Dias em que a paisagem parece feita de vidro tão fino e tão delicado que ando em bicas dos pés e tão silenciosa, tal o medo de interferir e perturbar o encantamento amoroso que se criou nestes instantes à minha volta entre as formas e as cores do universo, uma derivada do amor que pensei que se tinha perdido algures durante a viagem da humanidade através do infinito dos tempos. Afinal existe, esse tal paraíso, recriado neste aparentemente frágil e efémero mas intenso abraço do entardecer ao dia que deixa para trás. A minha alma, de respiração retida e imóvel como uma estátua, será memória do instante inesquecível.
E por isso vou a correr escrever. Para que as ideias escorram depressa para o papel e dêem espaço às novas que se apressam a tomar forma. Escrever é forrar as paredes interiores de ideias arrumadas.
terça-feira, 19 de dezembro de 2023
sexta-feira, 8 de dezembro de 2023
Nel blu…
está pintado de azul
quinta-feira, 7 de dezembro de 2023
E eu não sabia
quarta-feira, 29 de novembro de 2023
Que sei eu...
sábado, 18 de novembro de 2023
O poeta do meu Universo
segunda-feira, 6 de novembro de 2023
Brilhos
domingo, 29 de outubro de 2023
É assim que o impensável acontece
Adoro mistérios
O sol acorda límpido na timidez da paisagem deslavada e esbatida que se abre, de par em par nesta manhã de dezembro, a anunciar um inverno frio e rigoroso. Há uma calmaria sossegada e silenciosa que se estende pela encosta abaixo até ao mar, uma ténue faixa azulada no gigantesco pano de fundo cinza claro. O infinito que contemplo nestes meus amanheceres sozinhos nunca é igual, nunca se repete, nunca se aborrece nas cores com que se veste para cumprimentar o dia, ao nascer. E a mim, que sou sua fiel companheira desde que o descobri, dentro de mim, na corrida pela procura do sentido a dar a esta existência misteriosa e enganadora que é a vida. Sou o que vejo e vejo o que sou. E sou tão infinito como o que se projeta pela encosta abaixo e sobe, sobe pelo horizonte até se perder de vista. "Também tu podes mergulhar dentro de ti e perder-te de ti próprio, largar a mão que te protege e retém e ser infinitamente, até te perderes de vista", disse-me baixinho num dia de cumplicidade. E assim é. Regresso sempre para me renovar tantas vezes quantas me apetecer e souber e querer ser como esta paisagem que abro e estendo logo pela manhãzinha para que cheire a frescura e brilhe de cor. E um dia voarei como este pássaro que acaba de cortar o silêncio parado e denso dos meus pensamentos, até ao infinito e, diz o mistério que regressarei com ele, cada manhã, ao abrir do dia, para quem me quiser ser. Adoro mistérios.
quarta-feira, 18 de outubro de 2023
Serei jasmim em flor
segunda-feira, 28 de agosto de 2023
A Casa dos Lilases
domingo, 29 de janeiro de 2023
26 jan 2023
Uma porta que se abre no corredor da vida
A vida é como um enorme corredor - como aquele que existia nas nossas casas antigas - que vamos percorrendo e onde vamos abrindo portas, entrando, vendo, vivendo e que, quando chega a altura, deixamos por outra porta mais adiante, à esquerda, quem sabe, a que dá para um quarto, uma sala ou outro tipo de divisão onde podemos fazer coisas úteis, coisas que podem ser aproveitadas para que a nossa casa vá sendo mais funcional, mais acolhedora, mais alegre, conforme e assim sucessivamente até chegarmos ao final desse mesmo corredor e nos calhe deixar a casa, cumprida a nossa missão, deixá-la em ordem, ou não, conforme o nosso feitio, os nossos objetivos, o que nos é pedido e fomos fazendo, até pode ser que a casa tenha ficado virada de pernas para o ar e, apesar desse mundo virado do avesso, afinal tenhamos ficado felizes com isso, cada um sabe de si.
