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quinta-feira, 3 de novembro de 2016

A caminhadora diletante na peregrinação eterna e universal





Há uma diferença abismal entre caminhar em busca de algo e deixar-se ir por um roteiro que se vai desenhando a partir desta disponibilidade para ver, ouvir e sentir o que aquilo que vai aparecendo tem para nos dizer, mostrar, explicar. Sou um estaleiro sem arquiteto nem engenheiro nem planos aprovados pelo meu desejo de ser alguma coisa. Não desejo ser mais do que aquilo que faz de mim uma continuidade de outros ou de outras coisas e por isso avanço com este diletantismo sem rumo para este sentido de mim coletivo, sem fronteira certa ou localização precisa. A probabilidade de ser, na esquina que se anuncia, naquele momento que está para vir, depende da interferência de um som, uma visão, uma brisa, um cheiro perturbante, uma memória que cai como uma pedra num charco e se propaga, ondulante pela paisagem e se escoa, através das frinchas de luz, até ao infinito. Não há ponto de partida nem de chegada pois nunca fui, não sou nem nunca serei senão uma caminhadora diletante na peregrinação eterna e universal.






terça-feira, 27 de setembro de 2016

Serei jasmim em flor

Todas as coisas se transformam.
Não existe nem princípio nem fim.
Se hoje sou pessoa, amanhã, porque não,
vir a ser como aquele belo jasmim?
Deixarei de pensar, de ver, de falar e de escrever
de escolher onde viver ou a forma de amar
Serei doçura perfumada, frescura por colher
abraço de luz delicada, fonte de vida a brilhar.
Não sei de onde venho
nem quem escolhe o que sou
mas sei que nesse desenho
de que nada acaba nem nunca começou
eu possuo o engenho
de pensar-me jasmim em flor.



Quem me dera

Oh quem me dera ser vento
e rodear-te com o abraço
destas melodias em que me invento
e re-invento no teu regaço
Sacudirei a folhagem
do Universo todo em flor
perfumarei a tua imagem
com um beijo de amor
Voarei por essa montanha acima
deslizarei pelos verdes até ao mar
rebentarei nessa onda agressiva
Cantarei até as asas cansar
num sopro, baixinho, de lamento
Meu amor, queria tanto ser vento.

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

A história do triângulo do amor (a cameleira, a laranjeira e o jacarandá)

Na quietude do despertar do dia, quando o tempo e o espaço ainda dormem silenciosos, gosto de sentar-me neste canto do jardim e apreciar o que a Natureza nos tem para ensinar na sua esplendorosa e mágica linguagem da Beleza e da Harmonia, sinais evidentes de que estamos perante mais um milagre, chamado Amor. Não falamos dele na mesma língua e a nossa complexidade faz com que nos afastemos, sinuosamente, da sua simplicidade. E esta pode ser contada assim:
Era uma vez uma cameleira. Nos seus tempos mais brilhantes era bela e viçosa e oferecia ao mundo camélias tão exuberantes quanto doces e delicadas. Era o meu pai que a apreciava especialmente e quando morreu, a minha mãe passou a por uma camélia na sua fotografia, perpetuando assim a memória de um amor, agora desaparecido. Com o tempo, a cameleira, embora continuasse a enfeitar-se de flores, começou a definhar e pela secura do seu tronco descolorido e áspero, parecia querer explicar ao mundo que a sua missão, nesta vida, estava cumprida. Morrera também a minha mãe e que sentido tinha viver, dizia-se ela, se nada podia trazer-lhe de volta os dois seres que mais amor lhe tinham devotado e a quem se tinha entregue sem reservas, através das suas belas e viçosas camélias? A solidão é a forma mais dura do desamor e foi por isso que veio a laranjeira, para fazer companhia à camélia desolada. Há quem diga que a vida das pessoas continua nas árvores e neste caso, a laranjeira veio também em honra e memória da minha mãe. Não que ela gostasse de laranjas ou apreciasse a árvore em si mas para simbolizar a vida, que continua e, que melhor do que uma árvore de frutos para simbolizar a continuidade do amor que a minha mãe também devotara à cameleira, por amor ao meu pai? Passaram-se meses e a cameleira prosseguia a sua vida triste e murcha até que, diretamente da sua raiz começaram a aparecer uns ramitos verdes, curiosos e temerários, desafiando assim a inexorável caminhada da cameleira para a morte. "Tiram força à árvore, é preciso cortá-los", disseram e assim foi. Mas