Páginas

quarta-feira, 30 de abril de 2025

O eu interrogação

Não é que esteja desiludida com o mundo, com as pessoas, com os sistemas de vida que se criaram nas várias geografias, as regras que se foram gerando para cimentar as escolhas que se foram fazendo por todos ou impostas por alguns, mais poderosos que outros, não é que sinta em mim saudades de outras épocas, quando era mais pequena, mais inocente, mais protegida, quando os dias, os meses eram compridos e nunca mais acabavam e as estações do ano ainda existiam. Não me desiludem nem que chocam nem me entristecem os tempos nem os contextos nem as pessoas que rodeiam a minha atual circunstância, o ser quem sou e o estar onde estou após todos estes anos de existência. Mas a verdade é que sinto que o lugar de encontro entre a minha atenção, o meu olhar, o meu pensamento, as interrogações que surgem com os meus amanheceres cada vez mais prematuros ou durante a leitura de livros que se vão reduzindo cada vez mais aos que verdadeiramente importam, as reflexões que me acompanham lealmente ao longo dos dias, essa convergência entre todas as circunstâncias que acabam por criar o eu que sou, tem lugar em torno de questões que pouco ou nada têm a ver com o que acontece à minha volta e ocupa a atualidade, a agenda onde se desenrolam e comentam factos e se produzem as suas consequências. Ocupa-me e importa-me o que sou e tento ser o melhor que posso para conseguir apreciar-me a valer e sentir que a minha existência me faz sentido, me interessa, me entretém, me faz rir, me surpreende, me educa, me dá a conhecer coisas que não conhecia, incessantemente. Invisto em mim, finalmente. Talvez tenha começado a vida pelo telhado e esteja agora a perceber que deveria tê-lo feito pelos meus fundamentos e só depois passar a outras circunstâncias. Talvez. Só a mim me importa, essa questão, e é uma das que preenchem os vazios que me rodeiam e alimentam a minha circunstância. Chamar-lhe-ão ego-centrismo, mas estou longíssimo de procurar cotação no mercado. Hoje, quando olho para a minha infância, para os momentos em que brincava com as peças de xadrez e construía castelos de cartas ou casas de fósforos ou fazia experiências com pozinhos coloridos no quarto, horas e horas a fio, tento perceber o que procurava e que depois ficou sem resposta. A minha curiosidade não tem limites mas só me interessam as questões que levam à construção desse eu que sou e que procuro saber quem é. Não obstante penso, penso mesmo que muitas dessas minhas interrogações, apesar de apenas me dizerem respeito a mim, até podem ser as que ocupam muitas outras pessoas...e não porque o que as rodeia as entristeça (e voltaria ao princípio...) mas sim porque o Eu é uma interrogação fundamental do Universo.

25 agosto 2024

Sem comentários:

Enviar um comentário

Seguidores, fãs, detratores, amigos, interessados