Por estes dias vou fechar uma porta e abrir a próxima, neste corredor que já vai compridozinho, não me queixo, antes pelo contrário, espero que ainda tenha bastantes metros a percorrrer até à saída. Não sei onde anda a próxima porta, ainda não a vejo, a lâmpada em cima da mesinha no corredor fundiu-se, descuido meu (tantas vezes que vou ao Leroy e acabo sempre por passar ao largo do corredor da iluminação para ir direta ao da pintura que é a minha praia, que pateta) vou tateando com as mãos para não dar um pontapé nos chineses que tenho por aqui, umas figuras de porcelana que adoro, desde pequena e aos quais dava banho na banheira da casa da Rodrigo da Fonseca com a minha mãe, quando ela entendia que já não se lhes podia limpar só o pó e tinham que ir para a sabonária feita de água morna e OMO que os senhores de porcelana eram delicados e tinham barbichas que lhes saiam dos ouvidos, verdadeiras, e podiam estragar-se. Essas duas reliquias da infância divertida e desempoeirada andam por aqui no chão e avanço com jeitinho, nesta fase não apetece nada continuar em frente com o ónus de ter liquidado assim, sem motivo, os chineses da minha vida, não, por isso talvez seja melhor parar um pouco, sentar-me e esperar a alvorada, que venha a luz e se veja com toda a nitidez por onde avançar. Uma pausa nunca fez mal a ninguém, não é assim, afinal de contas a minha intervenção neste último quarto não foi fácil, nada fácil, há que ter presente - somos rápidos a esquecer - a pandemia do coronavirus, esses virus inesperado que entrou a matar e matou, sem piedade, sem avisar, sem dar tempo, milhares de pessoas…isso desgastou muito, pesou muito naquilo que foram os tempos dedicados a viver nesta parte da casa, onde tudo estava por fazer e foi preciso começar, por onde, como, olho em volta e penso, avalio, peso, imagino, avanço, faço, por aqui, por ali, aquela parte, depois a outra, arrumo, tiro, mudo, coloco, arranjo, já está, vai ser por aqui, não estou sozinha, somos muitos, vamos em frente, toca a fazer, há muito para fazer, vamos a isso, arregacem mangas, toca a andar…e foi começar a ver as coisas a acontecerem, os resultados, aquela sala já parecia outra, não achas, dizia, para o colega do lado, ele ou ela também olhava orgulhoso para o conseguido, e é assim, foi assim e assim dou por terminado, saio e fecho a porta. E ponho um ponto final, que a prosa tem muitas vírgulas e as vírgulas cansam o fôlego. Mais umas duas horas e nasce o dia, que será gelado como o destes dias passados, e a luz iluminará o meu futuro, até já.
21 jan 2023
A Rua da Arriaga.
A Rua da Arriaga. Chamavamos-lhe assim, simplesmente, à casa da minha avó Maria Emília e do meu avô João. Rua da Arriaga, que era onde ficava, no número 27 ao lado da casa do Prof. Fernando da Fonseca, de quem o meu avô era amigo, geminada com a do Prof. Leonardo Castro Freire, de quem também se era amigo. Médicos, todos. A casa foi construída pelo arquiteto Raúl Lino de quem o meu bisavô, pai da minha avó, era amigo e a sua traça tão simples mas tão genial ficou encrostada em inúmeros pormenores que faziam da Rua da Arriaga uma casa nobre sem arrogância, de costas para a rua, como se quisesse proteger a intimidade da família que nela habitava, generosamente aberta para o jardim nos pátios e nas varandas desde onde se contemplava o estuário de Lisboa até aos seus mais vastos horizontes.
A casa tinha um casaco de vinha virgem que a cobria dos pés à cabeça, de tal forma que nunca percebi de que cor estava pintada, se é que o estava...era a sua marca, a fotografia do seu bilhete de identidade. Verde na primavera, vermelho-dourada no verão e outono, aguentando-se assim até à primavera seguinte. Eu acho que o inverno não ousava levar com ele a folhagem, puritano, ninguém queria ver a menina tão vistosa, nuazinha, no inverno. Naquela altura era-se mais respeitador com as fachadas...