os ramos pareciam teimar na sua razão de ser e a verdade é que se foram impondo ao ritmo com que a laranjeira passava de adolescente a adulta e ía também vingando tornando-se num belo e robusto exemplar da sua espécie. Parecia que existia, entre ambas, uma ligação invisível, estranha à Razão e inexplicável do ponto de vista da Ciência. Nada prova de que o ressurgimento da cameleira tivesse algo a ver com a presença da laranjeira e nada explica que possa existir uma qualquer cumplicidade, ao estilo da humana, entre seres que não possuem inteligência, apenas vida. E a história acabaria aqui com este final singular e estranho caso este diálogo irreal não tivesse sido alargado a uma outra árvore que entretanto veio habitar o jardim. Falo do jacarandá que depois de ter sido incubado a partir de uma semente resgatada no chão de um passeio em Lisboa, sem nome nem apelido, começou a vingar, num vaso, e de tal forma que foi necessário encontrar-lhe um lugar na terra. O jacarandá, filho único habituado a um habitat protegido e rodeado de precauções, estranhou a vida à intempérie de Sintra e foi perdendo a folhagem exuberante e delicada, dia após dia, inexoravelmente, até à medula. Não houve nada a fazer, proteção que evitasse este descalabro acelerado e vertiginoso para uma morte que se anunciava na magreza, secura e debilidade de um tronco nu. Assisti com preocupação e tristeza a este processo de degradação e decadência e, quando estava prestes a perder a esperança, um dia descobri, nesse tronco moribundo, um pequeno broto, uma folhinha mínima e insignificante que, à semelhança do que acontecera tempos antes com a cameleira, tentava inverter o sentido do destino que parecia tão inevitável. Dia após dia, esta prova de vida foi-se tornando cada vez mais robusta e firme e ao fim de uns tempos, o jacarandá voltava a ter um pequeno e delicado ramo de minúsculas folhas, alinhadas em simetria, e depois outro e mais outro e ainda outro como se fossem soldados a sair em defesa do seu rei, o exuberante e majestático jacarandá. Sentada no vértice deste triângulo mágico, percebi, depois de horas e dias de uma vigilância atenta e sem preconceitos, que a relação mágica que ligara o destino da cameleira ao da laranjeira se tinha estendido ao jacarandá e que esse diálogo sem palavras, sem som, sem prova científica alguma, tinha alargado a cumplicidade vital que tempos antes tinha salvo a cameleira, ao jacarandá vindo de fora.
Hoje, as três árvores crescem e estão plenas de vida e de futuro. A cameleira está prestes a voltar a ser uma árvore jovem, cheia de saúde e vigor e este ano os seus botões darão umas maravilhosas camélias rosadas. A laranjeira ergue os seus braços compridos para o céu como se pretendesse colher as estrelas e dançar com os raios de sol. O jacarandá, esse, sacode ao vento, sem medo, os seus ramos delgados e finos, repletos de folhinhas delicadas e ajuizadamente alinhadas e baila, baila sem parar.
Existirá amor neste mundo que nos é tão estranho e desconhecido e do qual apenas conhecemos a Beleza das suas formas, a vivacidade das suas cores e a delicadeza e exuberância dos seus cheiros? Não terá sido pelo amor da laranjeira que a cameleira decidiu que valia a pena continuar a viver? E não terá sido pela generosidade de ambas que o diálogo se estendeu e acolheu o pobre jacarandá, abandonado à hostilidade implacável das intempéries e lhe deu forças para vingar?
Não sei. Mas sei, porque sinto, nestas horas e momentos que pertencem apenas à Natureza, aqui sentada, no vértice deste triângulo, que delas emanam uma harmonia e uma paz que se expressam na beleza das suas formas, no seu vigor da sua vida e na alegria das suas cores. Elas não têm outra forma de se expressar, não falam a nossa língua e não possuem uma central de comando inteligente que comunique com a nossa. Mas, porque razão seríamos nós, os Seres Humanos, os únicos donos e senhores dessa força misteriosa e encantadora que move montanhas e cura doenças, que adoça a alma e pacifica o coração, dá força para vingar e razão de ser para viver eternamente, chamada Amor? Existe alguma razão plausível que nos atribua, em exclusividade, essa enorme generosidade de dar a vida pelo outro, que é amar? Não sei nem preciso de saber. Apenas imaginar que assim é, contando esta história.



