Queria informar os
meus amigos que sou, a partir desta semana, e a convite do Provedor, Pedro
Santana Lopes, a nova Diretora do Empreendedorismo e da Economia Social da
Santa Casa da Misericórdia. Com o objetivo de lutar contra a solidão e estar
atenta às novas formas de pobreza, a área da qual sou responsável tem por
missão promover o empreendedorismo social. Um grande desafio apoiar a inovação
e a criatividade para que dela surjam modelos de negócio sustentáveis que
respondam a estas preocupações sociais . A Santa Casa é um mundo. Um mundo de
pessoas, de solidariedade, de boa vontade, de saber fazer. Estou muito contente
por poder ajudar a esta causa. Permite-me também poder conciliar com a minha
vontade de participar como cidadã na vida política deste país e não abandonar
essa causa. Para além disso, o meu gabinete está empoleirado sobre Lisboa, mais
acima do Miradouro de S. Pedro de Alcântara, o que é um autêntico luxo para a
alma. Espero continuar a ter tempo para vir aqui regularmente. Um abraço a
todos e já sabem onde estou. Nas boas causas!
E por isso vou a correr escrever. Para que as ideias escorram depressa para o papel e dêem espaço às novas que se apressam a tomar forma. Escrever é forrar as paredes interiores de ideias arrumadas.
sexta-feira, 19 de outubro de 2012
quinta-feira, 11 de outubro de 2012
Portugal e a UE: Be Smart!
Diz-se
que Portugal é um país médio, no computo geral da União Europeia. É. Que é um
país pobre relativamente à média europeia. Também é verdade. Que não é fácil
fazer ouvir a nossa voz. Não é. Que a nossa localização geográfica face ao
epicentro europeu é uma desvantagem. Certamente. Que a atual situação acentua
ainda mais essa sensação de impotência perante a inevitabilidade de
determinadas decisões tomadas em Bruxelas. Acentua. Que todos estes fatores
somados não contribuem para reforçar o apego a um processo de integração que,
no futuro, limitará a nossa margem de manobra como país soberano que nos
conhecemos. É assim. 
Ao
que parece, então, espera-nos, nessa Europa que caminha a marchas forçadas para
uma União Politica, um futuro negro, desolado, definitivamente marginal.
Aponta-se, então, demagogicamente, a alternativa histórica: As relações com os
países que formaram parte de Portugal e que hoje emergem como grandes
protagonistas no quadro global. Mas se Portugal é um país médio, pobre, cuja
voz é difícil de se fazer entender no quadro da União Europeia, face ao quadro
global, a nossa desvantagem, como ator global é infinitamente maior. 
Ser
membro da União Europeia é muito exigente. É. Porquê? Por tudo o que afirmei no
princípio do artigo. Somos um país médio, pobre, periférico, em crise. Uma
enorme desvantagem. Invertê-la requer desenhar uma estratégia que contraponha
ou faça emergir as vantagens face às desvantagens. Por exemplo. Àqueles que
advogam a vocação atlântica e a nova centralidade geográfica de Portugal face à
globalização – que é certa – como a nossa primeira prioridade da politica
externa, eu digo: A União Europeia, se soubermos ser determinada e estrategicamente
inteligentes, oferece-nos a plataforma idónea para cultivar, aprofundar e até
rentabilizar essa nossa centralidade e relacionamento especial com os novos
países emergentes de língua portuguesa. Alguém tem dúvidas de que o êxito da
nossa estratégia com Timor se deveu ao nosso empenho como país da União
Europeia? Ou posto de outra forma: Alguém acredita que o êxito teria sido o
mesmo caso não fossemos um Estado Membro da União? Eu não. E a lista de
exemplos não tem fim.
Qual
é a conclusão? Que ser membro da União Europeia não se confina ao uso limitado
dos poderes que advêm do nosso estatuto formal. Que o uso do chamado soft power e mais do que ele, do smart power nos confere, face aos
enormes ativos de que dispomos como país e que alguns vêm como sub-aproveitados
e desperdiçados, um estatuto que extravasa largamente a quota de poder que se
nos atribui pelos Tratados da União. Dúvidas acerca disto, parece-me, não há.
Somos um Smart com enormes ativos incorporados que não só nos diferenciam mas
que podem fazer de nós um vencedor. Exercer como esse Smart que somos, no
quadro da União, porém, requer uma visão e um aproveitamento estratégico desses
ativos que incorporámos no nosso estatuto: A de que a União Europeia, que
também somos nós, Portugal, é a melhor plataforma que poderíamos ter para
realizar todos esses desígnios que bailam nas nossas entrelinhas como país.
Portanto, let’s be Smart! Ou, como
diria Fernando Pessoa, mais poética e filosoficamente: “És melhor que tu. Não
digas nada, sê!” 
segunda-feira, 8 de outubro de 2012
Novos "QUEM", novos
"COMO", novos "PARA QUÊ", novos "QUANDO". E a que
preço!
Todos dizem que o país precisa de mudar. Que para isso são necessárias reformas. Leia-se de novo o Memorando de Entendimento. O programa dos partidos. O programa do Governo. Todos preconizam reformas, profundas. De tudo. De sectores económicos, do mundo laboral, da Justiça, do Ordenamento do Território, da AdministraçãoPública, da Saúde, da Educação, da Fiscalidade. Agora até se lançou sobre a mesa a reforma constitucional. Nenhuma delas é novidade. Acabei de ler um livro de 2002, elaborado por Sábios deste país, que já as preconizavam a todas. Outro de 2003 de outros Sábios na mesma linha. Algumas delas foram apontadas como "iniludíveis e urgentes" já a finais do século XIX, algumas vezes com tanta mordacidade e estilo, que essas denúncias passaram a ser obras primas da nossa Literatura (leiam-se, entre outras, "As Farpas"). Eu considero-me uma pessoa reformista. E pratico as reformas na minha vida. Subscrevo a necessidade de reformar o país. Não sou especialista em todas as áreas que devem ser reformadas mas percebo o sentido e alcance das mudanças a levar a cabo. Mas desenvolvi, nos meus 15 anos a lidar com catalães, aquele cepticismo impaciente e bruto que eles mostram quando alguém lhes vem com conversa fiada pretendendo vender-lhes "a banha da cobra". E, impaciente ante tanta papelada e discursata reformadora, pergunto-me: Quem, como, para quê, quando e a que preço? Quem, já sei. Os que podendo, nunca reformaram nada. Como, também já sei: sem consultar, sem associar, sem partilhar, sem co-responsabilizar os que devem assumir as reformas. Para quê, não tenho dúvidas: para que tudo mude aparentemente e nada mude realmente e que assim se justifique que venham outros e continuem na mesma calha. Quando, também sei: exactamente quando é menos conveniente e oportuno e não temos os meios nem existem condições para reformar. A que preço? Vê-se: criando todas as condições para que um povo de brandos costumes, espírito mole e profundamente desconfiado e individualista se subleve quase em unísono, de norte a sul, arquipélagos incluídos, e acabe por conseguir uma verdadeira mudança de regime. Para a qual, curiosamente, nem Sábios ou Profissionais da Política deste país previram reforma. Talvez devamos começar por aí: Um regime com novos "QUEM, novos "COMO", novos "PARA QUÊ", novos "QUANDO" e certamente com um preço razoável, equitativo e assumível. Tenho dito!
Todos dizem que o país precisa de mudar. Que para isso são necessárias reformas. Leia-se de novo o Memorando de Entendimento. O programa dos partidos. O programa do Governo. Todos preconizam reformas, profundas. De tudo. De sectores económicos, do mundo laboral, da Justiça, do Ordenamento do Território, da AdministraçãoPública, da Saúde, da Educação, da Fiscalidade. Agora até se lançou sobre a mesa a reforma constitucional. Nenhuma delas é novidade. Acabei de ler um livro de 2002, elaborado por Sábios deste país, que já as preconizavam a todas. Outro de 2003 de outros Sábios na mesma linha. Algumas delas foram apontadas como "iniludíveis e urgentes" já a finais do século XIX, algumas vezes com tanta mordacidade e estilo, que essas denúncias passaram a ser obras primas da nossa Literatura (leiam-se, entre outras, "As Farpas"). Eu considero-me uma pessoa reformista. E pratico as reformas na minha vida. Subscrevo a necessidade de reformar o país. Não sou especialista em todas as áreas que devem ser reformadas mas percebo o sentido e alcance das mudanças a levar a cabo. Mas desenvolvi, nos meus 15 anos a lidar com catalães, aquele cepticismo impaciente e bruto que eles mostram quando alguém lhes vem com conversa fiada pretendendo vender-lhes "a banha da cobra". E, impaciente ante tanta papelada e discursata reformadora, pergunto-me: Quem, como, para quê, quando e a que preço? Quem, já sei. Os que podendo, nunca reformaram nada. Como, também já sei: sem consultar, sem associar, sem partilhar, sem co-responsabilizar os que devem assumir as reformas. Para quê, não tenho dúvidas: para que tudo mude aparentemente e nada mude realmente e que assim se justifique que venham outros e continuem na mesma calha. Quando, também sei: exactamente quando é menos conveniente e oportuno e não temos os meios nem existem condições para reformar. A que preço? Vê-se: criando todas as condições para que um povo de brandos costumes, espírito mole e profundamente desconfiado e individualista se subleve quase em unísono, de norte a sul, arquipélagos incluídos, e acabe por conseguir uma verdadeira mudança de regime. Para a qual, curiosamente, nem Sábios ou Profissionais da Política deste país previram reforma. Talvez devamos começar por aí: Um regime com novos "QUEM, novos "COMO", novos "PARA QUÊ", novos "QUANDO" e certamente com um preço razoável, equitativo e assumível. Tenho dito!
