umas horas de repouso, finalmente só, sem ninguém a requisitar-me para tarefas que me distraiam do que era verdadeiramente importante. Ler era ter vidas acrescidas à que já tinha, viajar sem sair do mesmo lugar, falar e ouvir pessoas muito mais interessantes do que aquelas com quem normalmente lidava. Eram momentos únicos, sagrados, venerados, vividos com uma intensidade quase religiosa. Bons tempos, tempos felizes, ainda bem que os tive.



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Nas tardes mornas e vagarosas das férias grandes da minha infância, no Banzão, hora da sesta, uma manta de algodão, a janela aberta, a luz filtrada pela cortina branca, imaculada de cambraia, agitada pela brisa suave, silenciosa, contra o almofadão soberbo, fofo, a cheirar a sabão, engomado primorosamente, ao longe os sinos de um rebanho de ovelhas, na encosta sobranceira ao rio das Maçãs, o ladrar de um cão, teimoso, empenhado em fazer ouvir as suas queixas, de vez em quando o som de uma motoreta, pela estrada de areia, no fundo do jardim, nada que me distraísse do namoro que já durava há alguns dias com o delicioso livro da Condessa de Ségur, as Meninas Exemplares, as minhas férias com as bem comportadas Camila e Madalena e a desastrada e infeliz Sofia, no castelo de Fleurville, um mundo feliz, recheado de lanches com pão recém feito barrado de suculentas compotas feitas por umas empregadas felizes e dedicadas, brincadeiras inocentes e pueris, uma ideia muito aproximada ao que era a felicidade. As sestas eram momentos divinos, únicos, esperados e desejados com avidez e devoção, não podia fazer esperar as minhas amigas, as irmãs que nunca tinha tido e com quem sempre tinha sonhado. Aquele livro, azul turqueza, de capa dura da coleção Azul era o passaporte para a minha segunda vida, onde acontecia tudo o que eu desejava, ansiava, mesmo, à distância de umas horas de repouso, finalmente só, sem ninguém a requisitar-me para tarefas que me distraiam do que era verdadeiramente importante. Ler era ter vidas acrescidas à que já tinha, viajar sem sair do mesmo lugar, falar e ouvir pessoas muito mais interessantes do que aquelas com quem normalmente lidava. Eram momentos únicos, sagrados, venerados, vividos com uma intensidade quase religiosa. Bons tempos, tempos felizes, ainda bem que os tive.



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