O meu pai não nasceu nesta casa (nasceu na Calçada Marquês de Abrantes, a Santos) mas mudou-se para ela de muito pequeno, tão pequeno era que sempre assumimos que a Rua da Arriaga tinha sido a sua única morada, até casar. Cresceu naqueles quatro andares, habituado a tudo o que de bom tinha a vida numa época em que a vida tinha coisas boas e tranquilas para dar a quem pertencia a uma determinada classe económica e social. Eram dois irmãos, o meu pai e o tio ZéFonso (o "A" ficava no tinteiro, de tão apressado) e cada um tinha o seu espaço de intimidade: um quarto, uma casa de banho e um escritório próprios, uma das razões pelas quais tinham muito pouco a ver um com o outro, diferentes físicamente, de feitio, caráter, com vidas divergentes que nunca se conciliaram apesar de todas as vicissitudes e voltas, cruzamentos e estradas paralelas que a vida lhes deu. Faltava-lhes aquela intimidade que nasce com as guerras e pazes pelo espaço, pelos brinquedos, pela liderança das brincadeiras. Nunca existiram murros nem abraços nem asneiras partilhadas e nunca tiveram a oportunidade de guardar segredos e ter lugares secretos conjuntos, roubar camisas ao outro e levar o blaser que não era o seu e que o outro guardava, religiosamente, para os dias especiais...É o que dá achar que o bem estar dos filhos se assegura oferecendo-lhes espaço próprio, como se nascessem adultos com as questões todas resolvidas e prontas para serem guardadas na prateleira de cima da estante ao lado da lareira...hélàs.
Uma casa, bonita como era a da Rua da Arriaga, linda, de sonho, inesquecível e inigualável, apesar de toda essa serenidade vital, alberga histórias de vida que se torceram e emaranharam naqueles andares, corredores, salas, espaços bem distribuídos e melhor atribuídos à intimidade solitária de cada um.
Excetuava-se a tia Palmira, a tia solteira que vivia com os meus avós, a fina, discreta e sábia tia Palmira...fica para outra altura. Assim que a casa despertar ponho aqui uma fotografia da querida Rua da Arriaga.
20 jan 2023
Silêncios.
Escuro como breu. Silêncios da noite. Pinga, pinga, pinga sem cessar. Ao longe o regato gorgulha água que desce em cascata pela encosta sinuosa da serra. Dois ou três passaritos entoam uma melodia recorrente, parecem apitos, esganiçados. Por vezes é a ventania que assobia, sibilina pelas frinchas ou a madeira a arder na lareira que estala e salta para a pedra em brasa ou se acende numa labareda grave e profunda. Um murmúrio da Uva, um ressonar baixinho do Tinto, vão sendo horas, até ao primeiro carro que desce a ladeira, ainda em contenção. As vidraças vão clareando com a luz pálida e mortiça de mais um despertar triste de chuva, frio e nevoeiro. Outros serão os silêncios que começam com este novo amanhecer.
13 jan 2023
Os monstros que habitam a vida
Todos temos preocupações, angústias, medos, aflições. Acordamos de noite, olhamos o escuro, damos voltas e mais voltas. E mais voltas ainda à volta do mesmo círculo vicioso que volta ao princípio e alimenta ainda mais a angústia, a preocupação e o medo. Todos passámos por isto e bem sabemos que a solução nunca está nesse eu que acorda de noite e se bate e rebate e volta a bater em torno da mesma aflição labirintica e volta de novo ao ponto de partida. A maior parte das vezes, para não dizer sempre que nos encontramos nessas fases em que não vemos a saída ao túnel, não vemos mesmo a saída ao túnel. São percursos muito solitários, face a face com a sua própria circunstância submersa nessa névoa de enorme infelicidade que se cola a nós como uma teia de aranha peganhenta e opaca.
É assim. Acontece. Não há soluções milagrosas e de pouco ou nada servem os chavões de auto-ajuda em prol do faz-de-conta açucarado de duvidosa consistência que foram feitos para apaziguar as consciências de quem nos rodeia. Ninguém gosta de conviver com quem olha para as infelicidades e preocupações da vida com um realismo de aço. Fujo desses amigos sempre prontos a quererem contornar o nosso sofrimento. Alguns com boas intenções, não nego, mas a maioria porque não suportam a dor alheia.
O que serve, sim, é percorrer esse caminho espinhoso da solidão, da angústia e do medo aceitando que a vida tem estes monstros que se nos cruzam no caminho e nos interpelam, questionam, desafiam, massacram. Por vezes vieram para ficar, outras vezes desaparecem. Mas voltam. Só morrem no dia em que morrermos.