quarta-feira, 7 de setembro de 2016

O triângulo do amor


Na quietude do despertar do dia, quando o tempo e o espaço ainda dormem silenciosos, gosto de sentar-me neste canto do jardim e apreciar o que a Natureza nos tem para ensinar na sua esplendorosa e mágica linguagem da Beleza e da Harmonia, sinais evidentes de que estamos perante mais um milagre, chamado Amor. Não falamos dele na mesma língua e a nossa complexidade faz com que nos afastemos, sinuosamente, da sua simplicidade. E esta pode ser contada assim:
Era uma vez uma cameleira. Nos seus tempos mais brilhantes era bela e viçosa e oferecia ao mundo camélias tão exuberantes quanto doces e delicadas. Era o meu pai que a apreciava especialmente e quando morreu, a minha mãe passou a por uma camélia na sua fotografia, perpetuando assim a memória de um amor, agora desaparecido. Com o tempo, a cameleira, embora continuasse a enfeitar-se de flores, começou a definhar e pela secura do seu tronco descolorido e áspero, parecia querer explicar ao mundo que a sua missão, nesta vida, estava cumprida. Morrera também a minha mãe e que sentido tinha viver, dizia-se ela, se nada podia trazer-lhe de volta os dois seres que mais amor lhe tinham devotado e a quem se tinha entregue sem reservas, através das suas belas e viçosas camélias? A solidão é a forma mais dura do desamor e foi por isso que veio a laranjeira, para fazer companhia à camélia desolada. Há quem diga que a vida das pessoas continua nas árvores e neste caso, a laranjeira veio também em honra e memória da minha mãe. Não que ela gostasse de laranjas ou apreciasse a árvore em si mas para simbolizar a vida, que continua e, que melhor do que uma árvore de frutos para simbolizar continuidade do amor que a minha mãe também devotara à cameleira, por amor ao meu pai? Passaram-se meses e a cameleira prosseguia a sua vida triste e murcha até que, diretamente da sua raiz começaram a aparecer uns ramitos verdes, curiosos e temerários, desafiando assim a inexorável caminhada da cameleira para a morte. "Tiram força à árvore, é preciso cortá-los", disseram e assim foi. Mas os ramos pareciam teimar na sua razão de ser e a verdade é que se foram impondo ao ritmo com que a laranjeira passava de adolescente a adulta e ía também vingando tornando-se num belo e robusto exemplar da sua espécie. Parecia que existia, entre ambas, uma ligação invisível, estranha à Razão e inexplicável do ponto de vista da Ciência. Nada prova de que o ressurgimento da cameleira tivesse algo a ver com a presença da laranjeira e nada explica que possa existir uma qualquer cumplicidade, ao estilo da humana, entre seres que não possuem inteligência, apenas vida. E a história acabaria aqui com este final singular e estranho caso este diálogo irreal não tivesse sido alargado a uma outra árvore que entretanto veio habitar o jardim. Falo do jacarandá que depois de ter sido incubado a partir de uma semente resgatada no chão de um passeio em Lisboa, sem nome nem apelido, começou a vingar, num vaso, e de tal forma, que foi necessário encontrar-lhe um lugar na terra e foi assim que este se introduziu neste diálogo existencial pre-estabelecido, a relação da laranjeira com a cameleira. O jacarandá, filho único habituado a um habitat protegido e rodeado de precauções, estranhou a vida à intempérie de Sintra e foi perdendo a folhagem exuberante e delicada, dia após dia, inexoravelmente até à medula. Não houve nada a fazer, proteção que evitasse este descalabro acelerado e vertiginoso para uma morte que se anunciava na magreza, secura e debilidade de um tronco nu. Assisti com preocupação e tristeza a este processo de degradação e decadência e, quando estava prestes a perder a esperança, um dia descobri, nesse tronco moribundo um pequeno broto, uma folhinha mínima e insignificante que, à semelhança do que acontecera tempos antes com a cameleira, tentava inverter o sentido do destino que parecia tão inevitável. Dia após dia, esta prova de vida foi-se tornando cada vez mais robusta e firme e ao fim de uns tempos, o jacarandá voltava a ter um pequeno ramo de minúsculas folhas, alinhadas em simetria, e depois outro e mais outro e ainda outro como se fossem soldados a sair em defesa do seu rei, o exuberante e majestático jacarandá. Sentada no vértice deste triângulo mágico, percebi, depois de horas e dias de uma vigilância atenta e sem preconceitos, que a relação mágica que ligara o destino da cameleira ao da laranjeira se tinha estendido ao jacarandá e que esse diálogo sem palavras, sem som, sem prova científica alguma tinha adotado o jacarandá, vetado a uma morte inevitável e irresistível e com isso alargado a cumplicidade vital que tempos antes tinha salvo a cameleira, ao jacarandá vindo de fora?
Hoje, as três árvores crescem e estão plenas de vida e de futuro. A cameleira está prestes a voltar a ser uma árvore jovem, cheia de saúde e vigor e este ano os seus botões darão umas maravilhosas camélias rosadas. A laranjeira ergue os seus braços compridos para o céu como se pretendesse colher as estrelas e dançar com os raios de sol. O jacarandá, esse, sacode ao vento, sem medo, os seus ramos delgados e finos, repletos de folhinhas delicadas e ajuizadamente alinhadas e baila, baila sem parar.
Existirá amor neste mundo que nos é tão estranho e desconhecido e do qual apenas conhecemos a beleza das suas formas, a vivacidade das suas cores e a delicadeza e exuberância dos seus cheiros? Não terá sido pelo amor da laranjeira que a cameleira decidiu que valia a pena continuar a viver? E não terá sido pela generosidade de ambas que o diálogo se estendeu e acolheu o pobre jacarandá, abandonado à hostilidade implacável das intempéries e lhe deu forças para vingar?
Não sei. Mas sei, porque sinto, nestas horas e momentos que pertencem apenas à Natureza, aqui sentada, no vértice deste triângulo, que delas emanam uma harmonia e uma paz que se expressam na beleza das suas formas, no seu vigor da sua vida e na alegria das suas cores. Elas não têm outra forma de se expressar, não falam a nossa língua e não possuem uma central de comando inteligente que comunique com a nossa. Mas, porque razão seríamos nós, os Seres Humanos, os únicos donos e senhores dessa força misteriosa e encantadora que move montanhas e cura doenças, que adoça a alma e pacifica o coração, dá força para vingar e razão de ser para viver eternamente, chamada Amor? Existe alguma razão plausível que nos atribua, em exclusividade, essa enorme generosidade de dar a vida pelo outro, que é amar? Não sei nem preciso de saber. Apenas imaginar que assim é, contando esta história.

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

O DEVER "INCLINÁVEL" DO AMIGO BASILIO (nas suas próprias palavras)