Uma nova forma de estar e fazer Política
implica, nalguns casos, começar do zero. Há medo, quando se diz que é preciso
começar do zero. Por exemplo: como dizia Henrique Monteiro, citando João
Salgueiro (que disse coisas acertadas mas não as fez): há que fazer uma
Auditoria ao Estado (em sentido lato: organismos, departamentos, pessoal,
meios, recursos, etc) com este mandato: se fôr preciso começar do zero, começamos. De acordo com o critério do
"estritamente necessário e sustentável". Lamento para todos os que
têm medo e vivem a guardar vicíos nas gavetas por duas razões: porque não têm
coragem de acabar com eles ou não lhes interessa. Mas interessa ao país, aos
contribuintes e aos que realmente necessitam da ajuda do Estado. É um propósito
simples. Mas ao estado a que chegámos, a única estratégia válida é empreender
ações "simples". Básicas. Evidentes. Que saltam aos olhos. Puro sentido
comum! E bom senso!
segunda-feira, 10 de setembro de 2012
Os logaritmos do poder
Trabalhei, há poucos anos atrás, como Assessora para os Assuntos da UE, no Gabinete do Primeiro Ministro de um país do antigo bloco soviético, acabado de entrar na UE.
Uma experiência única e fascinante. No Gabinete trabalhava também um Assessor nativo que tinha sido diplomata na era comunista, saneado nos alvores da democracia e agora de novo no ativo. Era culto, poliglota, discreto, misterioso, eficiente e temido. Por todas estas razões, seria o meu "amigo-tutor" nas andanças pelos bastidores do poder daquele país complexo. Sentados nos jardins do Palácio da Presidência do Conselho, nos meus primeiros dias, expliquei-lhe a minha agenda. Esperou, em silêncio, que eu terminasse para me dizer, com um ar bizantino: "Maria (o do Carmo ficaria no tinteiro), vou-te dar o primeiro dos logaritmos que explicam a anatomia do poder real neste país: Tudo o que parece, não é, e tudo o que é, não parece". Registei.
Semanas mais tarde participámos ambos numa reunião entre altos funcionários da UE, Ministros e representantes do Poder Judicial. Eram reuniões aparatosas, verdadeiras jóias protocolares, com as hierarquias simetricamente distribuídas por cada lado da mesa. Tendo verificado que a pessoa que, embora fosse a que detinha, segundo o primeiro logaritmo, o poder real sobre as questões ali tratadas, se abstinha de intervir, procurei a explicação. Com o mesmo ar enigmático, o meu amigo acrescentou um segundo logaritmo ao primeiro: "Aqui, quem manda não fala, fala quem não manda". Tomei nota.
Numa outra vez, por ocasião de um furibundo debate parlamentar entre o Governo e a Oposição, o meu tutor forneceu-me o terceiro logaritmo, após o qual me sentiria apta para elaborar o "verdadeiro organigrama do poder". "Aqui, não procures sob a luz do holofote, mas sim na sua sombra". Pus mãos à obra.
O organigrama que elaborei, à luz daqueles logaritmos, não coincidia com o oficial. E à medida que avançava, ia-se tornando cada vez mais complexo e extenso, acabando por extravasar o Governo e o próprio Estado, perdido nos interstícios da economia, da sociedade e até do estrangeiro, em lugares e pessoas não recenseados no mapa oficial. "Então e agora?". "Agora, Maria, que conheces os logaritmos e a anatomia do poder real no país, avante!" E assim foi.
De volta a Portugal, confirmo! O cenário é outro, os logaritmos poderão ser diferentes mas o resultado a que chego é o mesmo a que cheguei naquele país longínquo. Porque aqui, os organigramas também não coincidem! 
segunda-feira, 3 de setembro de 2012
Única e
inesquecível experiência, a que deve ter sido a do meu filho Mico em Angola,
embora tenha sido breve de dois meses. A fotografia é eloquente por tudo o dela
salta à vista. Imagine-se. Um rapaz de 23 anos, acabado de licenciar em Gestão
pela Faculdade de Barcelona, é de imediato contratado para um projeto
relacionado com um tema sensível e controverso como pode ser a logística das
eleições em Angola, sem experiência profissional, aterra em Luanda, integra-se,
sem mais preâmbulos, numa grande e experiente equipa profissional a braços com
a organização logística de umas eleições num país com a dimensão, as
circunstâncias, as vicissitudes e a problemática de Angola, e aparece agora, no
final do projeto, ante a "boca" aberta de um Antonov, que adivinhamos
não ser da última geração da aeronautica, risonho e descontraído, ladeado de
dois soldados armados até aos dentes mas que se dispuseram a fazer uma
fotografia amável e simpática, ante um carregamento sensível armazenado no
porão, algures no Huambo, fala por si. E diz muito sobre a experiência que
poderá ter vivido e a forma com a abordou e viveu. A juntar ao facto de não
terem sido recenseados problemas com a logística (frizo bem, a logística) esta
fotografia poderá sem dúvida ser o melhor activo que ele tem para colocar no
seu CV profissional. Pessoalmente, esta fotografia já faz parte dos momentos
inesquecíveis que ele terá, não tenho dúvidas. Como também não tenho dúvidas de
que será apenas a primeira de muitas outras. Esta fotografia, bem pensada, dá
muitos e bons indícios sobre o estofo e a atitude. Estou muito orgulhosa e
contente por ele. Parabéns, Mico. Good job! E Angola...especial, muito
especial.
domingo, 26 de agosto de 2012
Ler
Ler é isso mesmo: sentar-se cómodamente na disponibilidade para viajar dentro de si pela mão de quem escreve.
Coerência ética
Só há uma saída. Só não o vê nem o aceita quem não quer. Não é possível, não é mesmo possível, que em simultâneo, cada um de nós, por um lado, continue a ensinar determinados valores e princípios aos filhos e netos e a apregoá-los entre amigos e nas tertúlias, e continue, por outro lado, a aceitar, com placidez ou irritação, indiferença ou indignação, que o sistema que nos rege e aqueles a quem demos o mandato de o gerir por nossa conta e em atenção aos interesses de todos, esteja organizado e deixe que o usem em completa e total contravenção com estes princípios, em detrimento dos nossos interesses e causando-nos e ao país danos e prejuízos irreversíveis! Todos sabemos - mais do que bem - que o Estado alberga nele uma teia estratégica de interesses organizados e geridos para servir interesses de pessoas e organizações cuja única ambição é o poder e a riqueza própria. Nessa teia encontram-se pessoas que há muito que abdicaram (se é que alguma vez
 os tiveram) dos valores e princípios em que muitos de nós acreditamos e que são os que norteiam a nossa consciência e o nosso agir. A única maneira de acabar com esta imoralidade organizada é oferecer uma alternativa política que se reja por TUDO aquilo em que acreditamos e que é o que ensinamos aos nossos filhos. Não é preciso ir mais longe do que isto. Nada é mais simples do que isto. Fui ensinada que na vida, às vezes, o mais simples é o mais difícil de se fazer. Acredito que não é simples organizar uma opção política cujo objetivo é oferecer a gestão do bem comum norteada pelo serviço à Comunidade e no interesse de todos. Mas acima de tudo acredito e não quero deixar de acreditar, que por mais ínfimas que sejam as possibilidades não supera o que significa levar o peso na consciência de estar a ensinar princípios e valores aos meus filhos, a apregoá-los entre amigos e nas tertúlias, a tomá-los como cartão de visita do que sou e a deixar que os que elegi para defenderem os interesses da colectividade a que pertenço e do país que é Portugal, ajam em total e absoluta contravenção a esses princípios! E que me inflijam a mim, aos meus e a todos, danos e prejuízos irreparáveis! Só não aceita isto que digo, quem se está a borrifar para esses princípios! E esses...
sábado, 18 de agosto de 2012
Não é o Fernão Capelo Gaivota. É apenas
uma simples gaivota que se intrometeu no meu campo de visão quando tentava focar
o nevoeiro que passava a correr mesmo por cima da minha cabeça no alto das
arribas da Praia da Urca. Não é o Fernão Capelo Gaivota, não. Mas ao olhar para
esta gaivota que entrava pelo mar dentro sem qualquer entrave...tive inveja da
liberdade que leva nas asas.
terça-feira, 14 de agosto de 2012
Onde estão os heróis do mar, o nobre povo, a Nação valente e imortal?
Discutia-se ontem, entre amigos, ao jantar, sobre o estado da Nação. Palavras duras, balanço severo: há a noção muito nítida de que uma geração inteira - a minha - se desentendeu dos destinos do país e, com essa atitude de desleixo e irresponsabilidade, deixou que o país chegasse onde chegou. É certo. Estamos onde estamos, nas mãos de quem estamos, sujeitos à maior humilhação a que um país pode es
tar sujeito, a braços com a maior crise económica e em breve social dos últimos tempos, endividados até à medula, hipotecados até às últimas, sem norte nem rumo, sem esperança e sem fé porque nos desentendemos quando não o deveríamos ter feito, entregando-o nas mãos de quem não estava à altura da missão de Estado que é o governo de um país, fechando os olhos à promiscuidade económica público-privada e aos conflitos de interesses mais chocantes e inadmissíveis, cuidando dos nossos interesses por cima dos interesses da coletividade, abdicando irresponsávelmente do exercício de uma cidadania exigente, rigorosa e intransigente no que diz respeito ao controlo do exercício do poder público...estamos onde estamos porque não quisémos ir mais longe, temos o que merecemos e o que merecemos deixámos de poder ter por negligência grosseira...São especialmente responsáveis as elites deste país, as traves mestras sobre cujos valores, princípios, competência e ambição se ergue um país. Onde estão os "homens bons" deste país? Porque se arrogam, em silêncio, da vitalidade de que o país necessita enquanto o país, nas suas costas, se vai lentamente e literalmente desfazendo e definhando e morrendo aos poucos, humilhado, maltratado, ignorado, abandonado? Porque sustêm, orgulhosamente, a negação da realidade e se agarram - como náufragos ansiosos e angustiado - aos poucos vestígios do que outrora poderá ter sido mas que hoje não passa do que desejariam que fosse, uma ilusão? A minha geração passará, sem pena nem glória, antes com culpa certa e pesada, à geração que vem, o testemunho de um país hipotecado, penalizado, deficitário, pobre e derrotado. E dela se escreverá o epitáfio mais severo que pode ser escrito de alguém: Deixou morrer o país...que de nós nem a letra do hino nacional se pode entoar, nem a Mensagem de Fernando Pessoa ler nem os versos de Camões, d'Os Lusíadas recordar. Enquanto houver brilho no olhar de alguns e convicções para afirmar, tudo é ainda possível. Caso contrário, de ruins, desfaleceremos antes do país. É revoltante...