Eu dou muitas vezes a mão às minhas angústias e aos meus medos e converso inúmeras vezes com as preocupações. E nunca viro a cara às tristezas que me entram pela vida dentro sem serem convidadas. Há fases em que passo horas acordada de noite às voltas em busca de soluções para todas as preocupações que se acumulam na minha vida…
Aceite-se, é o meu lema. Não tenho o complexo nem o afã de ser super-herói do que quer que seja. Nem badalar otimismo falso aos sete ventos. Nem sequer acho que pedir ajuda aos outros seja o primeiro passo para sair do beco que não tem saída. Aceite-se significa que há que aceitar estes monstros pois a vida também os são, estes momentos em que parece que tudo desaba à nossa volta e não temos forma de nos aguentarmos à superfície. São sempre e só? Não. Tudo o que vem também vai. O que digo é que, enquanto assombram a nossa vida, de nada serve minimizar, esconder, burlar, fazer de conta. Aceite-se a fragilidade de ser-se frágil e de poder perder o pé nalgum momento e poder afogar-se. É a grande força que nos mantém à tona, apesar de tudo. Bom dia, está quase a nascer o sol.
11 jan 2023
Queridos amigos. Um abraço fraterno de boas noites! Sintra tem este encanto, o de nos sentirmos envolvidos e aconchegados no seu mistério, na sua magia, no insólito e inesperado das suas formas tão monumentais e excessivas quanto discretas e intimistas. Amo esta terra, estas pedras, estes edifícios, estas memórias, esta forma de sentir, de ser e de estar, a vida que cresce espontânea e indomável em cada olhar, os silêncios atentos e quietos, que há que ouvir as vozes da brisa fugidia, do cantarolar da água brincalhona, a alegria cristalina da passarada de galho em galho, o agitar das folhas a cochichar amores proibidos à sombra de um dia de louca e arrebatada perdição. Não és apenas um lugar privilegiado e único, Sintra estimada e venerada, pela tua forma de ser e estar, mas sim um estado de espírito que oscila, caprichoso e instável a cada instante de luz, a cada carícia da névoa lânguida e envolvente, a cada degrau, cada curva no caminho, cada muro aveludado, cada portal abandonado, cada afeto esquecido, grandezas de outros tempos de esplendor, hoje vidas adormecidas. É este o teu encanto, Sintra, a alma arrebatada em cada instante, cada fuga, cada recanto. Durmam bem!
Ler
Nas tardes mornas e vagarosas das férias grandes da minha infância, no Banzão, hora da sesta, uma manta de algodão, a janela aberta, a luz filtrada pela cortina branca, imaculada de cambraia, agitada pela brisa suave, silenciosa, contra o almofadão soberbo, fofo, a cheirar a sabão, engomado primorosamente, ao longe os sinos de um rebanho de ovelhas, na encosta sobranceira ao rio das Maçãs, o ladrar de um cão, teimoso, empenhado em fazer ouvir as suas queixas, de vez em quando o som de uma motoreta, pela estrada de areia, no fundo do jardim, nada que me distraísse do namoro que já durava há alguns dias com o delicioso livro da Condessa de Ségur, as Meninas Exemplares, as minhas férias com as bem comportadas Camila e Madalena e a desastrada e infeliz Sofia, no castelo de Fleurville, um mundo feliz, recheado de lanches com pão recém feito barrado de suculentas compotas feitas por umas empregadas felizes e dedicadas, brincadeiras inocentes e pueris, uma ideia muito aproximada ao que era a felicidade. As sestas eram momentos divinos, únicos, esperados e desejados com avidez e devoção, não podia fazer esperar as minhas amigas, as irmãs que nunca tinha tido e com quem sempre tinha sonhado. Aquele livro, azul turqueza, de capa dura da coleção Azul era o passaporte para a minha segunda vida, onde acontecia tudo o que eu desejava, ansiava, mesmo, à distância de umas horas de repouso, finalmente só, sem ninguém a requisitar-me para tarefas que me distraiam do que era verdadeiramente importante. Ler era ter vidas acrescidas à que já tinha, viajar sem sair do mesmo lugar, falar e ouvir pessoas muito mais interessantes do que aquelas com quem normalmente lidava. Eram momentos únicos, sagrados, venerados, vividos com uma intensidade quase religiosa. Bons tempos, tempos felizes, ainda bem que os tive.