Por favor ajudem-me a procurar na colorida página web da Câmara Municipal de Sintra o documento eletrónico que disponibiliza informação à Cidadania sobre a compra, pela Câmara Municipal, da casa apalaçada "Mont Fleuri". Sabemos da notícia pela imprensa mas, curiosamente, nada se diz nesta suculenta página web camarária.
Ora, e aqui é que está o "busílis" (infelizmente, não o "basilis" da questão:
Diz o amigo Basílio num "statement" elevado de princípios e firme de propósitos, publicado com foto pessoal nessa mesma página web, a propósito de uma questão tão grave quanto repelente como a corrupção, que "A democracia é, por essência, avessa ao segredo. Para combater que o poder se torne invisível e arbitrário, é necessário construir a sociedade democrática em que os direitos não se limitem nem se esgotem na escolha dos governantes, mas se alarguem ao controle dos respetivo exercício." Bem dito, sim senhor, pensei cá para mim e os propósitos nobres concretizam-se, mais adiante no discurso militante e comprometido, com o seguinte compromisso:
"A transparência na gestão impõe que os documentos que a suportam sejam divulgados, através de meios electrónicos de acesso público, a fim de incentivar a participação de todos e a audiência dos interessados durante os processos de elaboração e de discussão de matérias de interesse coletivo tais como regulamentos, planos, contratos ou orçamentos. Para tanto devem os cidadãos ser informados atempada e de forma clara dos documentos relevantes para o escrutínio da gestão autárquica e verificação da evolução das metas programáticas aí fixadas."
Nem mais! Foi aí que comecei à procura do dito "documento relevante" sobre a compra da casa "Mont Fleuri" para poder "escrutinar a gestão camarária". É que a dita, pelo que sabemos, foi adquirida pelo valor de 2.800.000,00 €, cem mil Euros menos que o total de impostos que o mesmo amigo Basílio diz (num outro espaço da página web) que nos irá devolver este ano à Cidadania...Será que se não se efetuasse esta compra, o amigo Basílio poderia estar a devolver-nos 5.700.000,00€ em impostos? Eu sei que a pergunta é básica mas estamos aqui numa zona em que é necessário ser-se básico ou não fosse a tão proclamada transparência, um princípio básico e linear, que permita compreender facilmente as escolhas e decisões dos governantes e seja acessível a todos, tendo em conta as dúvidas escabrosas que mancham a gestão pública (é o próprio Basílio que identifica esses cumulo-cirros ameaçadores que pairam sobre as cabeças dos políticos portugueses - que não sobre os suecos) e a risota que suscitam, entre a Cidadania, as explicações trapalhonas e sinuosas que costumam ser dadas a este respeito.
.
Procuro, desde manhãzinha (Sintra ainda dormia e certamente que o amigo Basílio, também, embora não em Sintra) o dito documento explicativo que me demonstre, por A mais B, de uma forma clara, transparente e carregada de sentido e necessidade, a compra do dito chalé para desviar hipotéticos Altos Dignatários dos hotéis (em concorrência desleal com a iniciativa privada, o que deixaria a Dra. Manuela Ferreira Leite de cabelos em pé), albergar uma "incerta an, incerta quando" coleção de porcelanas da china e custear as férias das "troupes" de dirigentes musicais estrangeiros convidados para a Nova Agenda Cultural Sintrense, saída diretamente da cabeça do amigo Basílio.
Não encontro informação nenhuma que me permita ir mais além desta paródia, porque paródia é este jogo de luzes e sombras que o amigo Basílio anda a praticar connosco, humildes e desconcertados Cidadãos sintrenses. Por um lado acende uma luz (às vezes de cor lilás, é certo) por outra empurra-nos para o alçapão que tem montado aí por volta da linha 35 do seu statement sobre a Transparência Democrática, alçapão este que ele próprio classifica de "lassidão", nas suas singelas palavras e volto a citar: "A lassidão e a opacidade são caminhos para a corrupção"...
Neste momento encontro-me no túnel da opacidade por excesso de lassidão do amigo Basílio e devo dizer que não gosto. Não gosto mesmo nada. Anda uma pulga marota a fazer-me cócegas atrás da orelha e a assobiar-me maus pensamentos acerca da pulcritude da gestão camarária do amigo Basílio e também não gosto disso. Consultada, de acordo com aquilo que me é dito e escrito pelo próprio, eu teria tido outras ideias sobre a aplicação destes 2.800.000,00 € do orçamento da Câmara. Por exemplo: Extensão da zona de parquímetros na Vila de Sintra. Construção de passeios nas ruas adjacentes ao Centro histórico. Canalização das águas das chuvas que descem furiosa e descontroladamente pelas ruas e que causam inundações e infiltrações endémicas, nocivas para a saúde da Cidadania (posso mostrar sequelas). Acho que, para já, seria bem mais útil à Cidadania do que a tranquilidade de espírito de saber que a hipotética coleção de porcelanas da China já tem sítio onde morar para a eternidade, por exemplo.
A transparência é um dever "inclinável dos políticos", como o qualificou o próprio amigo Basílio. Se o virem por aí impante e feliz por se ter conhecido, já sabem: obriguem-no a "inclinar-se" e a cumprir o dever de transparência que ele próprio se impôs. Aproveitem e perguntem-lhe, por mim, sobre a compra desta casa. E que se incline a explicar!

segunda-feira, 23 de maio de 2016

A lógica da eternidade

O branco está para as cores
assim como o silêncio está para o ruído
e é por isso que o branco é silencioso
e o ruído colorido.
E se o branco tudo absorve
e no silêncio tudo converge
então no princípio como no fim
tudo é e será,
branco e silencioso,
a cor do infinito
o som da paz
a lógica da eternidade.

domingo, 22 de maio de 2016

A história da linhagem de um Paraíso imparavel!


Era uma vez uma Terra, um Rio e as suas Gentes. No primeiro dia tudo era uma enorme planície gelada, escura, deserta. Ao segundo dia, o sol derreteu o gelo e a fúria da água presa entre as montanhas abriu-lhes uma fenda para poder correr livremente até ao mar. No dia seguinte, a Natureza sossegou e cobriu de urze, rosmaninho, alfazema, zimbro e papoilas as montanhas escarpadas e as encostas doces que serpenteavam alegremente entre os rios. Ao quarto dia, o bater de asas de uma águia real cortou o silêncio e do alto da falésia sobranceira ao rio observou, atenta, como apareciam as primeiras gentes e começaram a surgir as primeiras oliveiras, os sobreiros, as árvores de fruto, variadas, o trigo, o milho, a vinha, o linho, os animais, abelhas, pássaros, ovelhas e cabras, a primeira aldeia e a terra encheu-se de vida. Ao quinto dia, as gentes foram ter com o rio e a terra e ofereceram os seus talentos para trabalhar os seus frutos. O rio e a terra pediram tempo para pensar. Consultaram os seus, sem esquecer ninguém.
Mas a última palavra tinha-a o sol, a quem deviam o início de tudo, do que eram e tinham e foi ao final do dia, junto às suas escarpas imponentes, que o Rio, em nome da Terra e dos Animais assentiu ao pedido das Gentes com a condição de que os tratassem sempre com o mesmo amor com que tratavam os seus filhos. E foi sob a luz doirada dos últimos raios do Sol daquele quinto dia que a terra, o rio e as suas gentes se juraram amor e fidelidade eternos e inscreveram na pedra xistosa um pacto sagrado que deu origem a um Paraíso. Sob o olhar atento e vigilante da Águia Real.
Amanhã, sexto dia, é o dia do "mãos à obra"! O primeiro dia da história de um Paraíso cuja linhagem se perde na noite dos tempos e que vem certificada por esta jura de amor eterno gravada na pedra, entre os três que o criaram: a terra, o rio e as suas gentes. E que, por isto mesmo, é um Paraíso imparavel!








