Não conseguia dormir. O sono, irrequieto, obrigava-me a virar-me na cama de um lado para o outro, impedindo-me de pousar as pálpebras e deixar-me ir atrás da doçura da história que já tinha começado a imaginar. Dizia-me, baixinho, num sussurro, não, ainda não te podes ir, espera um pouco...contrariada abri os olhos, no escuro e foi então que vi a luz que brilhava tímida, da cor da neve, por entre as frinchas das portadas semicerradas da janela do quarto. Desci silenciosamente da cama, avancei descalça para a janela e abri devagarinho a portada. E lá estava, em cima da laranjeira sobranceira à minha janela, pousada entre as flores perfumadas da primeira primavera e o ninho do passaroco inquilino de já há uns anos e a laranja que ainda não estava para ser apanhada, uma estrela, de luz suave e singela, como se não quisesse dar nas vistas, a olhar, demoradamente os lugares do jardim, como se ali tivesse habitado desde sempre e agora se fosse embora, para sempre também. Reinava o silêncio e a quietude, no jardim adormecido e observei, atónita e hirta, como a pequena estrela ia passando os seus cristais de luz por entre as folhas e as flores e a penugem dos pássaros aninhados e os primeiros botões de jasmim que inspirou, com prazer, como se quisesse embriagar-se do seu doce e ia acendendo pela alameda de relva japonesa fora, as clívias, os jarros, as margaridas, a dama da noite e as pétalas delicadas da ameixoeira em flor, e abraçando, com ternura e um olhar comovido, as gotas de orvalho, amigas de uma vida inteira, parecia querer dizer quando pousou em cima da fonte e deixou cair parte do seu manto de luz e brilho no espelho de água onde dormiam, em sossego esses peixes coloridos com quem brincara tantas vezes. Parei de respirar para não perturbar a imagem imóvel e fixa daquele instante irreal em que uma estrela rodeada de colares de minúsculas pérolas de cristal se ergueu, abriu os braços delicados e finos, e as deixou cair sobre o jardim, como abraçando-o de luz e partiu, sem ruído, sem despertar ninguém nem alterar a quietude do meu jardim, iluminando à sua passagem as nuvens baixas que enchiam de névoa a ribeira, as copas escuras das árvores mais altas, o perfil da torre do castelo lá no alto da serra até à linha do horizonte por onde subiu até se juntar às outras estrelas da sua nova família, pensei eu, quando acordei e agarrei o sonho por um braço e o obriguei a escrever-se no papel e passar a viver, como todos os momentos bonitos da minha vida, na minha memória. Percebes agora porque não queria que adormecesses, disse-me a voz do pensamento, ao desvanecer-se quando tocou o despertador. Só se vêem estrelas no jardim quando a vida teima em não adormecer. É assim.
 
 
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