Páginas

quarta-feira, 30 de abril de 2025

Conversar com a Vida

Felizmente desisti de dirigir um projeto, cujo objetivo era e é nobre e absolutamente vital, como tantas outras iniciativas sociais destinadas, com muito boa vontade, mas recursos infinitamente inferiores aos propósitos, melhorar a vida das pessoas com mais fragilidades na nossa sociedade tão mal pensada e organizada. Digo “felizmente” não porque não gostasse do que fazia e não me sentisse capaz e com ideias e energia para levar para a frente aquele projeto, mas sim porque é, em geral e em particular, uma perca de tempo enorme quando percebemos que, por variadíssimas razões que nem sempre dependem de nós próprios, não somos nem a pessoa certa ou desejada, nem o lugar é onde devíamos estar e que o momento não era, sem dúvida alguma, o mais oportuno para o meu caminho vital. Às vezes, a vida guia-nos, conversando connosco a altas horas da manhã, durante longas caminhadas solitárias pelos sendeiros da serra ou simplesmente enquanto pintamos a parede a precisar de ser refrescada da nossa entrada e dá-nos pistas e dicas e reflexões sobre qual deverá ser o caminho a seguir. E é assim que eu, neste momento da minha vida, ando ocupada a pensar, com a vida, nesta vida que tenho a sorte de ter e que deverá ser, para mim e para os que mais estimo e mais me estimam, útil, de interesse, produtiva, fonte de algo que inspire, ajude e apoie. Que crie, dê origem a algo novo, algo que sirva para algo, me dê prazer, a mim e a todos, desde a hora zero do dia até à hora vinte quatro, nos 365 dias que tem o ano e por muitos anos, espero e desejo.
Para já, a vida deu-me um conselho: lê, muito, tudo o que puderes, o que nunca leste, devias ler, está à espera para ser lido, sobre tudo, tudo, tudo. E, enquanto o fazes, vai escrevendo. Tudo. Mesmo tudo. A escrita é, depois da leitura, ou concomitantemente, uma das atividades que faz do Ser Humano, um criador e não apenas um consumidor. Escrever, acrescenta. Produz. Faz germinar algo que depois poderá servir para algo e construir algo. Há quem possa fazer outras coisas paralelamente à leitura. Muitas coisas. Cada um sabe de si. Escrever é a atividade que mais prazer me dá entre muitas, milhares de atividades que faço.
Ler é intelectualmente afrodisíaco. Uma excitação. E escrever, compor pensamentos escritos em palavras, ligá-las em frases e dar à luz uma história, é um desafio, uma atração irresistível, uma alegria que vive no patamar das alegrias que marcam a vida de uma pessoa. 
Para já, é só o que concluí das conversas com a vida quando ela passa aqui pelo Centro histórico - de madrugada, caso contrário não tem forma de deixar o carro - e me dá esses dois dedos de conversa que arrumam as ideias, organizam as dúvidas, equacionam hipóteses e dão algumas dicas de como “proceder” - how to proceed - às vezes, a vida é de uma snobeira que não se aguenta e adora falar-me em inglês…sorrio e penso logo no amigo Basílio que, se soubesse, ia logo dizer que razão tem em considerar que os que vivemos nas “quintas” da Sintra histórica, somos mesmo uns execráveis “elitistas”. Liquidar residentes e plantar hotéis e colecionar tuc-tucs também pode ser um objetivo de vida. Da dele, se calhar é o que é! Who knows?


19 outubro 2024

Sem comentários:

Enviar um comentário

Seguidores, fãs, detratores, amigos, interessados