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terça-feira, 25 de junho de 2024

A mãe.

 Pegou na forma de silicone, apertou-a pela base e três ou quatro cubos brilhantes e transparentes de gelo saltaram, caíram dentro do copo de cristal, rodaram, dançaram e escorregaram pelo arredondado do balão, uns atrás dos outros, uns em cima de outros, saltaram milhares de gotas do líquido transparente pela borda fora com o seu chapinhar alegre, divertido e despreocupado. Gargalhadas agudas como as faces bicudas de um diamante, brilhantes como os reflexos da luz do verão num cristal de mil faces, límpidas e transparentes como só a sua maneira de ser, sabia ser e era. Tinha sido, melhor dito. A sua morte, a sua ausência, o vazio que passara a ocupar na sua vida eram agora este estar inesperado que não tinha a sua forma física, estes sons estranhos que não eram a sua voz, estes gestos tão típicos seus mas que já não eram seus. Era, contudo, uma forma de estar que ocupava um espaço, preenchia um momento e dava sentido a uma presença, embora não estivesse ali, realmente. Eram pensamentos que se iam formando vindos de nada que fizesse sentido antes e se iam encadeando lentamente uns nos outros, enquanto, apoiada na bancada e olhando fixamente o balão, ía vendo como o silêncio ia fazendo desaparecer na água lisa e parada, a súbita e momentânea irrupção na realidade daqueles seus breves segundos mais longos que muitos minutos, da sua querida mãe.

À sua, disse em voz alta, enquanto pegava no copo e o levava à boca, de olhos fechados. Era assim, a vida depois da morte, a morte depois da vida. Era assim, agora, a mãe.

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