Chuva de Agosto
Chove, por fim, a frescura que o jardim pedia a gritos, sufocado pelo calor tórrido e queimado pelo sol impiedoso do verão. Abençoada chuva de Agosto, a pausa que limpa, alivia, atenua, suaviza, interrompe. E obriga a recolher por trás das vidraças e a contemplar a paisagem feérica e espampanante do verão vestida de inverno, a pingar gotas de água que escorregam, divertidas, por entre os fetos, os frutos e as flores, riachos de vida que a terra engole, sequiosa. É apenas uma pausa. O verão ainda não se rendeu e voltará, quem sabe se não mais intenso e dominador? Entretanto, há tempo para acabar o livro, pôr as contas em dia, escrever uma poesia, cozinhar um bom petisco, ouvir uma sinfonia, aborrecer-se sem ocupação e sentir a chuva a cair...uma pausa entalada na rotina pela generosidade e sabedoria de quem rege o Universo. Aqui, isso é bem vindo!
Escrever
Escrever é ir de passeio com a alma pela vida fora, colher o que ela vê, sente, ouve, pensa e nos diz, chegar a casa e cozinhá-lo, com arte e imaginação, por escrito. Quando chego ao ponto final, sento-me e saboreio-o no melhor cigarro que a vida me pode dar.
segunda-feira, 13 de agosto de 2012
SINTRA E O TURISMO DA ALMA
Ontem levei dois amigos catalães ao Castelo da Pena. É uma enorme responsabilidade dar a conhecer a alguém algo que não conhece. Estando a alma completamente virgem, essa primeira impressão deixa uma marca cujas raízes, em princípio, ficarão para sempre. Como era um casal novo (23 anos) em "lua de mel" por Lisboa, achei que iriam apreciar que lhes transmitisse a "mística romântica" que envolve e se desprende do Palácio da Pena. E senti, uma vez mais, como é importante, divertido e original, ao servir de guia a um casal de estrangeiros, deixar-lhes na alma um conjunto de frescos emocionais capazes de "revitalizar-lhes" a alma e, com isso, renovar-lhes ou rejuvenescer-lhes a relação emocional que existe entre eles. Eu sinto que não só é possível como é o que as pessoas procuram quando se deslocam ao estrangeiro. Ora, o nosso país tem um capital emocional fora de série: não só em termos patrimoniais como em termos humanos e históricos. Sintra é um ex-libris desta forma de entender o turismo. É fácil mobilizar a alma cansada, adormecida e desmotivada quando estamos no cimo do Palácio da Pena, expandidos até um horizonte quase infinito, rodeados de uma paleta de verdes que estimulam o optimismo e de uma arquitectura cheia de percursos rendilhados e pormenorizados, que arrendondam as arestas emocionais, rematados com uma História que acende a chama do imaginário místico dando assim origem a um novo estado de espírito que ilumina a escuridão interior. Sintra encerra este enorme potencial de criatividade emocional. É um elixir único para esta modalidade de doenças da alma. Doenças que se fossem oficialmente consideradas uma epidemia pela OMS, podiam levantar a economia do país, que possui, sem saber, o capital e o know how capazes de fazer dele o leader mundial do turismo terapêutico das doenças da alma...Parece só ironia...mas no fundo não é. O jovem casal catalão voltou ontem para Lisboa com os olhos a brilhar. E no fim do passeio, felizmente, senti-me a mais! :-)))
quarta-feira, 8 de agosto de 2012
Um ano na Bulgária IV
A Bulgária, à semelhança de Portugal agora, vive sob a tutela e vigilância da União Europeia. Aqui foi criado o Memorando de Entendimento. Lá, o instrumento chama-se: Mecanismo de Verificação e Cooperação. Ambos fixam metas e obrigações para atingi-las. E a UE organiza missões periódicas - a ambos os países - para verificar o chamado "ongoing progress", medido, em ambos os casos, por "concrete res
ults". Como disse, trabalhei no coração desse "assessment" da UE à Bulgaria durante um ano. Sendo o objeto da tutela que exerce a UE sobre Portugal radicalmente diferente do objeto da tutela exercida sobre a Bulgária (os problemas na Bulgária são infinitamente mais graves do que em Portugal) a verdade é que a dinâmica é a mesma: passámos a ser um país tutelado. Na Bulgária é impossível erradicar a corrupção e o crime organizado. É um problema cultural, social, económico e também político. Em Portugal é impossível sanear a economia e colocá-la na senda de um crescimento económico. Daí o Memorando de Entendimento, as suas metas, os seus instrumentos de controlo, as missões, a tutela. Como na Bulgária. É este o paralelismo: dois países incapazes de lidar, por si sós, contra os seus cancros culturais, sociais económicos e políticos. Portugal e a Bulgária são países controlados pela oligarquia económico-política. Em que a sociedade civil não existe, as elites alimentam essa oligarquia e a maioria do povo sobrevive nos interstícios desse poder. Ele há pessoas boas e válidas em ambos os países. E inteligentes e sãs. Mas são marginais. O sistema encarrega-se de mantê-las à margem, sem qualquer capacidade para mudar, de fora, o que quer que seja. A questão que se coloca é a seguinte, pois. E as metas e obrigações impostas pela UE, se seguidas à risca, podem transformar Portugal num país com uma economia livre, não dependente do Estado, transparente e concorrencial, aberta a todos? Vou responder com a minha experiência búlgara. Contando uma história. Numa ocasião fui a Varna, uma cidade búlgara no Mar Negro, dar uma conferência a uma Associação de mulheres profissionais. Fiquei dois dias em Varna e participei em almoços, jantares, reuniões e encontros com pessoas e organizações locais de todo o tipo. Conheci um juiz do Tribunal de Primeira Instância de Varna. Falava inglês, era espertíssimo, culto, vivo, diria que brilhante. Eu aproveitava todas as ocasiões para satisfazer a minha enormíssima curiosidade acerca da Bulgária e dos problemas que a sociedade tinha e tem para se libertar dessa oligarquia nefasta e criminosa que tem o país controlado e que não o deixa viver e crescer em liberdade. A conversa escorregou para a UE e a forma como esta exercia a tutela sobre a Bulgária e atacava o problema búlgaro. Recordo as palavras desse juiz: "Mrs. Pinto (quando não era "Maria", eu era a "Mrs. Pinto"). Aqui em Varna, porque é uma das zonas predilectas das mafias com ligações à Russia (proximidade geográfica), somos chamados a julgar mafiosos que pertencem a organizações criminosas sinistras. Alguns casos são monitorizados pela UE porque são casos graves e de grande repercussão social. E a maioria das vezes estes casos são indicadores da incapacidade do sistema judicial búlgaro de lutar eficazmente contra a criminalidade organizada. Os juízes desses casos são apontados como culpados dessa ineficácia e algumas vezes são levantadas suspeitas de serem cúmplices dos mafiosos." "E não é assim?" - espetei eu. O meu interlocutor sorriu, com sorna e uma certa condescendência e prosseguiu: "É. Mas sabe porquê? Vou-lhe explicar: Um juiz da Primeira Instância, na Bulgária, geralmente é casado e tem filhos. Uma vida normal. Como a de muitos juizes da UE. Uma normalidade que é brutalmente interrompida quando lhe vem parar às mãos um caso desses, em que tem que julgar um mafioso local. Porque nesse mesmo dia recebe a visita de alguém que lhe lembra que tem mulher e filhos. E que se não quer que algo de grave, gravíssimo, lhes aconteça...já sabe o que deve fazer. E para compensá-lo da miséria que é ganhar 5.000 Euros anuais, passa a receber um extra, pela colaboração. Agora pergunto-lhe: esses juizes e funcionários da UE que vêm à Bulgária fazer o controlo do funcionamento do sistema judicial, vindos de países onde nada disto acontece, onde tudo isto é inimaginável, podem, moralmente, exigir a este juiz que, quando confrontado com a possibilidade de encontrar a mulher e os filhos pendurados de cabeça para baixo numa árvore do jardim, se arme em herói e ponha as metas da UE à frente da segurança da família?" Depois de esbofeteada pela realidade, engoli em seco. Pensei imediatamente nos meus filhos...nos dele. Falava sem dúvida por experiência própria e quem era eu, que também tinha filhos pequenos, para julgá-lo e exigir-lhe uma heroicidade que ninguém, na UE, iria recompensar? Esta é a realidade búlgara. Podemos mascará-la, ignorá-la, querer que seja diferente. Mas, no terreno, é esta a lei. Como dizia o meu Primeiro Ministro, sábiamente, vão ser precisas várias gerações para que a Bulgária chegue aos standards europeus. Porque razão a UE não atacou o problema búlgaro de outra forma? Porque razão deixou que a Bulgária entrasse na UE? Lembro aqui que quem mais força fez para que a Bulgária entrasse na UE foi a Alemanha. Com esta história búlgara e a minha experiência profíqua na Bulgária, sou levada a pensar que o que move a UE está longe de coincidir com o interesse que possamos ter em transformar Portugal num país que não esteja sujeito ao controlo da oligarquia económico-política. Vale a pena usar esta lente e analisar o Memorando de Entendimento à lupa: em relação a cada uma das metas e obrigações, a pergunta correta é: e será que assim Portugal se tornará mais livre, mais competitivo, mais transparente, mais dinâmico? Estão mesmo a atacar o verdadero problema? O verdadeiro nó cego? Naquela noite, depois daquela conversa impactante, com o juiz de Varna certifiquei-me, com grande pesar, de que os objetivos impostos pela UE à Bulgária eram letra morta em papel molhado...Na UE, os que decidem, sabem bem que o alvo escolhido não é o correto. Mas serve...Hélàs...