sexta-feira, 13 de maio de 2016

Os fundamentos do Mau-Estar da Humanidade


Mal vai a Humanidade. Nos Estados Unidos está montado um concurso Miss Universo para a corrida ao cargo político mais importante do mundo. No Brasil um derby entre fações de gangsters e na Europa um macro-jogo de Monopólio entre ricos e pobres. Qual é a chave para o denominador comum? Struggle for power. O poder pelo poder. Um sinal de alerta, um prelúdio da decadência, uma manifestação evidente da quebra do contrato social que tem contido o que de mais sórdido existe no Ser Humano. Todos os avanços conseguidos nos últimos dois - três séculos, que não foram lineares, mas que foram avanços na construção de uma Civilização de Valores que protegem e dignificam o Ser Humano, estão agora a ser engolidos pelo lado mais tenebroso existe no mesmo Ser Humano: o seu lado animal: homo hominis lupum, bellum omnium contra omnes. A Civitas, a Res- Publica e o Demos, tudo conceitos que a inteligência humana criou para limitar e gerir em prol do Bem de Todos, esta característica tenebrosa do Ser Humano, estão a ruir, à nossa volta sem que se vislumbre, no horizonte, uma Coligação capaz de lhes reforçar os fundamentos, o sentido e a utilidade. A máxima panglossiana do "Tudo vai pelo melhor, no melhor dos mundos possíveis" era uma sátira não um Manual de Instruções para um Estado de Felicidade ao virar da esquina. Os compromissos que temos vindo a fazer com a Civitas, a Res-Publica e o Demos, por desleixo uns, por convicção, outros, por medo muitos, por comodismo outros tantos, por irresponsabilidade, todos, estão a minar o contrato social de sobrevivência e de progresso para um maior Bem-estar e Felicidade coletivas. Podemos, evidentemente, discutir a premissa. Pessoalmente sou antropológicamente pessimista. Mas estou sempre aberta a quem me dê uma outra visão do Ser Humano. Ou então a discutir como se pode recuperar a solidez do contrato social. Ou ainda como detetar na sociedade os contornos e as tonalidades de uma nova esperança. O ser antropológicamente pessimista é o realismo necessário para precisamente estar em condições de detetar onde há bondade e inteligência para construir um novo caminho de esperança. Desde que não me queiram convencer de que existe algo de bom e positivo nos passatempos que se andam a organizar à nossa volta.

quarta-feira, 11 de maio de 2016

Quero ser

Quero ser 
uma gota de esperança 
num mar revoltado
um momento de esplendor
num céu de breu
uma palavra de amor
numa selva sem bonança
um abraço derramado
pelo Universo de Deus.

terça-feira, 10 de maio de 2016

Serra da Estrela




A nossa Serra da Estrela bordada a luz na escuridão desta noite fria a valer. Há momentos e imagens em que o sentimento de identidade e de pertença a uma só Comunidade de valores e de partilha de um destino comum e fraterno emerge e se afirma com a simplicidade e o esplendor das Certezas. Somos.

segunda-feira, 9 de maio de 2016

Visão platónica


O nosso país é uma linha de produção de Chefes de Repartição e Mangas de alpaca, os segundos acedendo aos lugares dos primeiros quando as botas destes, de tão lambidas por aqueles, apodrecem e chegou a vez deste último de querer que lhe abrilhantem as dele. Quem não tem botas ou não sabe lamber as dos outros...pode sempre sentar-se à beira do rio da sua aldeia e filosofar sobre a sua sorte. A do rio, claro!

domingo, 8 de maio de 2016

O lugar das nossas elites


Se os países fossem um daqueles jogos digitais cujo objetivo é que o bonequinho consiga construir uma casa apesar dos impedimentos que lhe são lançados pelo caminho, as nossas elites mandantes instalar-se-iam sempre aos comandos do jogador que bombardeia o dito cujo com impedimentos. Mentalidades

Na minha República


A República que eu gostava de ter, construir, e estou disposta a financiar para deixar às gerações futuras, assenta (entre outros) na existência de um Ensino Público universal e gratuito que assegure a TODOS, todos, uma determinada educação e um determinado ensino. Esta Escola tem que estar presente em todo o território e o acesso a ela tem que ser garantido em igualdade de circunstâncias. Podemos e devemos discutir que valores, que educação e que ensino. Se deve ser mais descentralizado e dar mais autonomia às Escolas e Comunidades no que diz respeito aos conteúdos. Entre outras muitas questões que derivam deste princípio fundamental, tidas elas sobejamente conhecidas, estudadas e objeto de Relatórios que estão ao nosso alcance.

Todos somos chamados a definir a Escola e o Ensino Públicos. Faz parte do Contrato de Sociedade que subscrevemos como Cidadãos. A Educação sempre foi e cada vez mais é um âmbito estratégico para garantir a coesão e competitividade nacionais, logo, não apenas a nossa sobrevivência, enquanto coletividade, mas também aqueles níveis de bem-estar e progresso que quero para o meu país. Garantir esta "infraestrutura e Rede de conhecimento" está para o século XXI como a Rede de Estradas ou de telecomunicações estava para o século XX. 
Seja qual for o modelo da Escola Pública, ele deve existir e ser acessível a todos os Portugueses, esteja onde estiver, venha de onde vier. Uma função do Estado que não é concessionável ou teremos fracassado enquanto sociedade. Pode e deve haver uma Escola fruto da iniciativa privada que defenda e promova um modelo de educação alternativo? Claro. Mas os recursos públicos, os de todos, não devem financiar diretamente esses modelos. Podem e devem garantir que a iniciativa privada se desenvolva sem obstáculos e valorizá-la enquanto expressão da iniciativa privada. Mas nada mais. Isto, na minha República, claro está. Outros terão outros modelos

sábado, 7 de maio de 2016

O "Eu - marca branca"