Ler
Nas tardes mornas e vagarosas das férias grandes da minha infância, no Banzão, hora da sesta, uma manta de algodão, a janela aberta, a luz filtrada pela cortina branca, imaculada de cambraia, agitada pela brisa suave, silenciosa, contra o almofadão soberbo, fofo, a cheirar a sabão, engomado primorosamente, ao longe os sinos de um rebanho de ovelhas, na encosta sobranceira ao rio das Maçãs, o ladrar de um cão, teimoso, empenhado em fazer ouvir as suas queixas, de vez em quando o som de uma motoreta, pela estrada de areia, no fundo do jardim, nada que me distraísse do namoro que já durava há alguns dias com o delicioso livro da Condessa de Ségur, as Meninas Exemplares, as minhas férias com as bem comportadas Camila e Madalena e a desastrada e infeliz Sofia, no castelo de Fleurville, um mundo feliz, recheado de lanches com pão recém feito barrado de suculentas compotas feitas por umas empregadas felizes e dedicadas, brincadeiras inocentes e pueris, uma ideia muito aproximada ao que era a felicidade. As sestas eram momentos divinos, únicos, esperados e desejados com avidez e devoção, não podia fazer esperar as minhas amigas, as irmãs que nunca tinha tido e com quem sempre tinha sonhado. Aquele livro, azul turqueza, de capa dura da coleção Azul era o passaporte para a minha segunda vida, onde acontecia tudo o que eu desejava, ansiava, mesmo, à distância de umas horas de repouso, finalmente só, sem ninguém a requisitar-me para tarefas que me distraiam do que era verdadeiramente importante. Ler era ter vidas acrescidas à que já tinha, viajar sem sair do mesmo lugar, falar e ouvir pessoas muito mais interessantes do que aquelas com quem normalmente lidava. Eram momentos únicos, sagrados, venerados, vividos com uma intensidade quase religiosa. Bons tempos, tempos felizes, ainda bem que os tive.
5 jan 2023
Cai chuva no meu quintal
Cai chuva no meu quintal,
Bate forte, regular
Uma melodia de cristal
Que embala o sono, devagar.
E a sua voz perfumada
Rosas frescas, terra molhada
Envolve o meu corpo, cansado
Num beijo, desejado.
Abraças-me devagar
Não resisto, deixo-me levar
Esqueço a vida, esqueço o tempo
E de repente, por um momento
Para a chuva, vai-se o vento
Meu amor, faz-me sonhar...
Oh que pena chegou setembro
Oh que pena, chegou setembro
e pra trás fica no tempo
já lá vai, o passatempo
de desfiar bem devagar
as horas do colar
da vida a passar
e enfiá-las, com vagar
como ondas do mar,
sem pressa de chegar
redondas, devagar
à hora de rebentar.
Sentada à beira-mar
Sem nada que fazer
senão pensar, olhar,
admirar, enternecer,
a vida a acontecer
nas pérolas que o mar,
me oferece, devagar
sem pressa, sem tempo
que o perfeito passatempo
é desfiar e enfiar
o colar do pensamento,
oh que pena,
chegou setembro.
31 dez 2022
O fogo
Salta, crepita, estala e rodopia a labareda dengosa e sedutora em torno da madeira. Com os seus dedos longos e finos vai acariciando os contornos dos toros que se vão consumindo, lentamente ao seu ardor apaixonado… é uma dansa colorida que vai deixando no ar formas esbeltas e alongadas que se torcem e contorcem, aparecem e desaparecem, se apagam e voltam a acender-se, ora espreitando por aqui, ora brotando por ali, como flores vivas que se agitam com o seu próprio vento e que só se apagam quando já só há pó, cinza, pouco mais que o nada em que tudo se acaba.
29 dezembro 2022
Ligações universais
Hoje de manhãzinha, quando tudo parecia perdido e o que parecia perdido e indesejável estava prestes a ser vertido no meu lixo mental, no balde dos indiferenciados, claro, com a consequente depressão a instalar-se no meu sótão, apareceu esta entrevista, publicada numa plataforma digital - sabiamente colocada no meu caminho pela minha prima Maria Ataide (obrigada!) - com a cientista Suzanne Simard, a inventora do conceito wood-wide-web e fez-se luz na escuridão. Muito sucintamente, a ideia que está na base desta universal wood-wide-web é que as árvores colaboram entre elas através de uns fungos que transportam um cabaz de nutrientes vitais de umas para as outras, assegurando a sua existência coletiva. Assim, dito de maneira simplista. O conceito já tem mais de 30 anos mas ainda não foi devidamente aceite pela comunidade (política, académica e industrial) pois chama a atenção para os erros que se têm cometido na gestão florestal. Mas enfim, isso importa pouco. O que importa é que agora percebo muito mais coisas do que percebia ontem e isso é o mais importante. Fez-se luz para muitas intuições que já tinha e isso reforça a ideia de que estou no bom caminho. Em concreto, agora percebo porque razão a minha laranjeira, a minha cameleira, o meu azevinho e os dois jacarandás convivem harmoniosamente e têm vindo a crescer juntos e a ajudar-se mutuamente nesse desenvolvimento. Sem querer, sem saber, plantei no meu quintal um agregado botânico que tem gerado um complexo trânsito subterrâneo altamente nutritivo pois as árvores têm crescido e já são hoje uma floresta multicultural de invejável saúde e manifesta sabedoria. Uma prova evidente de que a www botânica é uma realidade!