Um ano na Bulgária III
Ainda a propósito da Bulgária. E das adjudicações diretas de contratos de obras públicas (vide o que acontece em Portugal). Quando conheci o Primeiro Ministro da Bulgária, Sergey Stanishev, conversámos sobre as dificuldades da Bulgária em adaptar-se aos princípios e normas do direito da UE, em especial às normas que regulam os conflitos de interesses. Meio a rir, meio a sério, disse-me:"A Bulgária
transpôs a normativa sobre os conflitos de interesses e a normativa sobre a contratação pública. O problema é fazer compreender aos búlgaros o conceito de conflito de interesse." E contou-me uma história sobre o Diretor da agência pública que geria a adjudicação dos contratos públicos para a contsrução de auto-estradas. O bom homem adjudicava sistemática e descaradamente as obras para a construção das auto-estradas a um consorcio gerido pelo cunhado. E a propósito da impossibilidade de continuar a fazê-lo, devido à normativa da UE, desabafou:"Essa gente da UE é estúpida. Toda a gente sabe que seja qual for a empresa que fique com a obra, nacional ou estrangeira, há sempre dinheiro negro que é metido ao bolso por um político. Se fôr o meu cunhado, ao menos temos a certeza de que os trabalhadores e outros não roubam também no alcatrão, nas máquinas e no material. A obra fica mais barata!" O facto dele ser o adjudicador da obra e o adjudicado, o cunhado e isso provocar um conflito de interesses, passava-lhe completamente por alto. Dizia-me o PM:"Como quer que a normativa da UE seja aplicada se não consigo sequer fazer-lhes entender o que é um conflito de interesses? É um problema cultural. Vai levar anos, gerações a mudar a mentalidade desta gente..." Era um desabafo de alguém que, conhecendo bem os compatriotas, sabia que a Bulgária não estava de todo preparada para entrar no clube da UE: neste clube, os conflitos de interesses são sofisticadamente camuflados sob práticas aparentemente legais e conformes à normativa da UE. Ora, na Bulgária, essa sofisticação e virtuosa hipocrisia era vista com desprezo e estavam longe de conseguir imitá-la. Portugal não é a Bulgária. Aqui, essa sofisticada hipocrisia que contorna e se perde habilmente no articulado confuso e denso das leis, é praticada com destreza: os cunhados chamam-se testas de ferro, homens de palha, os concursos até se fazem mas o resultado é o mesmo que o da Bulgária. O dito Diretor da Agência das Estradas búlgaras era um malandrão, um vigarista, um criminoso. Mas a sua perplexidade era genuína e a incompreensão sincera. Para quê tantas flores e valsas se ao fim e ao cabo a obra é adjudicada à pessoa que mais interessa ao poder? Na Bulgária, em Portugal e noutros países? A escolher, prefiro lidar com os búlgaros. Detesto a hipocrisia.
Um ano na Bulgária II
Ainda a pensar na minha "experiência búlgara". Quando lá cheguei, para trabalhar no Gabinete do Primeiro Ministro como assessora para as questões da UE, fui acolhida por um personagem que iria trabalhar comigo no Gabinete. Ficámos amigos, irmãos. Tinha sido espião. Foi ele que me ensinou e mostro tudo o que havia para mostrar na viagem pela anatomia do poder na Bulgária. Sentados nos jardins do P
alácio da Presidência do Conselho de Ministros (estaliniano 100% e portanto, uma relíquia dos "good old days"), no primeiro dia, o meu futuro "brother in arms" na selva búlgara, disse-me com um ar bizantino: "Maria, (o do Carmo ficou logo no tinteiro), primeira lição: na Bulgária tudo o que parece, não é. E tudo o que é, não parece". Disponibilizou-me esta primeira lente quando lhe pedi para que juntasse os Chefes de Gabinete dos Ministros para que eu me pudesse apresentar, uma vez que ía ser responsável, num clima de guerra com a Comissão Europeia, pelas relações entre o Primeiro Ministro e a Comissão Europeia. Precisava de ter o "input" dos Gabinetes para sintonizar a mensagem do Governo nas tumultuosas relações com o Gabinete do Presidente Barroso e a SG da Comissão. O meu amigo espião deu uma gargalhada e soltou-me aquela máxima. Que me ficou gravada assim que percebi o que pretendia explicar-me com ela. Era o seguinte: Os Chefes de Gabinete e outros cargos esplêndidos do Governo estavam lá apenas para dar lustro. E, de facto, eram eles que lidavam com os interlocutores da Comissão Europeia. Aqueles funcionários "de alto nível" que só se relacionam com quem também é "de alto nível". Eles tinham, de facto, um nível alto. Mas mandar...não mandavam rigorosamente nada. Mas iam entretendo os da Comissão Europeia e tinham sido treinados para dar as respostas para serem ouvidas pelos Ilustres enviados especiais europeus. Dizia-me assim o meu colega búlgaro quando, por inerência dos nossos cargos, tivémos que assistir a uma reunião entre uma equipa de Directores Gerais da Comissão, a Ministra da Justiça, o Ministro do Interior e o Procurador Geral da República búlgara: "Maria, põe a lente que te dei e olha bem para o lado búlgaro da mesa de reuniões. Desloca-te do centro (onde estavam os Ministros) para a ponta esquerda da mesa. Vês quem está ali sentado a tomar notas sem levantar a cabeça? É quem manda aqui. Não parece, mas é. Percebes, agora?" Percebi, claro. Aquele homenzinho, inignificante, amanuense e apagado, era o homem de uma das mafias que controla o poder judicial na Bulgária. Recebia ordens deles. O resto da mesa obedecia-lhe. Os da Comissão Europeia, esses, continuavam a dar ordens aos Ministros. Com sotaque alemão, evidentemente. Mas sem perceber nada da anatomia do poder real na Bulgária. Aliás...continuam sem querer perceber. Mas isto acontece na Bulgária. Só que, mutatis mutandis, também acontece em Portugal. Só que com outras formas. É preciso é usar uma lente como a do meu amigo espião. E focar na direção certa. Adorei estar na Bulgária!!!
Um ano na Bulgária I
Estive um ano na Bulgária a trabalhar. Estava numa posição (num dos centros do poder) onde pude estudar a anatomia do poder. Tive ótimos professores. Antigos espiões do regime comunista, agora estratégicamente colocados na nova Nomenklatura pós queda do muro. Foi um ano de uma aprendizagem que nenhuma academia, curso, livro poderia ter-me dado. Para além de única, a experiência foi fascinante. E ú
til, extraordináriamente enriquecedora. Uma formação ímpar (Se fosse como o Relvas, a experiência que tive dava direito a doutouramento). Adiante. O curioso é que a anatomia do poder na Bulgária é a mesma - mutatis mutandis - que a de Portugal. Tenho andado a identificar paralelismos. Fica aqui um: na Bulgária os interesses económicos - os oligarcas com ligações às mafias regionais ou russas - estão representados nos diferentes centros de poder formais, de forma proporcional: todos tèm representação nos partidos, todos têm participação (maior ou menor) nas principais empresas (às vezes por setores), todos estão, portanto no Parlamento, no poder judicial, nas autarquias, na Presidência da República, no Governo. A estrutura de poder formal está organizada verticalmente. Porém, o poder real organiza-se horizontalmente. Com as informações e explicações que os meus amigos espiões me iam dando sobre o "Who is who" búlgaro, fiz um mapa de todo o poder formal. Com quadradinhos a representar os cargos e as pessoas. E atribuí uma determinada cor a cada interesse económico. O resultado foi espetacular: em vez de obediência vertical (Ministro que obdece a Primeiro Ministro, Diretor que obedece a Diretor-Geral, etc) em função da hierarquia ou do partido, as obediências eram horizontais e extravazavam as organizações. Tudo começou quando me apercebi que o Ministro da Economia não fazia caso nenhum ao que lhe dizia o Primeiro Ministro (que era o meu chefe). Percebi, depois, que a lealdade do Ministro era para com um determinado poder económico que o tinha colocado lá por controlar uma determinada fação do partido. E assim sucessivamente até ter o mapa completo. Repito: em Portugal, mutatis mutandis, dá-se o mesmo. O que é preciso é desvendar a anatomia do poder em Portugal. É por isso que me é tão dificil aceder ao poder: pessoas como eu não são bem-vindas. Eu quero que o meu país melhore. Não estar por conta de nenhum interesse económico. Só isso!
domingo, 5 de agosto de 2012
Devagarinho, pela vida fora
A vida é o caminho e viver é desenrolar-me, passo a passo, por esse caminho fora e ir semeando, aqui e ali, a pouco e pouco, um pouco de mim, nos momentos certos, os acordes que vou sendo, ecos do Universo com os quais vou tecendo sem verdadeiramente dar por isso, a corrente de fundo que me guia, uma sinfonia, uma pintura, uma poesia que tropeça, cai e se levanta, dia à dia, nos contornos, palavras e na melodia que vou escrevendo e compondo, entre a memória do que fui e o destino que serei, avançando, devagarinho, pela vida fora...
domingo, 29 de julho de 2012
Andar na vida
Há dias em que a vida acorda entroviscada. Passeia-se, sombria, pela casa e sente a melancolia na pele, no café que arrefece, de olhos distraídos e pensamentos distantes, embaciados, o vazio que escorre, gota a gota, em monosílabos, sem saber ao certo porquê, é apenas isso, um sabor sem côr, devagarinho, instala-se, cansado, entre as ideias desiludidas, em pedaços, desarrumados de ainda ontem, quando eram feéricos, demais, hoje só sei que o dia avança de luz apagada ao encontro da vida que continua, é preciso, vou, já vou, atrás da voz, sem pensar, vou e acabo por ir, pela estrada fora, carregada de tudo acumulado e de nós formados pela voz adiada, empurrada pela névoa da manhã, apertam, olho para o lado, que sem sentido, deixo-me ir no sem saber porquê, chegam mais nós, a saudade, não bastava já o que a noite deixara à porta, e tudo parece que chega por fim, numa enxurrada, uma doçura que nos toca, um raio de sol ao dobrar da esquina, e cedo, empurrada por mim própria para fora de mim, varro-me, que atropelo, não ligues, não vale a pena, é assim mesmo, acontece, chora-se e que alívio, o porquê não sei.