O final da Era do "Eu-marca branca" 
O "Eu - marca branca" somos todos. Seres sem rosto, que não interessa quem são, o que são, de onde vêm e para onde vão, apenas na medida em que alimentam a máquina que produz e vende, produz e vende, produz e vende, sem parar, 24 sobre 24 horas. É um ser alienado, sem poder algum, um escravo de uma felicidade prêt-à porter que consome sem freio algum e que algumas vezes vomita, quando é indigesta ou maligna. 
Acontece que esse Ser marca-branca (parecido àquelas algas cinzentas escravizadas pela polva-má do filme da Pequena Sereia) parece que começa a aperceber-se de que é mesmo "marca branca" ao serviço de um sistema e de uma máquina que montou, séculos atrás, como resposta aos males de então. Apercebe-se, finalmente de que a máquina, hoje, se lhe escapou das mãos e de "Eu vitorioso" aquando das revoluções liberais passou a ser o "Eu marca branca", escravo dessa grande invenção que foi o liberalismo. 
Poderei não assistir a essa grande revolução que se avizinha no horizonte e que só não deteta quem não quer, não lhe serve ou pura e simplesmente quem não consegue. A grande revolução virá montada no "Nós" qualquer coisa, um sistema que atravessará a Humanidade de lés a lés e que arrebanhará as pessoas propondo-lhes uma nova fraternidade, uma nova felicidade. Algo que passará pela premissa de que "só sou feliz com o outro, no outro e pelo outro". O que implica o desmontar completamente os alicerces e abrigos individualistas nos quais nos refugiámos sem ser conscientes. Vamos ter que aprender o "a-b-c" dessa nova liturgia que passa por conceitos-chave como a partilha, a comunidade, a co-criação, a colaboração, etc, etc. 
Porque é que isto me veio à cabeça hoje? Já flutua (com mais seriedade do que neste post de um sábado matina) na minha cabeça há alguns anos mas ontem presenciei uma manifestação muito real e sugestiva desse ocaso do Eu-marca branca, quando uma senhora, num evento que tinha como objeto organizar a "partilha de recursos destinada a co-criar riqueza comum" num espirito de comunidade de ação, se levantou e, como uma atriz numa peça de teatro, pos em cena e representou às mil maravilhas o papel desse "Eu-marca branca", egoísta, ego-cêntrico, portador do virus maligno da inveja, da self-comiseração, da amargura, da tristeza, da derrota...Teve um enorme impacto em mim e chocou-me imenso...Mas, para grande surpresa minha, apesar da violência com que irrompeu na reflexão e na partilha, percebi que a maioria das outras pessoas já não se deixou contagiar pela malignidade dessa alma penada, solitária e amarrada a si própria. Há dois anos atrás a mesma teria tido amplo eco e âncoras na audiência. Ontem, já não teve. 
No meu laboratório da realidade mais básica, onde observo, procuro e testo ideias, algo mudou. O que me leva a intuir (tenho pouca paciência para as teses doutorais) que a revolução está ao virar da esquina...Estamos a falar de fenómenos detetados nas profundidades mais profundas da Humanidade. Se algo está a mudar a tantos metros de profundidade, meus amigos, é porque se prepara um tsunami e não um mero tornado de salão. A marca branca tem os dias contados.

quinta-feira, 5 de maio de 2016

Como TODO-O-MUNDO busca certezas e NINGUÉM quer arriscar


A grande maioria dos Portugueses (o Estado, como reflexo do que somos, está obviamente incluído) é acionista de uma EMPRESA DE RATING (que podia chamar-se "DUVIDA, PORTUGAL - em vez de acredita, Portugal) que apenas valoriza um ativo chamado CERTEZAS. Se não há uma CERTEZA, ninguém valoriza, ninguém dá crédito, ninguém aposta, ninguém arrisca, ninguém se mexe. O que eu digo é produto deste meu ano de trabalho no terreno, junto de centenas de pessoas, instituições, empresas, autoridades. Vem-me sempre à cabeça a sátira de Gil Vicente na qual o anjo "TODO O MUNDO" e o seu camarada "NINGUÉM" se vangloriam das suas virtudes, a subtileza do non-sense estando na contradição que nasce devido aos nomes que têm. No Portugal de hoje, TODO-O-MUNDO quer trabalho, riqueza, bem-estar, felicidade, casa, carro, escola, pontes, estradas, subsídios inclusivamente novas oportunidades e novos horizontes dando como certo, certíssimo que para que isso NINGUÉM precisa de dar valor a nada, de apostar em nada, de procurar nada, de sonhar nada, de imaginar nada, de arriscar em NADA. Já estou habituada a que me perguntem (os mais desinibidos) ou deixem pairar no ar (os mais trocistas) "A Dra. tem a certeza disso?"...Eu tenho duas: a de que todos morremos e uma segunda que me é dada pelos anjos: que só saímos deste pântano quando o anjo NINGUÉM buscar CERTEZAS e TODO-O-MUNDO quiser ARRISCAR. Faziam mais pelo país se obrigassem as pessoas a ler Gil Vicente com cabeça do que os milhares de apoios que inventam em todo lado e a todos os níveis para dar certezas às pessoas...Eu cá não sou acionista dessa empresa de rating.

terça-feira, 3 de maio de 2016

O fascinante do "mais além de", do para além de", do "por trás de"..


Não há casualidades na vida. Mentes privilegiadas e brilhantes são as que conseguem identificar as conexões e interações que são relevantes para explicar o que os olhos não vêem, o que a inteligência "quotidiana" não percebe, o que o conhecimento enciclopédico não resenha e o que os inúmeros acessórios, tão inúteis com que nos armamos e defendemos, obstaculizam, de forma irremediável. Esse ver "mais além de" ou "para além de". O mundo é realmente tão diferente quando esses sinais invisíveis se tornam visíveis. Como em tudo, é preciso ousar. E é isso que faz com que nem todos tenham a possibilidade ou a vontade de perceber "what really is going on around us". Algo fascinante!