Num dia que nasceu sem glamour nenhum...esta realidade virou o periscópio para outros novos horizontes, noutro patamar, diria que noutra galáxia...Nunca nos devemos deixar deprimir com o lixo mental!
28 dezembro 2022
Chora coração
que quando choras
pouca importa
quem tu és
se és homem
ou mulher,
se és novo,
se és velho
cobarde ou temeroso,
inteligente ou limitado,
preguiçoso ou esforçado.
Que mais dá?
As lágrimas são de sal
para todos,
posso ser eu,
podes ser tu,
somos irmãos,
somos só um
coração que chora
sem parar
sem avisar
por tanto amar
26 dezembro 2022
Chove Insistentemente. Como se houvesse a necessidade desesperada de lavar a face ao Universo, deixar correr a água com abundância e determinação para dissolver os excessos com que fomos sufocando a vida. O que é que nos faz pensar que poderemos um dia, algum dia, dominar o que se repete desde o início e sabe-se lá se não mesmo antes disso, que sabemos nós? Eu não sei e duvido que alguém, como nós, conheça ou venha a conhecer todas as regras e fórmulas e equações que determinam esta vontade persistente e indiferente e milhares de vezes superior à nossa pequenez de lavar a face ao Universo quando é preciso. Olho e observo a chuva, a água a cair, a rolar, a empapar, a lavar a fundo e quando isso acontece sinto-me infinitamente mais serena, mais em paz e por isso mais feliz. O verde fica, sem dúvida mais verde, os delicados filamentos da erva mais tesos e afirmativos, as laranjas rejubilam de cor e frescura. Os fetos galgam sem esforços as braçadas das árvores e a passarada não cabe em si de contente. Até o chão parece anos mais novo sem aquele ar cansado e gasto de quem leva anos a trabalhar sem trégua nem propósito. Dá gosto vê-lo a chapinhar nos carreirinhos que o atravessam, a rir com as cócegas que as pedrinhas lhe vão fazendo, voltou a ser criança. Vida! É vida, é a vida a pingar por todos os lados numa vontade teimosa e convicta de se impor, de se nos impor e de ser ela e a suas fórmulas a ditarem as regras de tudo e todos. Nós não somos nem mais nem menos, somos o que somos e se não nos precavemos um dia escorreremos dissolvidos em pó pela ribanceira abaixo até ao mar. Meras pedras de sal num vasto e extenso oceano de chuva persistente gerida por outros que não, certamente, nós.
23 dezembro 2022
Natal é…
Natal é cozinhar para a família com gosto e alegria. O que for, o que se tiver e o que for possível. Não se sente o cansaço nem o desânimo. Tudo flui, tudo sai bem, tudo responde ao que se pede. Que amanhã a família se delicie com o que preparámos, é o que importa. Já sei que Natal são todos os dias do ano e aqui no Condomínio Pinto praticamos, sem esforço, essa máxima. Mas amanhã é um dia especial e por isso hoje preparámos com muito amor a Consoada. Somos 16, os que somos o Condomínio Pinto. Espero que tudo esteja à altura das expetativas. A família é o que de mais importante existe na vida. Merece tudo! E graças aos meus pais podemos reunir-nos na casa de todos.
17 dezembro 2022
Recantos de nós.