Mas sei que as manhãs não estão condenadas a entardecer nessa escuridão com que amanhecem na alma e que o dia, uma vez desanuviado, vai desabrochando aos poucos em tudo o que nos rodeia de côr, aqui e ali, uma palavra, acolá um gesto, mais além um sorriso, devagarinho, abre a janela, deixa entrar o sol, apanho o cheiro a eucalipto, esquece, esqueço, arrumo, dou rumo, enfio-me nas palavras e dou uma gargalhada no lugar certo, acerto, faz sentido não dar peso ao passado, passado está, não é assim, desanuviar, respirar fundo, acertar o passo, olhar em frente, eu sei, ter fé, saber esperar, a rosa no momento certo, naquela jarra, era hoje e não ontem e assim já dou um amanhã à vida, que o amanhecer veste-se de luz e esperança para mais tarde, só lá mais para a tardinha, esmorecer nessa suavidade que abranda, adoça, silencia e pesa nas pálpebras, lentamente, deixa-se ir, em paz, como tem que ser, serenamente, o sono, a distância, escurece, deixa de haver luz, faz sentido, só assim o dia faz sentido.
Mas sei que as manhãs não estão condenadas a entardecer nessa escuridão com que amanhecem na alma e que o dia, uma vez desanuviado, vai desabrochando aos poucos em tudo o que nos rodeia de côr, aqui e ali, uma palavra, acolá um gesto, mais além um sorriso, devagarinho, abre a janela, deixa entrar o sol, apanho o cheiro a eucalipto, esquece, esqueço, arrumo, dou rumo, enfio-me nas palavras e dou uma gargalhada no lugar certo, acerto, faz sentido não dar peso ao passado, passado está, não é assim, desanuviar, respirar fundo, acertar o passo, olhar em frente, eu sei, ter fé, saber esperar, a rosa no momento certo, naquela jarra, era hoje e não ontem e assim já dou um amanhã à vida, que o amanhecer veste-se de luz e esperança para mais tarde, só lá mais para a tardinha, esmorecer nessa suavidade que abranda, adoça, silencia e pesa nas pálpebras, lentamente, deixa-se ir, em paz, como tem que ser, serenamente, o sono, a distância, escurece, deixa de haver luz, faz sentido, só assim o dia faz sentido.
Os três rebentos de jacarandá
O meu sonho, a minha esperança, a minha motivação, a minha fé, o meu compromisso, a minha lealdade, a minha determinação, o meu esforço e também a minha preocupação, dúvidas, insegurança, hesitação e medo sob a forma de três rebentos de jacarandá de Lisboa, aparentemente frágeis pela sua delicadeza e perfeição mas que irão com toda a certeza vingar. Por aquelas mil e uma razões que todos carregamos no nosso íntimo mas que geralmente nem as paredes confessamos. Ai, que vergonha...:)))
terça-feira, 24 de julho de 2012
Brilhos
Algures num compartimento da minha cabeça habita a magia dos contos da minha infância. (Abro um parêntese para certificar que o "belicismo" dos alemães possui na outra face essa maravilhosa capacidade de criar mundos que cintilam de magia senão não teria eu guardado estas gravações). Por vezes as neuronas acordam-me a cavalgar nessas minhas imagens infantis em que abundam as florestas densas e misteriosas, as crianças loiras de tranças e calções enfiadas num gorro e num cachecol, os gnomos sábios e trabalhadores, os rebuçados, o chocolate e as nozes, os animais curiosos e de caudas peludas, as casinhas de madeira iluminadas na noite escura, onde através das vidraças quadriculadas, brilha sempre um abeto nórdico de Natal e se ouvem cânticos afinados, a neve branca e fofa que cobre tudo e todos, trenós, renas e sacos de serapilheira cheios de presentes trazidos por um S. Nicolau grave e bondoso, um mundo pintado, cantado e encantado de fantasia bri...lhante e envolvente que faz sorrir. Decerto que este capricho neuronal matinal não serve para nada em concreto. Porque a infância já vai longe e com o primeiro café vem também servida - uma "querideza" - a implacável e incontornável agenda da realidade. Mas fica um halo de magia no ar, uma fosforescência que envolve, impregna e se desprende do meu estado de espírito e que, sem querer, abrilhanta e ilumina a realidade. Tiro para mim, duas conclusões: mais uma prova de que o presente, como tal, não existe. O que existe é uma "corrente de consciência" que une o passado (memória) ao futuro e o antecipa e molda. A outra conclusão é de que a realidade objetiva não existe. As coisas não "brilham" por si próprias. O brilho está em nós. No mundo da fantasia os seres possuem varinhas mágicas. É por isso que não me importo que as minhas neuronas vasculhem no quarto onde guardo os contos que me explicaram na Escola alemã e brinquem com essas varinhas.
Algures num compartimento da minha cabeça habita a magia dos contos da minha infância. (Abro um parêntese para certificar que o "belicismo" dos alemães possui na outra face essa maravilhosa capacidade de criar mundos que cintilam de magia senão não teria eu guardado estas gravações). Por vezes as neuronas acordam-me a cavalgar nessas minhas imagens infantis em que abundam as florestas densas e misteriosas, as crianças loiras de tranças e calções enfiadas num gorro e num cachecol, os gnomos sábios e trabalhadores, os rebuçados, o chocolate e as nozes, os animais curiosos e de caudas peludas, as casinhas de madeira iluminadas na noite escura, onde através das vidraças quadriculadas, brilha sempre um abeto nórdico de Natal e se ouvem cânticos afinados, a neve branca e fofa que cobre tudo e todos, trenós, renas e sacos de serapilheira cheios de presentes trazidos por um S. Nicolau grave e bondoso, um mundo pintado, cantado e encantado de fantasia bri...lhante e envolvente que faz sorrir. Decerto que este capricho neuronal matinal não serve para nada em concreto. Porque a infância já vai longe e com o primeiro café vem também servida - uma "querideza" - a implacável e incontornável agenda da realidade. Mas fica um halo de magia no ar, uma fosforescência que envolve, impregna e se desprende do meu estado de espírito e que, sem querer, abrilhanta e ilumina a realidade. Tiro para mim, duas conclusões: mais uma prova de que o presente, como tal, não existe. O que existe é uma "corrente de consciência" que une o passado (memória) ao futuro e o antecipa e molda. A outra conclusão é de que a realidade objetiva não existe. As coisas não "brilham" por si próprias. O brilho está em nós. No mundo da fantasia os seres possuem varinhas mágicas. É por isso que não me importo que as minhas neuronas vasculhem no quarto onde guardo os contos que me explicaram na Escola alemã e brinquem com essas varinhas.
sexta-feira, 20 de julho de 2012
Ser despedido
Viver o próprio despedimento é passar por um dos momentos mais duros na vida. É um processo que se abate sobre nós como uma cascada de ondas violentas em que a massa ininterrupta de água, quando não nos derruba no primeiro instante, nos vai enfraquecendo e desiquilibrando e atordoando até não sermos capazes de lhe oferecer mais resistência, concentrando-se então a luta na procura de um novo ponto de apoio e sobrevivência. A ondulação não é eterna - há quem diga que as vagas se deslocam a sete - e quem já se sentiu enrolado na rebentação sabe que, em melhores ou piores condições, se emerge sempre à superfície. O levantar não é fácil. A perda brusca da sustentabilidade vital assusta, dá medo, corroi a confiança que temos em nós próprios e deixa sequelas e às vezes feridas. Mas também deixa lições: a primeira é de que o Ser Humano está programado para sobreviver e leva nele gravados os mecanismos e ferramentas para ultrapassar as piores circunstâncias e vivèncias. A segunda é a de que olhamos para a vida e a forma de estar nela de uma maneira diferente. A experiência apetrecha-nos. E por último que, por muito violentas que sejam as ondas, elas são apenas sete seguidas. Depois da queda vem a ascensão. E uma nova bonança. É preferível não passar por esta experiência, claro. Mas quem diz que ela não serviu para testar qualidades ocultas e colocar-nos numa nova perspectiva que, de outra forma, jamais se nos apresentaria aos nossos olhos? Apesar de tudo, quem é apanhado pelas ondas e vem a rebolar, atordoado, até à praia, agradece profundamente que alguém, neste percurso vertiginoso, lhe dê uma mão e ajude a recuperar o equilíbrio perdido. E mostre solidariedade e compreensão!