domingo, 1 de maio de 2016

O azar de nascer folha em branco


Há páginas cuja sina é ficarem para sempre, em branco. Há anos que escrevo e nunca reduzi a escrito, numa folha de papel em branco, relato algum da minha vida e cruzo-me, cada dia, com mil e uma ideias que não se deixam acorrentar nas palavras que as representam e as reivindicam como se o que sinto ou penso pudesse alguma vez pertencer-lhes. Reconheço que alguma vez me senti tentada a fazê-lo, tenho milhares de cadernos novos, lindos, bem apessoados, chiques, uns de pano, outros de couro, outros vestidos de sedas deslumbrantes e com ar de escritor mas nem assim me deixei seduzir, porque à hora da verdade, as minhas ideias não se deixam apanhar, são vadias, diletantes, caprichosas e rebentam como as bolas de sabão assim que sentem que alguém as quer arrumar para sempre, bem dobradas, na gaveta de um papel em branco. Sorrio com condescendência e tento apaziguar a indignação dessas solicitas folhas nuas que esperam o dia de glória de se verem vestidas de palavras doutas e caras, redondas e engalanadas para puderem luzir, ante o mundo, por fim, a sua vaidade.
Sei que essas emproadas folhas em branco, nas minhas costas, me atribuem a responsabilidade de não ter mão no que sinto ou penso e me acham uma inútil incapaz, oiço-lhes o maldizer quando me afasto da minha mesa de trabalho mas nem assim lhes quero mal. A verdade é que as enganei quando as seduzi com a profusão de ideias originais e belas que se iam escrever por si próprias nas suas planícies a perder de vista, sem pausa, com fervor, alma e paixão, em episódios, contos, histórias e quem sabe se não poesia e até hoje...nem uma linha.
Não que não tenha tentado, já, sobretudo à hora do amanhecer, bem cedinho, quando as ideias ainda estão adormecidas e as disponho, certinhas, numa primeira frase de palavras bem pensadas mas nem assim, desta forma sorrateira, as consigo disciplinar. Nasci sem dono, sou vadia e livre e o que penso e sinto não tem forma nem maneira de encontrar palavras com as quais possam selar o compromisso, de se verem escritas, para toda a eternidade, numa simples folha em branco.

Para os meus três filhos


"Ser vossa mãe
é usar uma linha infinita
e sem ter sido ensinada
bordar na vossa vida
o meu amor inventado." 

Meus filhos

Meus filhos, 
gostaria tanto de vos poder dar, 
tudo aquilo que vos faz sonhar
mas tudo o que vos posso oferecer
é que no fundo do meu ser
choro sem dor nem tristeza
a enorme riqueza
de vos amar.

segunda-feira, 25 de abril de 2016

Fazer anos no dia de uma Revolução em andamento


25 de abril de 1974. 7h30 da manhã. Sózinha com a minha mãe em Lisboa. Meu pai e irmãos em Luanda. É hora de ir para a Escola, o autocarro passa dentro de 5 minutos na Rodrigo da Fonseca. Vou-me despedir da minha mãe ao quarto, que dava para a rua. "Está tudo tão silencioso", disse e era verdade, não se ouvia o bulício de uma manhã como todas as outras. Eis senão quando toca o telefone, a minha mãe levanta-se, atende, era a minha avó Mimi a dizer que "parece que há qualquer coisa, a Nica telefonou a dizer que o Rui está fugido...não deixe a Carminho ir à Escola, Micéu." Ficámos assustadas e foi quando a minha mãe subiu as persianas para ver "o que se passava". Assim que abriu à janela foi mandada para dentro por dois soldados que guardavam o prédio da frente. A rua estava deserta e fechámos a janela, óbviamente, e interrogámo-nos em silêncio. Militares? Com espingardas? E começaram a chover telefonemas dos amigos: para enchermos a banheira de água, para saberem se tinhamos comida, velas...a emoção era grande. "Não tenho cigarros", disse a minha mãe, "tenho que sair a comprar" E assim fez. Arranjou-se, pos uma gabardine e saiu. Naquele seu jeito assertivo, convenceu os militares a deixarem-na ir comprar cigarros e foi escoltada por um deles até à Rua Castilho, à "Morte Lenta", a única mercearia aberta no bairro, que estava tomado pelos militares. Ao longo do dia, agarradas à telefonia e ao telefone, lá fomos sabendo aquilo a que todos os Portugueses se viram confrontados naquela manhã fria de 25 de abril: que um Golpe Militar tinha posto um ponto final a um Regime que, para mim, vinha da noite dos tempos e que, poucas semanas antes, parecia de pedra e cal, para durar para sempre. Tinha 13 anos. Era véspera dos meus anos. 25 de abril de 1974. No dia a seguir fiz 14. Quem é que pode esquecer o dia em que, à meia noite de uma Revolução em andamento, fez 14 anos?

sábado, 23 de abril de 2016

Para os meus Amigos Livros, sempre, a rosa mais bela do Universo!



Hoje é o Dia Mundial do Livro. Que na Catalunha, ao coincidir com o Dia de S. Jordi (S. Jorge) dá lugar à troca, pelas ruas das aldeias, vilas e cidades, de um livro por uma rosa encarnada...beautiful! Eu, por cá, faço tenções de ir comprar uma rosa (que o roseiral do Condomínio Pinto ainda não está em flor) para homenagear estes meus velhos livros, velhotes, e outros tantos que tanto venero, pelo que têm contribuído, ao longo dos anos e desta sua silenciosa e constante presença, generosamente, para alimentar o "motor" da minha vida, com a fantasia, o sonho e a esperança, que me dão a militância para ser quem sou e onde estou. Obrigada, Amigos, tentarei encontrar, para vocês, a Rosa mais bela do Universo!

segunda-feira, 18 de abril de 2016

Sintra amada




Escrevo, devagar, devagarinho,
as palavras, uma a uma,
com paciência e carinho
numa folha de papel
em branco.
Paro, levanto o olhar
e deparo-me contigo
do outro lado do vidro
num pranto, a murmurar.
E a alma fustigada
pelas gotas na vidraça
estremece na escrita
em busca de uma palavra
que descreva tal desdita.
Porém, Sintra amada
soubesses tu que o teu pranto
essa tua tristeza
de lagrimas derramada
é para mim a beleza
com que te bordo
apaixonada,
em cada palavra,
na folha de papel em branco.

Escrita

Se a escrita é bordar a alma, com amor maternal no papel, a poesia é para quem o faz com a paixão de um amante. É isto.

Ai, Sintra, Sintra...