Recantos são zonas da alma que se vão construindo com pessoas, lugares, coisas, momentos, sons, acordes, músicas, palavras, letras, versos, livros, pinturas, silêncios. Memórias, recordações, gargalhadas prolongadas, exageradas, estrondos de alegria, quem não os guarda? Momentos, dias, semanas, temporadas mais tristes, mais estranhas que não soam a nós, que nos deixam a alma às intempéries, que acorda com frio e se deita enrolada em abraços que de pouco servem, e se guardam a eles próprios em cima daquela cómoda, emoldurada em prata, guardada por uma flor do jardim já murcha mas que ainda faz sentido. Dias de festa, de alegria, de celebração, com banda sonora efervescente a saber a champagne, cores vivas, tecidos joviais, passo ligeiro e confiante, também os há, estes recantos cheios de energia, práticos, desinfetados, minimalistas, linhas retas, esquadrias, o mundo é meu! Recantos do passado que se entrelaçam como a vinha virgem entre os livros de capa de pele gasta e lombada inscrita a ouro já envelhecida, paisagens interiores deliciosas, perfumes sem nome, essências desconhecidas, intensas, refrescantes como a maresia. Quem não constrói altares de vivências inesquecíveis, compõe lugares de poesia que venera, coloca aquela tela naquele lugar tão especial, tem uma caixa, redonda, quadrada, forrada, de pele, com chave onde vai guardando, com carinho e fervor o sentido que dá à vida? A alma tem estes lugares a que chamo recantos, forrados do especial, do diferente, do complexo, do diverso, do único que somos cada um de nós.
Gotas da vida
Aproximo-me da vidraça. Chove. Desfoco, abstraio, o meu tempo é outro? Recordo uma infância chuvosa, persistente, dias a fio de botas, casacão, luvas e passe-montanha, o cheiro a lã húmida, as vidraças grandes, amplas da escola sem lá fora, como hoje as gotas que se abrem caminho e vão escorrendo por longos fios de água, dias sem cores, cinzentos, castanhos, azuis, verdes escuros da lã virgem, agreste, incómoda mas sem queixumes, era assim um inverno que começava cedo e entrava pela primavera dentro até ao dia em que cheirava a maio, a dias de sol na relva, passeios entre flores, dias compridos, coloridos, não sei se havia mais ou menos estações do que hoje, apenas sei que a monotonia descolorida e molhada desses dias que duravam meses não era sinónimo de tristeza nem de angústia nem de aborrecimento, muito pelo contrário. Havia pouco, fazia-se muito com muito pouco, as mesmas coisas serviam para muitas outras, muitos outros, peças de xadrez que se transformavam em exércitos, cartas em castelos, vestidos de papel, ferro, madeira e borracha dura, plasticina, loiça, porcelana, moedas escuras que compravam momentos doces, vivíamos para dias marcados no horizonte longínquo do calendário, sonhados no final de dias iguais uns aos outros, adormecidos ao som de um radiador que irradiava uma luz incandescente, de fundo, como um besouro, sons, vozes que traziam paz. Chovia como chove estes dias, tão cinzento como naqueles dias, o mesmo tempo, as mesmas cores, até os mesmos cenários. Não, o tempo não é outro, repete-se, muito mais do que pensamos, pela vidraça, molhada e embaciada escorrem longos fios presentes e passados, recolhem gotas, uma aqui, outra ali, impressões, recordações da nossa vida.
9 dezembro 2022
Ternura pelas fragilidades
Há dias em que nos sentimos de vidro, a alma à vista, o coração a rebolar pelo chão, nas mãos de quem queira dar-lhe um pontapé ou acolhê-lo num abraço, como se fosse um animal abandonado ao Deus-dará…são dias, fases, épocas em que os meteoritos nos atingem sem que tenhamos defesas para evitarmos os seus impactos que doem, fazem mossa e deixam cicatriz. Somos seres frágeis , por muita arte e saber que tenhamos em sobreviver. O nosso interior, chamemos-lhe alma, coração, razão, sentimentos, fizeram de nós seres superiores mas por isso também alvos e presas fáceis das intempéries. São periodos para recolher, retroceder, regressar, retrair-se, a solidão da introspeção é o regresso às nossas origens, ao nosso fundamento, à nossa essência. E é nesse espaço de intimidade onde nasce a energia criadora do nosso eu, que reside a solução. Onde sabemos recuperar o melhor de nós e voltar à superfície, de novo robustos, reparados, recuperados, reforçada a carapaça de resistência às adversidades, para o que der e vier. Ternura pelas fragilidades.

 