Assassina de plantas
Sempre tive uma relação especial com as plantas. Embora seja trapalhona e muito pouco germânica no cuidado que exigem. Mas a coisa é tão curiosa e surpreendente que até parece que existe uma relação qualquer que acontece numa dimensão que me escapa. Quando estava em Bruxelas comecei por ter em casa duas grandes plantas: uma palmeira e um ficus (sempre lhe chamei assim, mas o nome deve ser outro). A verdade é que tinha a certeza de que ambas se dividiam a minha atenção e tinham chegado a um pacto de não agressão entre elas. Isto virou dogma quando comecei a comprar outras plantas. Morreram todas. Em Barcelona estas duas plantas morreram porque a senhora da casa era uma outra palmeira. Todas as que vieram a seguir também morreram. Agora que eu não estou em Barcelona a palmeira está a definhar, coitada...Em Lisboa enchi a casa e a varanda de plantas. Como levo aqui pouco tempo ainda não percebi bem as relações de poder que se vão estabelecendo entre elas. Mas ando atenta...muito atenta! E procuro esconder o carinho que tenho por alguma delas...custa muito viver com a etiqueta de "assassina de plantas"...
quarta-feira, 18 de julho de 2012
O Mico por terras de Angola
A estas horas o Mico já deve andar por Luanda. Primeiro trabalho, primeira vez em África, primeiro contacto com Angola, primeira vez em Luanda. A primeira vez de "algo" na nossa vida é sempre um momento único e irrepetível. Muito embora a experiência possa modificá-la ou acrescentá-la, esse momento deixa uma impressão digital na alma que será sempre a primeira, a mais original, a mais pura, a mais genuína. Pedi ao Mico (sugestão de mãe) que tivesse os sentidos bem abertos na vivência destes primeiros momentos, como se faz com uma máquina fotográfica: máxima exposição à luz. Para captar o mais que pode através dos 5 sentidos e com isso conseguir ter uma "perspectiva" de 360º desta primeira experiência africana. África tem que ser vivida com os sentidos não só porque é assim que ela quer ser vista (senão não seria tão exuberante) mas também porque a razão, sobretudo a que é formatada pela experiência europeia, nos enche de preconceitos e juízos de valor que fazem com que não consigamos compreender a sua verdadeira essência. Fico cheia de vontade de saber como foi este primeiro embate. Quanto ao trabalho, o primeiro, é fantástico que seja em Angola. Entra de cabeça no mundo dos países que serão os actores do crescimento económico mundial nos próximos anos. Países inseguros, de rumo incerto e com uma dinâmica interna que se situa numa latitude completamente diferente da nossa, na Europa. Ainda bem que assim é. Que sorte que ele tem. Eu, aos 24 fui para o então Novo Mundo para o Portugal de 1984. Ele vai para o que agora é o Novo Mundo para a Europa, essa África rica, desmesurada, incontrolável e explosiva...O mundo evolui mas os padrões de evolução são os mesmos. Boa sorte Mico! Entre com o pé direito e viva a fundo! Deus estará sempre consigo e nós, aqui, sempre atentos, na retaguarda, solidários, na expectativa e para o que der e vier! :-))))))
terça-feira, 17 de julho de 2012
Pensar é estar de férias
Estou de férias, sempre que penso. Porque pensar é estar "rapatanadamente" (termo que usava a minha mãe) instalada numa cadeira de lona às riscas, quase na horizontal, a observar o bulício de uma feira de aldeia, imersa na música pimba, impregnada do cheiro de farturas e sardinhas, peganhenta de algodão doce mais a caneca ganha nas rifas, o desvario dos carrinhos de choque, a areia embirrenta que entra no sapato, fecho os olhos e vejo um enorme cenário salpicado de emoções e sensações coloridas e ruidosas e, lá está, ondulantes e ininterruptas, a aparecer e a desaparecer, umas teimosas outras menos, há de tudo, convincentes, charlatãs, fugazes, persistentes, embirrentas e doces, complicadas ou simples, caríssimas ou pechinchas, ideias há-as para todos os gostos e necessidades, basta sorrir, de mansinho e sorrateiramente e elas caem na armadilha, e escorregam como aquela bolinha de rebuçado da máquina de vidro, pelo tubo da mente diretamente para a consciência. Este tipo de férias, nos dias que correm, enquadram-se perfeitamente nas medidas de austeridade preconizadas. Como no mundo das ideias tudo corre à velocidade da luz, seja em forma de fotão ou de onda, e não se ocupa espaço, não se incomoda o tempo e não se gasta um cêntimo...vou a correr patentá-lo antes que alguém se lembre de o usar e incluir no próximo pacote de austeridade. Assim vão ter que me pagar royalties e...se calhar até posso pagar-me umas boas férias a sério! É tudo uma questão de imaginação! :-)
Reflexões sobre o amanhecer
Dá-me imenso jeito que a luz, na sua essência mais remota, possa ser entendida e descrita (roughly) também como uma onda. Como, a essa escala, os modelos de representação são só matemáticos, sou "relativamente" livre para imaginar, à minha escala, e portanto sentir o ondular do amanhecer através das frinchas das portadas das janelas, seja em Lisboa, em Barcelona ou em Djakarta (onde nunca estive) sem transgredir as leis fundamentais da física. É que a progressiva inserção na realidade não se faz linearmente. O amanhecer não é um jacto de luz, saído de uma mangueira, que vai aumentando de intensidade e inundando a escuridão. É antes uma suave ondulação onde os nossos sentidos vão detetando, alternadamente, a luz e as sombras, até adquirirem plena consciência da manhã, que sem ferir, se esgueirou pelas frinchas das portadas. A diferença entre o amanhecer de Lisboa e o de Barcelona, agora no verão, está na amplitude dessa onda (Em Djakarta não sei como é, só sei que deve ter uma amplitude muito dela). Enquanto que em Lisboa essa amplitude é menor, mais reduzida, em Barcelona, o ondular é mais pronunciado. Em Lisboa o amanhecer é suave. Em Barcelona, feérico. Logo, em Lisboa é preciso mais café para acordar, em Barcelona menos! Espero que os físicos do CERN considerem esta associação relevante e no próximo choque frenético de partículas consigam averiguar o porquê e como da relação entre a luz e a cafeína. Não sei se a Humanidade, mas eu agradeceria.
Um exemplo para a Humanidade
Stoyanka Koleva é uma amiga búlgara de Barcelona. É professora da instrução primária. O marido também. Emigraram, com dois filhos, há muitos anos, para Barcelona. Podem imaginar o que aconteceu e o que tiveram que fazer para para poderem sobreviver em Barcelona. Só que, por convicção, esforço e tenacidade, profundamente enraizados neles, não quiseram nunca e só sobreviver. Aprendi búlgaro com a Stoyanka e tive o enorme privilégio de sentir, nas inúmeras horas em que com paciência e tenacidade, ía talhando na minha massa cinzenta, os circuitos da lógica e do sentido da língua búlgara, a convicção, a tenacidade e a capacidade de sacrifício que a animava: queria proporcionar aos filhos o futuro que a vida lhe tinha roubado a ela, na Bulgaria. Sem ponta de amargura, sem lamento algum, antes pelo contrário. Havia alguma lágrima de emoção, na voz, nalguns daqueles momentos búlgaros mais íntimos...claro que sim. Mas eram só breves notas outonais numa personalidade eminentemente de verão! Hoje o filho licenciou-se em Engenharia pela Universidade Politécnica da Catalunha. É o Euromilhões dos que, por convicção, se esforçam e não cedem à tentação de ver a vida como um fato predeterminado que há que vestir, contrafeitos, por força de um fado malfadado. A Stoyanka, o marido e os filhos ambicionaram mais, esforçaram-se por mais, não cederam ao menos que ía aparecendo nos dias piores e hoje têm esse mais, nesta impressionante fotografia do filho, à porta da Universidade Politécnica da Catalunha, com o "canudo" na mão. Tiro-lhes o chapéu, com profunda admiração! Sei os enormes sacrifícios que fizeram e ao que muitas vezes foi preciso sujeitarem-se. Fui testemunha, muito próxima, de como lhes iam dando a volta e como a dignidade nunca esteve em causa. Afirmo, peremptóriamente, que a Stoyanka e a família são um exemplo para a Humanidade! Nem mais, nem menos! Честито, семейство! Браво Стоянка!!!
domingo, 8 de julho de 2012
A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DA UNIÃO
Carlos Costa Neves*
Maria do Carmo Marques Pinto**
... 
A União que construímos é já hoje
uma união política. Imperfeita, incompleta, por vezes perversa, mas ainda assim
uma união política.
O percurso trilhado após a queda
do Muro de Berlim, na base dos compromissos então possíveis, explica as atuais
insuficiências. Em Maastricht foi decidido evoluir de “comunidade económica”
para “união política”, assente em diversos pilares que, mais tarde, se
revelaram desequilibrados na dimensão e na robustez. Distinguimos o mercado
único incompleto, a moeda desprovida de mecanismos de defesa, a união económica
insipiente, a política externa sem ambição e o caráter difuso do sistema de
governação. A crise económico-financeira de 2008 potenciou todas as
fragilidades e imperfeições da União. 
Desde então, temos andado em
busca do tempo perdido. É certo que a vertente económica foi robustecida com a
assinatura do Tratado Intergovernamental. No entanto, quanto ao pilar
monetário, do importante fez-se o urgente, como tornará a acontecer quando, em
socorro do sistema financeiro, avançarmos na criação da união bancária. Quanto
ao sistema de governação definido pelo Tratado de Lisboa, constata-se que,
sendo difuso, propicia a sobreposição de interesses particulares ao comum.
A imperfeição desta União
reflete-se ainda na sua reconhecida incapacidade para se apresentar, na cena
internacional, a uma só voz, como exige a natureza dos desafios decorrentes da
globalização, do alimentar ao energético, do financeiro ao demográfico, sem
esquecer o ambiental, o que limita a defesa dos interesses que representa, o
aproveitamento das oportunidades que se oferecem, a proteção dos princípios e
valores que professa. 
Esta união politica não peca, no
entanto, apenas por defeito ou omissão. A “insustentável leveza” que a
caracteriza tem consequências que podemos qualificar como perversas. Senão
vejamos! Sustentamos uma PAC que apoia os produtores com base no “histórico” da
produção de cada um dos Estados Membros, o que põe em causa as mais elementares
regras da concorrência. As contas de “deve e haver” não contabilizam a
intangibilidade dos ganhos de que beneficiaram as economias do centro da Europa
na sequência do alargamento, o que acentua a “divergência” entre estas e as
demais economias da União. A palavra de ordem das instituições europeias face à
crise financeira de 2008 foi “reforcem o investimento público”, sem considerar
a situação económico-financeira particular de cada Estado Membro. Esta
surpreendente e inédita terapia europeia equivaleu, para países como Portugal,
a deitar gasolina na fogueira. Persiste a coexistência de acordos comerciais,
entre a União e Estados terceiros, com acordos bilaterais que outorgam
condições mais favoráveis a Estados Membros. Pela falta de mecanismos de
garantia solidária da dívida, o Euro funciona como “moeda estrangeira” para certos
Estados Membros, entre os quais Portugal, já que o custo do acesso ao crédito é
assimétrico, logo gerador de desigualdades penalizadoras, incompatíveis com a
noção de mercado único. E os exemplos não terminariam! 