Os anjos também têm "after hours" e há quem os sinta a vagabundearem pelo Universo, a estas horas solitárias com cara de quem teve uma noite gloriosa. Parei o carro e tirei à pressa o telemovel do bolso para tentar apanhar um que se me cruzou no caminho, aqui na Curva do Duche e captei-o nestes dois momentos. Se olharem bem, dá para ver esta criatura esculpida de luz e brisa, suaves e sossegadas, a avançar com um sussurro de asas de fundo, deixando atrás de si uma melodia transparente e cristalina que vai ficando escrita nestas paisagens de palácios e jardins de Sintra e que depois é vendida aos turistas, horas mais tarde, quando se passeiam por aqui, sob as narrativas mais diversas mas todas elas sem classe e a preços de saldo, infelizmente. Se o pessoal responsavel pelo chamado Centro histórico se passeasse por aqui a estas horas e visse os anjos a regressarem ao Céu depois de uma noite de trabalho na fabrica do elixir que cura as doenças da Alma...talvez percebessem, finalmente, o atraso de vida que é continuar a vender as lendas e a poesia das mantas, chinelos, loiça, pins, hamburguers, postais e t shirts do galinho de Barcelos, ainda que expliquem que esta narrativa remonta ao tempo dos mouros e paga royalties aos reis cavaleiros...negócios de valor não são para pálpebras brutamontes, pesadas demais para estarem abertas às horas a que os anjos regressam ao paraíso.
Ai Sintra, Sintra,
que tristeza levares no coração,
este templo sagrado
cujo tesouro mais bem guardado
é tão generosamente em vão..

segunda-feira, 4 de abril de 2016

Na minha casa velha mas de sonho

Pela janela entrou um raio de luz filtrado pelos vidros antigos que se dispersou, de forma subtil, pela sala como se pretendesse brincar às escondidas com a penumbra. Não terá dado por mim, pois abriu os braços e escolheu um verde esmeralda para pintar na parede ao lado do sofá, o brilho de um dos penduricalhos de cristal do toucheiro que está em cima da cómoda. Sentou-se a olhar e, devagarinho, tocou a imagem com um dedo, fino, e esta começou a fundir-se num verde mais profundo até se transformar num azulado que passou pela cor do petróleo e acabou num vermelho da cor do inferno...foi nessa altura que deixei literalmente de respirar e quis ser tão de pedra como o cinzeiro de mármore que transporto sempre comigo desde o dia em que fumar passou a ser socialmente reprovável e os cinzeiros, presentes em todas as mesinhas e mesas e cómodas, deixaram de ser usados e vistos como cinzeiros. O raio de luz continuou, concentrado e absorto, a testar na imagem projetada na parede, as cores do arco iris, primeiro com delicadeza e precisão, da mais luminosa à mais profunda, como se estivesse a exercitar escalas, do dó menor ao dó maior, para a seguir começar a alternar entre umas e outras, cada vez mais rápido, como se estivesse a dirigir uma orquestra de cores. Estava a tocar algo, uma música, pensei para mim, pois as cores com que ía tingindo a parede, sucediam-se com uma determinada cadência, à qual ia acrescentando uma intensidade diferente, tonalidades mais fortes ou mais doces, como...espera, pensei, com um franzir de sobrolho, espera lá...é piano, está a tocar piano, anil agreste, anil doce e agora o encarnado, forte, fortíssimo, jesus, nunca vi tal rubro em dias da minha vida, que raio...e sem querer, sem querer mesmo, asseguro, vi-me, senti-me, apanhei-me a trautear, para dentro, os sons correspondentes à sequência de cores que o raio, agora definitivamente na pele de um desgrenhado, agitado e entregado Chefe de Orquestra, ia projetando no cenário. A sala encheu-se de um festival de luz, cor e música e, às tantas, perdi o pudor e também o temor e desatei a entoar com ênfase, os sucessivos arco-iris de uma música que me era familiar, tão familiar, aquela que era, sem sombra de dúvida, a que o raio de luz ia projetando, com vibrante esplendor, já não apenas na parede mas na sala toda, transformando-a num monumental espetáculo de luz, cor e som, que levou a minha alma ao rubro até sentir-me e ver-me dissolvida no espaço da sala, desmaterializada nessas bandas largas de escalas de um Universo que... sonhei, nesse dia, em que adormeci a olhar, inadvertidamente, para um raio de luz que se esgueirou pela malha tosca dos vidros antigos da janela da Sala de Estudo onde me tinha vindo sentar em busca de folhear num conto qualquer de um livro qualquer arrumado na estante, um sonho que acabei por trautear sem sequer chegar a abrir o livro. Coisas que acontecem, nesta minha casa velha, mas de sonho.

domingo, 3 de abril de 2016

Aqueles jacarandás

Aqueles jacarandás
que me cruzam
cada dia,
ao virar das esquinas,
são nuvens delicadas
de memórias passadas
vestidas de lilás.

Frascos de cristal e prata
doirados de perfumes
secos, gastos e refinados
sobre mármore rosa polido
pentes de osso e marfim
em escovas de javali
sob o olhar doce e perdido
da Virgem de talha dourada
relíquia venerada,
de joias adornada.

Sopra a brisa
pela cambraia fina
de renda trabalhada
e agita o lilás,
cai a pétala delicada
sobre as folhas amareladas
de um livro de orações,
colares, pedras, brasões,
sedas doces, perfumadas
flores pálidas espalhadas
pelas imagens espelhadas
na memória
vestida de lilás
em cada esquina
de cada dia
naqueles jacarandás.

Não me procures em ti

Não me procures em ti
Porque nem eu sei quem sou
De tantos que sou,
Tantos quanto
me fazem sentido
Quando me procuro
E penso que me encontrei.

Não. Não me encontrarás
Procurando-me em ti ou em mim
Ou a mim, que me procuro
Há tempos e anos sem fim
Em vão pensando
Que sou, alguém
Que não sou.

Sou peregrina de mim
Caminho, errante, declinando-me
Sem rumo, à procura de um ser
Que possa ser em mim
E, assim sendo, ser também em ti

O que procuras de mim.

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