Qual deve ser a resposta? Uma
imagem vale por mil palavras! O processo de construção europeia é como um avião
de grande envergadura que, embalado na pista de descolagem, ultrapassou o
“ponto de não retorno”, o momento crucial a partir do qual já não há volta
atrás! A União, face aos desafios impostos pela crise e pela globalização, só
tem como alternativa à sua “insustentável leveza”, reunir a vontade politica
necessária para dar um salto qualitativo na construção de uma verdadeira união
politica. 
Por outras palavras, neste “ponto
de não retorno” em que se encontra o processo de integração europeia, o único
passo sério, sensato e realista é “refundar” a União Europeia, lançando uma
união política assente numa nova legitimidade democrática, na qual as politicas
definidas sejam efetivamente geridas no plano europeu e dotada dos recursos
próprios necessários ao cumprimento das suas atribuições.
O que há uns anos atrás era pura
ficção, hoje é necessidade inadiável. A construção europeia, falaciosamente
qualificada de económica, deve assumir-se, sem complexos, como uma construção
eminentemente politica, como no início aconteceu, o que deu origem ao processo
de integração mais original, complexo e próspero da História da Humanidade.
Ainda que as circunstâncias não sejam as de 1951, os desafios que hoje
enfrentamos determinam uma união ambiciosa, coerente, eficaz e assumidamente
política. A bem dos cidadãos europeus e dos do resto do mundo.
quarta-feira, 4 de julho de 2012
Mico em Luanda
Acabei de saber que o meu filho vai trabalhar para Luanda. É um projeto de curta duração. Mas vai. Fiquei emocionada. Há, na ida do Mico para Luanda, o sinal de que lhe calhou a ele hoje, fazer essa viagem que, antes dele, a fizeram os meus avós e a minha mãe (1946), os meus pais, os meus irmãos e eu (1973). Luanda é, por isso e pelo que lá vivemos, muito mais do que um lugar na geografia, ainda q...ue em Africa a geografia seja particularmente exuberante e não deixe ninguém indiferente. Luanda marcou um rumo diferente nas nossas vidas e é, por isso, uma referência vital e emocional inesquecível. Que o meu filho, que nasceu e foi criado em Bruxelas e cresceu em Barcelona, sem nunca ter vivido em Lisboa (onde, apesar de tudo Angola está presente) sem nunca ter tido qualquer relação com Angola, agora, vá para Angola como primeiro destino profissional, é um sinal de que essas referências do passado fizeram, fazem e farão sentido na vida destas três gerações e que a ida dele para Angola não é um acontecimento solto e sem nexo...É possível que ele encolha os ombros e não ligue a isto. Mas também não precisa de fazer-me caso, hoje. Um dia saberá que foi assim. Que não existem casualidades, na vida, e de que ele há sinais, nos percursos das famílias que, mais do que factos, são elos de uma cadeia que, no fundo, são a manifestação, à escala da realidade, da cadeia de ADN. E que esta lógica que relaciona o que somos e o que fazemos e o que nos acontece, é algo que, muito possivelmente nos transcende. Para mim, é uma janela aberta para debruçar-me sobre a "essência da vida". Um programão!
terça-feira, 3 de julho de 2012
Dias de sobrolho franzido
Há dias de sobrolho franzido. Ensombrados de nuvens pesadas e escuras, abafados e sem horizonte. Na alma chove torrencialmente, as contrariedades não saem de passeio e resmungam pelos cantos, embirrentas, enervantes. A paciência fica ansiosa, a alegria desbota e o otimismo não ouviu o despertador e por isso deixou-se ficar, como se fosse domingo e não fosse preciso levantar-se. São dias em que as ...horas se multiplicam por minutos intermináveis, curvas e mais curvas, um trânsito insuportável, uma teimosia quezilenta e estéril, só apetece fugir e despir a circunstância apertada que incomoda e cansa como se não fôssemos mas sim um equívoco, enganou-se, não tem importância, boa tarde, a cabeça dói, as opções estão entupidas, que maçada, outra vez, não me apetece, este chato, outra vez a prolongar-se pelos nervos acima, não encontro, não sei onde está, já te disse mil vezes que não e não é não, que barulho ensurdecedor, não aguento mais, fica por fazer, bichas de preguiças acumuladas que vão ficar por fazer, não me apetece, já disse, vou chegar atrasada, tanto pó, nem olho, que saudades, arrastadas, um fundo baço de tristeza assobia no lume, chocalha, deita por fora, haverá quem saiba o que fazer, mas eu não e nesses dias até mesmo a almofada decide não sê-lo e adormeço e porque sim, porque estes dias existem, o meu sobrolho, embirrento, decidiu franzir-me a vida...
sábado, 30 de junho de 2012
O que escrevo
Escrevo o que sou
e sou como escrevo
e é por isso que as palavras
desfilam o que sinto
e se articulam como penso
e te fazem sonhar.
Só tu sentes o que de mim
ondula no ritmo
das rimas desfeitas,
só tu pasmas
com a forma
como as cores
da minha alma
vão entardecendo
à medida que
o poema se vai
desenhando
nas palavras
que deslizam
subtis
de um pensamento
e caem em cascata
na folha de papel
em branco.
Só eu sei
encadear-te
no que sou
quando escrevo
e no que escrevo
por amor.
e sou como escrevo
e é por isso que as palavras
desfilam o que sinto
e se articulam como penso
e te fazem sonhar.
Só tu sentes o que de mim
ondula no ritmo
das rimas desfeitas,
só tu pasmas
com a forma
como as cores
da minha alma
vão entardecendo
à medida que
o poema se vai
desenhando
nas palavras
que deslizam
subtis
de um pensamento
e caem em cascata
na folha de papel
em branco.
Só eu sei
encadear-te
no que sou
quando escrevo
e no que escrevo
por amor.
sexta-feira, 29 de junho de 2012
Saudade
A saudade é a brisa que acaricia as paisagens da nossa memória e colhe das árvores e das flores as sementes com que plantamos o presente e colhemos o futuro.
Olhar sobre o passado
Olhar para o passado é como a imensidão de um campo de trigo dourado e ondulante. Ás vezes, entre as espigas, espreita uma papoila encarnada que retém o olhar e quebra a monotonia. Outras vezes é um pássaro mais atrevido que perturba a cadência da ondulação. Há ainda as vezes em que um vento revoltado ou uma chuva persistente transtornam a serenidade e quietude dessa paisagem doce e melancólica.
Assim é também o nosso olhar sobre o passado. Dele guardamos apenas os momentos de exceção que interrompem o seu lento desenrolar pelos dias, meses e anos, rotina acima, rotina abaixo, silencioso e ondulante como um campo de trigo a perder de vista, em dias de bonança.
Assim é também o nosso olhar sobre o passado. Dele guardamos apenas os momentos de exceção que interrompem o seu lento desenrolar pelos dias, meses e anos, rotina acima, rotina abaixo, silencioso e ondulante como um campo de trigo a perder de vista, em dias de bonança.
segunda-feira, 4 de junho de 2012
Lisboa
Lisboa
Lisboa é amar a primeira vez
É o prazer da carícia lenta 
Ao dobrar de cada esquina
O sufoco de um beijo demorado
Nesse raio de luz dourado
Que tinge de melancolia
As proezas do passado
Palavras de amor espalhado
Ao vento sussurrado
Nos acordes de uma maresia lenta
Que enche de odores desgarrados
O entardecer de um luar trinado
De um fado debruçado
Sobre as esteiras prateadas
De um amor a correr
Até à foz da eternidade.
quarta-feira, 23 de maio de 2012
Os meus jacarandás
Aqueles jacarandás
que me cruzam cada dia,
ao virar das esquinas,
são nuvens delicadas
de memórias passadas
vestidas de lilás.
Frascos de cristal e prata
doirados de perfumes
secos, gastos e refinados
sobre mármore rosa pulido
pentes de osso e marfim
enfeitam escovas de javali
sob o olhar doce e perdido
da Virgem de talha pintada
reliquia venerada
de jóias adornada.
Sopra a brisa
pela cambraia fina
de renda trabalhada
e agita o lilás,
no solitario que guarda
a imagem passada
de um amor desvanecido
cai a pétala delicada
sobre folhas de seda
amarelada
de um livro de orações,
colares, pedras, brasões,
lenços bordados, alinhados
em caixas de cetim
penas, plumas e coxins
a ouro fino debruados,
sedas doces, perfumadas
flores pálidas espalhadas
pelas imagens espelhadas
na memória de um tempo
vestido de lilás
em cada esquina
de cada dia
naqueles jacarandás.
O rio que sou
Que infantil
esta forma de saltitar,
do sentir
para o pensar,
e colher
a beleza pueril
a florescer
à beira das gargalhadas
de cristal
a fluir
entre as sombras
pontiagudas
da minha alma.
terça-feira, 22 de maio de 2012
ODE À VIDA
Amo a
vida! Adoro quando ela se manifesta numa gargalhada sonora, num abraço
espontâneo, numa zanga monumental, num erro crasso, numa angústia corrosiva,
numa espera ansiosa, num trabalho suado, numa conversa profunda, numa decepção
monstruosa, num silêncio desgastante, numa mão estendida, num conselho avisado,
num projeto partilhado e num beijo sem fim. Adoro quando ela nos deixa uma
noite acordada a pensar e nos obriga a melhorar e nos desafia sem cessar a
superar o impensável e inimaginável e nos transforma num alguém que ainda ontem
não levávamos dentro de nós. Adoro entregar-me, vestir causas e partilhar
entusiasmos, emocionar-me até à medula e sentir o nó que aperta a garganta e se
prolonga e prolonga e não tem fim. Adoro essa vida que nos acorda primavera e
deixa de ser colorida sem sabermos porquê e se descose ao entardecer pelas
costuras numa torrente de lágrimas que encharcam, resfriam e constipam o dia de
amanhã. Adoro caminhar lentamente a tristeza de uma ausência e sentir como nos
enche o coração de saudade, adoro recordar e reviver momentos passados num
sorriso que ilumina a alma, reencontrar pessoas, coisas, sítios, músicas,
letras, palavras, vozes e encher delas os pensamentos pachorrentos de uma tarde
de verão. Adoro amar tudo o que se cruza no meu caminho e me agarra com dois
braços abertos e enche a noite de ternura e os dias de cumplicidade e dói
quando se ausenta e atormenta quando se escapa. Amo demais os mundos escritos
aprendidos de palavras com que forrei e enchi o meu próprio Universo e é nelas que
espalho e espelho com delícia e prazer as cores, a música e os sabores das
vozes da minha alma.  Adoro dar
tempo e um compasso de espera à vida que se apressa a ser consumida no imediato
e a deixar para amanhã o que poderia ser feito hoje e antecipar o que grita
para ser deixado uns dias em cima da mesa, surpreender e ser surpreendida pelo
que não espero, ficar sem voz, ficar sem fôlego, ficar sem forças e abraçar o
milagre até ao café da manhã. É isso a vida, só assim sei viver e quero
escrever os dias de mim, um atrás do outro como se tudo fosse acabar no segundo
a seguir, entregue ao que sou, amando como sei, dando o que não concebo, assinando
tudo o que faço sem nada negar ou esconder e de nada renegar porque vida há só
uma, aquela a que Deus deu a bênção do meu nome e a competência para a ser.
quinta-feira, 3 de maio de 2012
Viagem ao desespero
Há dias em que o desencanto nos encharca a alma. Em que parece impossível vencer o desespero, encontrar coragem e serenidade para arrancar a força e o alento suficientes e continuar a lutar pela escolha feita. Em que a maior crueldade é pôr em dúvida se a convicção não será, afinal, um capricho, o empenho, puro quixotismo, o valor que sabemos que temos, ridícula presunção e a boa-vontade, servilismo.
Há vezes em que é tão fácil sentirmo-nos destruídos e ruirmos como um castelo de cartas. Dizem que é possível desenvolver mecanismos resistentes ao tiro certeiro na alma. Talvez. O que acontece é que por vezes há circunstâncias, factos, acontecimentos e até decisões que tomamos que dão por nós sentados à nossa beira a recolhermos os nossos cacos.
Nesses dias não há conselho avisado que indique o caminho acertado, experiência útil que guie à solução nem mão amiga que suavize a solidão. Há dias assim, na vida. Não vale a pena a pretensão de querer ser o herói que não se é. A honestidade de ser-se vulnerável e de estar eternamente mal preparado para esquivar tiros certeiros ou bombardeamentos massivos, acaba sempre por vir ao de cima e é com ela que há que acabar os dias da nossa vida...
São dias em que a solidão e o desespero obrigam a descer ao âmago de nós próprios e a enfrentar a complexa obra de engenharia que nos sustenta e anima. E para alguns é reconfortante constatar, uma vez e outra, a solidez dos materiais de que somos feitos, a precisão dos mecanismos que nos guiam e a fiabilidade dos sistemas de segurança que garantem a nossa blindagem às maiores intempéries da vida. É nestes nossos fundamentos que - se são sólidos e indestrutíveis -  há que ir buscar de novo a fé em nós e nas escolhas que fizemos e reconstruir tudo o que nesses dias, parecia impossível de ser refeito e recuperado. Não é uma viagem de recreio nem um passatempo agradável. Nem sequer está garantido que seja um êxito. Mas é neste depósito que residem as coordenadas da viagem que empreendemos. Quando se perde o rumo, há que procurá-las. Encontrá-las e seguir em frente, renovado. Ferido mas sobrevivente. E quando se é sobrevivente, a vida tem outro sabor. 
segunda-feira, 30 de abril de 2012
Hoje faz sentido
Hoje e sempre fará sentido parar no caminho. E regressar a casa. Ao lugar onde se guardam as essências, os fundamentos, a lógica estrutural que dá sentido às escolhas que nos levam aos lugares desejados. Faz ainda mais sentido quando no caminhar o desconforto se faz evidente, se acumula e o cansaço se torna insuportável.
Regressar a casa é um risco. Mas maior é ainda o de continuar sem dar ouvidos a esse desconforto. Porque se ele existe, não pode nem deve ser ignorado. Há que medir os seus contornos, procurar-lhe as causas, detectar o seu alcance. Fazer-lhe face.
É bom regressar a casa. Abrir a porta, deixar cair os pesos no chão, percorrer lentamente os cantos esquecidos, colher os cheiros familiares, encontrar de novo o sentido a essa paisagem interior que nos caracteriza. É bom voltar, abrir as janelas, preparar um café, deitar-se no sofá de sempre, olhar em volta e ir identificando, uma a uma, as razões de ser dessa familiaridade acolhedora de sempre.
É bom acender o primeiro cigarro, deixar que aquelas músicas de sempre encham o ar dos afectos cálidos e doces arrumados em casa e ir saboreando-os sem lhes opôr resistência. Começa-se por revivê-los tal como foram vividos no passado embora nos vamos dando conta, à medida que o tempo vai passando, que uma nova maneira se os sentir se sobrepõe à antiga e que a eles se juntam agora os novos afectos colhidos pelo caminho.
E lentamente, muito lentamente, começa a aventura de saber exactamente onde se situam as novas coordenadas afectivas, a razão de ser da paragem no caminho, a necessidade absoluta que sentimos de ultrapassar o desconforto e recuperar o sentido às escolhas feitas.
É preciso dar tempo ao tempo. A paragem, em casa, tem que demorar o tempo que for preciso. Não é fácil abordar desconfortos. Não é fácil perceber porque surgem. Não é fácil apreender e compreender o alcance que têm. Por vezes nem é fácil desenhar-lhes os contornos. Por isso regressamos a casa. Se pudessem ser resolvidos sem este regresso ao conforto das essências, sê-lo-iam. E só tempo e o silêncio e esta estadia serena em casa permitem identificar as razões pelas quais fomos levados a parar. O tempo, o silêncio e a rotina caseira. Sós, connosco e em silêncio a deixar que o tempo corra e vão surgindo elementos para as coordenadas futuras...onde deixem de existir os desconfortos e se possa de novo empreender as caminhatas que dão sentido à vida.
Faz tanto sentido...
Regressar a casa é um risco. Mas maior é ainda o de continuar sem dar ouvidos a esse desconforto. Porque se ele existe, não pode nem deve ser ignorado. Há que medir os seus contornos, procurar-lhe as causas, detectar o seu alcance. Fazer-lhe face.
É bom regressar a casa. Abrir a porta, deixar cair os pesos no chão, percorrer lentamente os cantos esquecidos, colher os cheiros familiares, encontrar de novo o sentido a essa paisagem interior que nos caracteriza. É bom voltar, abrir as janelas, preparar um café, deitar-se no sofá de sempre, olhar em volta e ir identificando, uma a uma, as razões de ser dessa familiaridade acolhedora de sempre.
É bom acender o primeiro cigarro, deixar que aquelas músicas de sempre encham o ar dos afectos cálidos e doces arrumados em casa e ir saboreando-os sem lhes opôr resistência. Começa-se por revivê-los tal como foram vividos no passado embora nos vamos dando conta, à medida que o tempo vai passando, que uma nova maneira se os sentir se sobrepõe à antiga e que a eles se juntam agora os novos afectos colhidos pelo caminho.
E lentamente, muito lentamente, começa a aventura de saber exactamente onde se situam as novas coordenadas afectivas, a razão de ser da paragem no caminho, a necessidade absoluta que sentimos de ultrapassar o desconforto e recuperar o sentido às escolhas feitas.
É preciso dar tempo ao tempo. A paragem, em casa, tem que demorar o tempo que for preciso. Não é fácil abordar desconfortos. Não é fácil perceber porque surgem. Não é fácil apreender e compreender o alcance que têm. Por vezes nem é fácil desenhar-lhes os contornos. Por isso regressamos a casa. Se pudessem ser resolvidos sem este regresso ao conforto das essências, sê-lo-iam. E só tempo e o silêncio e esta estadia serena em casa permitem identificar as razões pelas quais fomos levados a parar. O tempo, o silêncio e a rotina caseira. Sós, connosco e em silêncio a deixar que o tempo corra e vão surgindo elementos para as coordenadas futuras...onde deixem de existir os desconfortos e se possa de novo empreender as caminhatas que dão sentido à vida.
Faz tanto sentido...
domingo, 29 de abril de 2012
No silêncio de uma noite de chuva
os pensamentos vão escorrendo
gota a gota
uma atrás de outra
e infiltram-se
por onde o dia
me veda às ideias
e vou atrás delas
a cair sem cessar
pela vidraça, a correr
são cristais
que encontro no caminho
e vou guardando
sem pensar
na chuva que vai caindo
e lentamente,
consumindo
o meu olhar
vai longe o caminhar
na vida a gotejar
pouco a pouco
deixo de pensar
os olhos a fechar
no doce embalar
da chuva a escorrer
pela vidraça, devagar
gota a gota,
silenciosa,
tudo é paz
tudo é sossego,
adormeço.
os pensamentos vão escorrendo
gota a gota
uma atrás de outra
e infiltram-se
por onde o dia
me veda às ideias
e vou atrás delas
a cair sem cessar
pela vidraça, a correr
são cristais
que encontro no caminho
e vou guardando
sem pensar
na chuva que vai caindo
e lentamente,
consumindo
o meu olhar
vai longe o caminhar
na vida a gotejar
pouco a pouco
deixo de pensar
os olhos a fechar
no doce embalar
da chuva a escorrer
pela vidraça, devagar
gota a gota,
silenciosa,
tudo é paz
tudo é sossego,
adormeço.
quinta-feira, 26 de abril de 2012
Um poema por colher
Um poema por colher
À beira da
minha estrada
Existe um
poema por colher
Rosas
brancas de palavras
Amor eterno
por escrever.
Foi Deus que
as plantou
Numa tarde,
sem dizer.
Um anjo o
anunciou
E eu sem
perceber.
Errei por
caminhos vários
À procura de
palavras
Rosas
brancas em rosários
De orações desfiadas.
Palavras
brancas de rosas
De um amor
por acontecer.
Saiba eu
escreve-las todas
Para um
poema colher.
Lisboa, 25 de Abril de 2012
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